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Homenagem a Stella – por Ana Martha Wilson Maia

Meu encontro com Stella se deu em torno da psicanálise, principalmente do estudo sobre as psicoses. Eu a conheci no Corte Freudiano – Associação Psicanalítica, no final dos anos 80. Nós participamos do Movimento Iniciativa Escola, da fundação da Escola Brasileira de Psicanálise e durante todo este longo percurso ela tem sido e será uma grande referência para mim como psicanalista, por sua dedicação à clínica e aos estudos teóricos e por sua posição na política da psicanálise que ela definia como a política da ética do desejo, da ética do de-ser do analista, ética da falta-a-ser, e que ela sustentava com firmeza e delicadeza.

A cada caso, na leitura do sintoma, Stella apontava detalhes da clínica com articulações teóricas muito precisas. Era impressionante como lembrava de frases inteiras, de citações e nome de autores. Quando queria falar, ela levantava a mão e dizia preciosidades em poucas palavras, em voz baixa, com seu sotaque tão particular.  As pessoas que, como eu, tiveram a feliz oportunidade de trabalhar com ela tiveram com certeza esta mesma experiência.

Cada vez que eu viajava para Paris, de lá enviava os títulos do livros recém-publicados. Comprava os meus e os que Stella me pedia. Até que um dia, há muito tempo, e ela sempre muito avançada, disse-me que não precisava mais ter esse trabalho, carregar peso para ela, pois iria comprar os livros pela internet. Mas junto com os livros, eu sempre comprava um presente que ela adorava : batom. Eu trazia ao menos um batom para ela. Perguntei: e os batons? Em seguida me respondeu: «Ah, os batons, pode trazer!» Não houve uma vez que viajei e não trouxe batons para Stella.

Nós tínhamos um outro interesse em comum : o cinema. Quando publicou o livro No cinema com Lacan, Stella me pediu para encontrar um lugar especial para o lançamento. Para além da venda do livro, ela queria que as pessoas pudessem conversar, beber alguma coisa, em Ipanema. Fui a alguns lugares, contei o que ofereciam, ela me pediu opinião e acabou seguindo minha sugestão. Foi uma noite inesquecível : ela estava feliz, entre muitos amigos e praticantes da psicanálise que compareceram. Stella promovia encontros.

A partir do que diz Lacan no Seminário 23 – que não poderia existir melhor termo, o exílio, para exprimir a não relação – Stella nos contou, no Núcleo de Topologia, a conclusão que chegou ao ler Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves : « Um exilado não só se sente fora de seu lugar por ter tido que sair pela força ou por vontade própria. Quando volta ao que seria seu lugar, também se sente estrangeiro. » Que clareza! – pensei, isso vale para todo parlêtre. Stella sabia fazer com a diferença, com a impossibilidade da relação sexual. A sala ficava cheia.

Quando me convidou para coordenarmos uma atividade da Diretoria da Seção sobre cinema e psicanálise, aceitei sabendo que seria mais uma possibilidade de escutar suas elaborações e de estar com ela. Escolhíamos juntas os filmes e os convidados, para os quais ela fazia questão de ela mesma ligar. Era um prazer ver como ela curtia, desde esta etapa, o trabalho. Os debates eram sobre diferentes temas, em dois ciclos, dois temas gerais. Algumas pessoas saíam do cinema tocadas e continuavam falando na saída. Ela propunha um lugar para sentarmos e a conversa seguia.

Stella sempre foi muito querida, tinha muitos amigos. Nós adorávamos ir à exposições, ao CCBB, ao MAM, entre outros lugares. Depois íamos comer alguma coisa e já chegávamos pensando na sobremesa, adorávamos escolher. Stella pedia uma inteira para ela. E, não raras vezes, ela ia depois assistir um filme sozinha, ou encontrar amigos em um aniversário. Quando uma exposição estava anunciada, ela me ligava para combinarmos de eu passar na casa dela. Se o tempo virasse, eu não ia para evitar sinusites e etc, ela dia : «Então eu vou e te conto depois. Se for bom, vou de novo, com você».Stella era uma ótima companhia inclusive para ela mesma.

E dançar! A última vez que falei com ela foi no dia 15 de julho, antes de sua piora mais grave. Perguntei como estava. «Agora estou com Covid». Eu a lembrei que, ainda bem, tinha muita saúde e alegria de viver. E que, quando isso tudo passasse, embora fosse demorar um pouco, iríamos marcar outra noite de Dance Music para nos esbaldarmos de novo. «Sim!» – me respondeu animada.

Agradeço à Diretoria da EBP-Rio por ter organizado esta linda homenagem e podermos assim nos despedirmos dela.

EBP-Rio 04/08/2020
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