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Homenagem à Stella Jimenez: a topologia na transmissão da psicanálise – por Doris Rangel Diogo

Caros colegas,

O modo tão abrupto como a querida Stella Jimenez partiu em meio à pandemia do COVID19 e com despedida virtual acentuou ainda mais a dor, o vazio da perda e o luto que estou atravessando, nestes tempos sombrios.

Conheci Stella no Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro décadas atrás, onde ela transmitia o ensino de Lacan através dos escritos e seminários, atravessada por uma ética desejante. Desde então, estabeleci uma transferência de trabalho que se estendeu à supervisão, decisiva em minha formação como analista e um dos motivos para me aproximar da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP-Rio) e, mais tarde, demandar pertencimento. Com o tempo muitos enlaçamentos de trabalho e amizade.

Na contingência desta perda escolhi compartilhar pedaços, detalhes, restos de experiências vividas no Núcleo de Topologia e Psicanálise, coordenado por Stella Jimenez e Angélica Bastos, que faz parte do Instituto da Clínica Psicanalítica do Rio de Janeiro (ICP). Ao longo de alguns anos, venho participando com outros colegas, de profícuos encontros quinzenais, onde a clínica é sempre o ponto de partida dos trabalhos de elaboração à luz dos dizeres de Freud, Lacan, Miller, Laurent  e outros  analistas do Campo Freudiano. Neste espaço aberto à invenções, construímos, com fitas e rodinhas coloridas,  objetos topológicos, tais como, toros, bandas de Moebius e nós  borromeanos ou não borromeanos para demonstrar os movimentos dos casos  clínicos, afinamos instrumentos  conceituais e pesquisas, escrevemos e nos enlaçamos entre  nós e com participantes de outros núcleos,  nas conversações clínicas e demais  eventos  do  ICP, da EBP e da AMP,   com desejo vibrante, curiosidade e afetos.

Stella, orientada pelo desejo de saber  em  direção ao  impossível de saber, na coordenação do Núcleo, fazia uso do corte, costura e reviramento topológico na elaboração   clínica dos casos – de analistas praticantes membros da EBP e demais participantes do Núcleo  ou da literatura, bem como na precisão conceitual e no  manejo da transferência de trabalho.

Como o nó não é metáfora, ouso dizer que Stella, inspirada também  no modo de funcionamento do cartel,  operava no Núcleo com o real da  estrutura borromeana,  de ao menos  3+1 (JIMENEZ, S, 1994, p.13). Como, por exemplo, ao compor o grupo de apresentação do tema de cada encontro com três participantes, sendo o mais-um, aquele que provoca a elaboração, o que leio como um exercício topológico. No entanto, o Núcleo não era um cartel. Lembro aqui,  o destaque dado por Stella Jimenez à conclusão das Jornada de Cartéis da Escola Freudiana de Paris, em 1975 “de que todo grupo que levar seus participantes à produção tem a estrutura borromeana do cartel, posto que houve a função do mais-um que possibilitou o trabalho” (idem). Esse modo de funcionamento é possível quando um dos participantes operou como mais-um, pontualmente. No entanto, Stella adverte que “um grupo de analistas não deve se contentar com isso, já que o mais-um deve ser encarnado em uma pessoa por um tempo determinado” (Idem, p.14).

Com  seu estilo inventivo  de transmissão da psicanálise, em cada encontro do Núcleo, Stella  promovia  a circulação da palavra e recolhia o singular no coletivo, provocando  efeito sujeito, ”um a um”, a cada vez,  o que leio na perspectiva da Escola Sujeito (MILLER, 2000). “A Escola é uma soma das solidões subjetivas, e é esse o sentido de nossa fórmula “um a um”. Uma aposta, a cada vez, relançada no sinthoma como o que faz laço social e, ao mesmo tempo, o mais íntimo do sujeito que não faz laço social. “Melhor dizendo: a letra de gozo seria o núcleo indizível do laço social” (JIMENEZ, S, 2014, p.228), resíduos que, tentarei, com  outros, levar adiante no meu fazer clínico e na interlocução na nossa Escola.

Stella,  amiga generosa e corajosa, se fez presente também  em um  momento que vivi de  perda e dor de um ente querido, no final  do ano passado. Mesmo sem conhecer o caminho foi ao meu encontro, em Duque de Caxias, me apoiar, olhinhos brilhantes, uma presença especial.  Sem falar na alegria nas  viagens, festas, congressos, lentilhas de Reis, manifestações políticas. Stella deixa saudades, coloridas lembranças e inspiração para, em momento oportuno,  continuar na direção dos  exercícios  topológicos.

Obrigada, Stella!

Rio de Janeiro, 03 de agosto de 2020

Bibliografia
JIMENEZ, S.  O Cartel. Em: O cartel: conceito e funcionamento na Escola de Lacan. Jimenez (org) Rio de Janeiro: Campus, 1994, p. 13-14.
_________. Nó borromeano de quatro anéis. Em: No cinema com Lacan: o que os filmes nos ensinam sobre os conceitos e a topologia lacaniana. Jimenez (org). Rio de Janeiro: Ponteio, 2014, p.228.
MILLER, J-A.  (2000) Teoria de Turim. Em:  Latusa: Revista da Escola Brasileira de Psicanálise- Rio de Janeiro:  Rio de Janeiro, n.6,  2001, p. 217-232.
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