Em um cenário de perdas e desamparo, a psicanálise revela-se uma trincheira contra a pulsão…
Comentário sobre “Herd Immunity” de Andrea Vilanova
https://www.ebp.org.br/correio_express/2020/03/28/herd-immunity/
Por Marina Morena Torres
No final de março, a Correio Express Extra publicou o texto “Herd immunity” de Andrea Vilanova[1]. Texto que dialoga diretamente com o de Éric Laurent, “O Outro que não existe e seus comitês científicos”[2], publicado na mesma edição. De lá pra cá, com a queda de dois ministros da Saúde, o prosseguimento de um militar interino no cargo e a falta de orientações e políticas públicas voltadas para a minimização dos efeitos da pandemia, aprendemos um pouco mais sobre a tal imunização de rebanho.[3]
Para que a população adquira uma suposta imunidade ao vírus, nesse jogo de reclusão e circulação, como cita Vilanova, são desconsideradas características específicas do Brasil. Assim, a ideia passada é a de que na proposta de imunização de rebanho há algo sendo calculado e estudado, mascarando, assim, a perspectiva de roleta russa com as vidas da população. Se faz evidente que nessa roleta russa as chances de ser atingido são guiadas pelas classes sociais, como demonstra o caso de São Paulo, estado onde a gritante diferença na taxa de mortalidade do vírus chega a 50% na periferia e 6% nos bairros ricos[4].
Andrea Vilanova nos convoca a pensar aspectos específicos da realidade brasileira, como falta de água e saneamento básico, assim como o número indeterminado de moradores de rua impedidos de fazer isolamento por falta de moradia. Assim, os modelos biológicos propostos por alguns governos ao redor do mundo encontram uma impossibilidade de se equiparar à vivência brasileira.
A falta de planejamento e consenso para lidar com o avanço da pandemia nos levou a um cenário de isolamento social “faz quem pode”, enquanto o governo federal chantageia grande parte da população em direção à contaminação. Partimos do eixo da imunização de rebanho para o real do rebanho para abate, conforme nos aponta Vilanova. Essa dimensão coloca em jogo a dignidade do sujeito, levantando a questão de como fazer valer que não somos rebanho?