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Lição de corpo – por Marcus André Vieira

Com a perda de Stella perdemos uma analista, colega querida, que era todo um mundo, que marcou e promoveu efeitos de formação em todo um mundo. Sua perda exigirá uma reconfiguração libidinal importante de nossa pequena comunidade, pois dificilmente poderemos seguir como antes sem Stella.

Guardo as muitas histórias que teria a contar por preferir trazer a vocês a última lição de muitas que com ela aprendi.

Além de sugerir o título, Stella tomou parte do trabalho de preparação das Jornadas do Rio em curso, Exílios, como sempre, intensa e decididamente. Em um dos encontros, trouxe-nos uma passagem chave de Lacan, da conferência “Joyce, o sintoma”, uma daquelas difíceis que ela tinha prazer em desdobrar. Nela, Lacan afirma que somente os deportados participam da história “…já que o homem tem um corpo, é pelo corpo que se o tem. Avesso do habeas corpus”.

O que aprendi na discussão acalorada em torno dessa frase? A história, os ditadores, mas igualmente as instituições pegam-nos pelo corpo. É pelo corpo que se pega alguém. No entanto, exatamente porque, como insiste Lacan, não somos um corpo, apenas o temos, essa tomada não é jamais integral. Prender o corpo de alguém não é, assim, apreender seu ser, mas sim fixar, mortificar, cadaverizar o que de seu gozo insiste sem em nenhuma parte desse corpo consistir.

Não é o que dizia Arthur Bispo do Rosário quando bordou em um de seus estandartes? “Todo louco tem um morto que ele carrega nas costas. O louco só fica bom quando se livra do morto”.

Stella não tinha cadáver algum nas costas. Era tomada pelo texto, pela letra, incluindo-se nisso, e talvez sobretudo, a escrita particular dos nós. A decifração, o forçamento de leitura era o que a ancorava, o que deixava seu corpo livre desses sentidos comuns, desses mortos com que andamos às costas.

Obrigado Stella!

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