Em um cenário de perdas e desamparo, a psicanálise revela-se uma trincheira contra a pulsão…
EIXO TEMÁTICO: O REAL E O VIRTUAL
O real sempre foi uma questão para a psicanálise. Freud o abordou, usando o substantivo que lhe corresponde, realidade, adjetivando-a como psíquica, ou seja, constituída pela linguagem inconsciente na articulação com o corpo e suas bordas erógenas. Bem adiante, ele aponta que os objetos tecnológicos de sua época, funcionando como extensões do corpo, permitem expandir os limites dos nossos órgãos motores e sensoriais[1] no trabalho de constituição desta realidade psíquica.
Para Lacan, a realidade psíquica, com ou sem tecnologia, depende da virtualidade constituída pelo que ele chamou de semblante – amálgama de imaginário e simbólico – pelo qual se tenta acessar o real do corpo de gozo. Lacan problematizou tanto o real ao ponto de substantivar o termo, distinguindo-o nitidamente da “realidade psíquica”. Assim, o real lacaniano se encontra em coalescência com os semblantes, mas não se reduz a eles. Ao contrário, o real causa e provoca os semblantes sem que estes jamais alcancem dizê-lo todo. Desde a antiguidade, reconhecemos nomes – arco-íris, trovão, estrela cadente – como formas de interrogar o real.
E novos semblantes surgem, pois, a cultura não cessa de se modificar. Há alguns anos o laço social vem-se transformando. Nossa forma de endereçamento ao saber, nossas relações com amigos, a forma de encontrar novas parcerias amorosas ou sexuais, o trabalho, a política, tudo isso e muito mais, de uma década para cá, começou a acontecer também no espaço “virtual” propiciado pela internet. Aspectos cruciais da vivência humana já vinham sendo profundamente transformados e agora, com a pandemia, ficou ainda mais claro que a subjetividade da época é, e será cada vez mais, profundamente influenciada pelo mundo virtual tecnologicamente ambientado.
A internet constitui uma espécie de novo órgão de nosso corpo[2]. Assim como o surgimento das novidades de sua época, que Freud comentou sem ilusões: o telefone que permitiu a voz ultrapassar distâncias até então intransponíveis, o microscópio que ampliou a visão de coisas antes invisíveis, a fotografia que reconfigurou a memória, etc.
Não podemos então nos contentar em analisar a internet apenas como um lugar de inflação do imaginário, dos selfies, de uma virtualidade que deixa escapar o real que move os semblantes mais ainda. O real sempre escapa, e agora se ressitua no litoral dessa nova virtualidade porque os corpos de gozo não deixam de estar aí; além disso, devido aos algoritmos que estruturam o campo internáutico, constitui-se, cada vez mais, uma malha simbólica “inconsciente” que modela a nossa subjetividade.
Se o Inconsciente é o discurso do Outro, há que se decifrar os modos sintomáticos de enodamento entre real, simbólico e imaginário numa época em que nos tornamos cada vez mais, segundo a expressão de Eric Laurent, internautres[3]. Ou seja, entre o real e o virtual, interessa à psicanálise auscultar os nomes que hoje interrogam a vida, conforme a proposta dessas Jornadas.