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Sobre a Stella – por Maria Inês Lamy

Há muitos anos atrás, quando nem havia o Corte Freudiano, fomos assistir à palestra de um psicanalista francês sobre algum tema lacaniano. Sábado de manhã, o Rio explodindo em sol e mar, e nós dentro de um auditório com iluminação artificial e ar condicionado. Na saída, disse Stella, com olhar vago e brilhante: “Quando ouço sobre Lacan é como quando leio Lacan: não vejo o tempo passar…”

Stella era movida pelo desejo. Estudava muito porque adorava estudar. Assim como era apaixonada por literatura, cinema, teatro, dança, viagens, política… Parecia seguir à risca o que disse Lacan sobre Freud: o que o movia não era tanto a coragem mas a paixão[1]. O sacrifício não faz parte da posição de quem se deixa tocar pela psicanálise.

A transmissão era outra paixão da Stella e sorte tivemos nós, que a escutamos e estudamos com ela.  Valorizava a fala de cada um sem, no entanto, ceder do rigor e da ética da psicanálise. Aí está mais um traço fundamental da Stella: levar em conta o que o outro diz sem se colar aos ditos.

A capacidade de se aproximar, podendo manter a distância, se revelava em outra de suas peculiaridades: mal começávamos a estudar com ela, éramos convidados/as para algum programa cultural ou almoço. Stella transitava muito bem em meio aos diferentes vínculos que se estabeleciam.

Esse seu traço fundamental também se manifestava na relação com a Escola. A cada nova onda ou tema, Stella mergulhava, mas não se deixava tragar. Estudava o assunto a fundo, mas mantinha sempre sua interpretação própria, singular. Era capaz, por exemplo, de pinçar no ultimíssimo Lacan o primeiríssimo Freud ou vice versa.

Estrangeiro aqui como em toda parte – esse verso de Fernando Pessoa talvez diga muito sobre a Stella. O poema, escrito em português, traz no título em inglês o nome da terra natal do poeta: “Lisbon revisited”.

Além de presentificar uma vida movida pelo desejo, Stella, entre duas línguas, nos deixou como legado o ensinamento de que somos todos estrangeiros e que cada um deve aprender, a seu modo, a se virar com seu próprio exílio.

O legado é grande, a saudade também…


[1] Lacan, J. O seminário, livro 11. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.
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