Prezados colegas, desejo disponibilizar para vocês a gravura que ofereci em homenagem à nossa querida…
Homenagem a Stella Jimenez – por Angélica Bastos
Agradeço à diretoria da Seção Rio da EBP a oportunidade dessa homenagem a Stella Jimenez.
Desde que me interessei pela prática da psicanálise e pelo ensino de Lacan, coisas para mim concomitantes, Stella já estava aí, a princípio como a psicanalista argentina ativa no Corte Freudiano e, em seguida, na Escola Brasileira de Psicanálise. Era uma presença singular, cuja raridade eu apenas adivinhava, ao descobrir o título “O desejo é o diabo” na coletânea por ela organizada com Manoel Motta. Mais tarde, como Analista Membro da Escola (AME) e secretária do Passe, soube discretamente testemunhar, com o que há de inigualável no que chamamos de estilo, que a Escola é também um sujeito, com sua divisão e seu real.
Meu gosto pela palavra escrita, meu encanto pelas ouvidas, foi profundamente tocado por seu uso da palavra, tão econômico quanto preciso, agudo, faca amolada. Encontrei em um livro de Chico Buarque a expressão que evocou essa característica dela: ouvir uma língua estrangeira era como cortar um rio a facas. De seu lugar entre línguas, afiada, cortava a facadas o rio das palavras que era tão hábil tanto em provocar quanto em estranhar.
Supervisora, parceira de estudo e trabalho, companheira de congressos e viagens, amiga, nossos laços se estenderam aos próximos de cada uma. Guardo lembranças das idas ao cinema com os queridos Manoel Motta e Fernando Coutinho. Afinal, o livro “No cinema com Lacan” foi composto pela própria vida de Stella. Recordo com especial emoção encontros em que generosamente compartilhou a presença de sua filha Cecília com Fernando e comigo em Buenos Aires e, depois, com Ângela Bernardes e comigo aqui no Rio. Em ocasiões como essas, a luz própria, característica da estrela, dava lugar ao humor e ao sorriso, como aquele do gato risonho de “Alice no País das Maravilhas”, um sorriso que perdura quando o próprio corpo se elide.
Stella não foi ‘a’ supervisora, tampouco ‘uma’ supervisora. Foi várias, pois soube acompanhar ao longo de mais de duas décadas de modo móvel e firme as transformações atravessadas não só pela supervisionanda, mas pela própria psicanálise de orientação lacaniana.
Stella escrevia a nós do Núcleo de Topologia com a expressão “Querido Núcleo”. Até o dia 15/07/20, o último em que trocamos mensagens, foi este o assunto que mais lhe interessou. Ela se animava especialmente com os preparativos para a publicação do livro do Núcleo de Topologia do ICP-RJ. Esse livro não era nosso, dela ou meu, nem dos autores nele reunidos, mas de todos os que participaram do trabalho por ela impulsionado, que partilharam a construção dos casos e as leituras, enfim, daqueles que contribuíram com o que tinham a dizer, para além do que sabiam ou não sabiam.
Uma nota sobre a política, que tanto a mobilizou nos últimos dois anos. Sempre entendi essa faceta de Stella como um efeito de formação analítica. Não que o exercício da política não possuísse antecedentes em sua história, sei que se remetia a momentos cruciais de sua vida. Considero seu engajamento como efeito político da formação permanente, nela tão manifesto, porque não se traduzia em militantismo que coletivizasse em torno de ideais, nem em agendas e pautas preconizadas, mas como a expressão do que Jacques-Alain Miller denominou uma espiral. Ao invés da dualidade entre formação e engajamento político, essa espiral se expande com desenvolvimento e recorrência do mesmo numa mesma ética da psicanálise.
Em um vídeo que circulou com Stella na instalação “Os resistentes” de sua amiga, a artista plástica e psicanalista Glória Sedon, Stella proclamava o termo ‘esperançar’, invocando Paulo Freire. Esse significante diz muito dela. Outro, é a palavra ‘amadurar’, que ela preferia a ‘amadureder’. Com o termo espanhol madurar, ela alternava o ‘amadurar’, o que para mim insinuava a injeção de castelhano introduzida no português carioca. Com essa palavra ‘ama-durar’ posso dizer de minha gratidão e de meu voto de que sua transmissão amadureça e dure entre nós.