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COMENTÁRIO SOBRE O SEMINÁRIO “A POLÍTICA DA PSICANÁLISE”

Por Elisa Werlang

Foi com muito entusiasmo que aceitei o convite para uma conversa no Seminário “A Política da Psicanálise “, coordenado por Cristina Duba e Paulo Vidal, a quem agradeço essa alegria.  Ali, uma pausa na dinâmica proposta de trazer convidados envolvidos diretamente com a questão religiosa. Entre a política e a religião, trazer um outro fazer na polis: a poesia.

Com os Hinos, podemos dizer que a poesia nasceu de um dizer dirigido aos deuses. Era poesia a fala que saía da boca dos oráculos, em sua opacidade, mas que fazia signo. Isso é, portava uma verdade dirigida a quem se atrevia querer saber. Verdade surgida de um fazer, um artifício, uma arte. Mesmo nesses tempos em que os deuses se exilaram e os oráculos se calaram, esse é o lugar da poesia. Assim Roberto Schwarz lendo Kafka escreveu “Quando não há resposta, o dizer torna-se puro, prece para quem diz, poesia para quem vê dizer”.

Aristóteles falava sobre o efeito da poesia: o espanto. Num mundo marcado pelo desencantamento e apego à realidade como algo apartado da fantasia, a poesia é acusada de encantar ou reencantar o mundo. Ser Coisas de Fineza. Sem utilidade imediata. O lixo ou um luxo. Por essa mirada, o efeito de poesia seria uma ilusão.

Pude falar um pouco do que li no seminário  “Um esforço de Poesia’ de J.-A. Miller. Num mundo sem poesia, diz, não há psicanálise. Nele, Miller aproxima psicanálise e poesia. A função da voz oracular e a suspensão da utilidade imediata na sessão analítica. A cada sessão, Um esforço de poesia.

Mas o que seria exatamente um esforço de poesia? Porque Miller não fala de efeito de poesia, como estamos acostumados a falar, a partir de Lacan, de efeito de verdade ou efeito de sujeito. Não que o espanto que nos fala Aristóteles não esteja presente, quando algo de novo surge como  verdade inaudita. Miller tampouco fala de um estado de poesia: a graça, o encantamento, o arrebatamento ou êxtase. Ele nos fala de um esforço, isso é, de resistir a uma pulsão, fazer face a uma defesa. Essa expressão, ele retira de uma cena do livro “Ilusões Perdidas” de Balzac. Nela, o protagonista do romance, após perder uma a uma suas ilusões, está prestes a cometer o suicídio. O ato é interrompido por uma figura peculiar: um padre espanhol que fala como um ladrão de estradas. Um esforço de poesia, o que essa estranha figura o exorta ao final, aparece como aquilo que se contrapõe à estase da desilusão. Um gozo mortífero.

Para terminar, algumas palavras da poeta americana, negra e lésbica, Audei Lorde. Em Irmã Outsider, “Poesia não é luxo”, a poesia aparece como iluminação. Como dar nome a ideias que, sem a poesia, não teriam nome ou forma. Ideias não nascidas, mas sentidas. Poesia seria colocar à prova. Nos diz como não é fácil manter a crença em sua eficácia. Vencer o medo de cruzar as pontes sobre o que ainda não existe. Aqui ela também fala de esforço. E nos exorta a “nos aventurar nas ações hereges que nossos sonhos sugerem e que são desmerecidas por tantas das nossas ideias antigas. Na linha de frente da nossa passagem à mudança existe apenas a poesia para aludir à possibilidade tornada real. Nossos poemas articulam as implicações de nós mesmas, aquilo que sentimos internamente e ousamos trazer à realidade (ou com o qual conformamos nossa ação), nossos medos, nossas esperanças, nossos mais íntimos terrores.”

Aqui a poesia é aquilo que se contrapõe aos “velhos medos de ficarmos em silêncio, impotentes e sozinhos, enquanto experimentamos novas possibilidades e potências.”

Enfim, a poesia talvez não sirva para nada, pois não é lá muito servil. Antes que ilusão, um certo poder de alusão que nos aponta para além.

 

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