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Do Ideal à realidade efetiva (Wirklichkeit), um trabalho na Diretoria

Renata Martinez

Para escrever esse texto de encerramento, fiquei curiosa e voltei ao que escrevi há dois anos, quando iniciamos a diretoria, em nosso primeiro Letrear. Qual não foi minha surpresa ao encontrar, na aposta daquele momento, o caminho percorrido, mas também, algo a mais. Esse acréscimo, não sei direito nomeá-lo, talvez ainda me custe tempo. Resolvi então, reeditar o texto aqui e dialogar comigo mesma.

Eu começava assim: num primeiro olhar, o que se espera da diretoria de secretaria e tesouraria são de fato tarefas práticas e cotidianas: administrar o dinheiro, cuidar nos mínimos detalhes da casa e de toda a estrutura que a envolve, zelar pelo andamento e funcionamento das diversas atividades que a Seção Rio comporta.” Ao terminar de ler, me questionei: não foi exatamente isso que fiz? Puxa, mas quanta distância entre o que escrevi lá atrás e o que de fato se passou. Foi e não foi aquilo ali. Tenho a sensação hoje de que mergulhei nas entranhas da Seção Rio, conheci sótão e cisterna, sei o caminho dos canos e da eletricidade, pra onde vai e de onde vem o dinheiro que nos sustenta. De dentro, ajudei a construir mecanismos para fazer a roda girar.

Continuava dizendo: entretanto, não deixar essa empreitada na ordem do automaton é nossa aposta! Aposta na potência do encontro, na riqueza do trabalho de Escola e, sem dúvida, no avanço da prática e da teoria – marcas da relação viva de cada um com a causa analítica.” Li isso e pensei: que texto duro e certinho. Mas como é certeiro também! Como falei na última manhã de cartéis, nossa aposta na lógica do “órgão de base” da Escola de Lacan cuidou para que eu não fosse tragada pelas planilhas e números nem afogada pelo transbordamento das águas. Entre repetição e contingência, nesse funcionamento em tensão, fizemos nosso dia a dia.

Ora em primeira pessoa ora em terceira, meu relato revela o efeito do coletivo. Minhas colegas de diretoria Andréa Reis, Ana Tereza Groisman e Andréa Vilanova foram as parceiras de todos os momentos, ziguezagueamos juntas e separadas! E também todos os colegas que estiveram presentes conosco nos mais diferentes momentos desse tempo compuseram um mosaico de desejos que sustentaram nossa Escola. Não posso deixar de mencionar na composição desse conjunto, nossa querida secretária Natalina Júlia, fiel escudeira, e também agradecer a Danielle Menezes, Natasha Berditchevsky e Thereza De Felicce por terem aceitado o convite para compor minha comissão.

No meu diálogo comigo mesma, volto ao antigo texto e encontro satisfeita o que acabo de dizer: a transferência de trabalho nos move. Aprender a proporção e o ritmo do trabalho solitário e entre pares será um exercício diário e, certamente, não sem consequências.  Vamos caminhar, dando contorno aos impasses que surgirem, para que nossa sede possa acolher Escola e Instituto, cada um a sua medida, em suas produções e sustentações do delicado laço entre clínica, política e episteme.” Foram muitos os impasses, não poderíamos imaginar quantos e muito menos suas proporções. O contorno desejado não alcançou o tamanho do acontecimento, perdemos amigos…

Mas vou seguir insistindo no que apareceu pra mim ao fim desse trajeto. Foi na lida tenaz com a precariedade em jogo que fizemos um movimento do Ideal à realidade efetiva (Wirklichkeit), possibilitando assim o movimento. Ao mesmo tempo que consentimos com um pedaço de real que apareceu,  com uma marca singular que se desenhou, soubemos perder o que acreditávamos que deveria estar ali.

Com bastante alegria, posso afirmar que nesse trabalho intenso na diretoria de secretaria e tesouraria, a causa analítica foi, em si mesma, uma abertura ao real que tocou e fez vibrar meu laço singular com essa Escola.

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