Em um cenário de perdas e desamparo, a psicanálise revela-se uma trincheira contra a pulsão…
EIXO TEMÁTICO: ARTE E ARTIFÍCIOS
O tratamento do real que as artes imprimem no mundo se reafirma sempre, em qualquer tempo. O real se impõe e resiste à representação. E nesse vácuo que se produz, a arte como ato e como ação, se materializa. A arte acaba também operando no mundo das coisas, com suas disrupções, uma política própria: invenção, corte, descontinuidade. Neste momento em que atravessamos horas a fio de trabalho nas plataformas digitais, experimentamos efeitos que nos interrogam. Como, para além de qualquer ficção, recriar em ato uma recomposição da vida, a partir da vida online? Ao lado disso, toda uma vida, e de muitos, transcorre offline, visitada pelos assombros da morte, encarnada também na violência, na truculência, no descaso.
Freud e Lacan não recuaram em aprender com a arte e em apontar o efeito de suas invenções no tratamento da dor de existir de quem a cria ou de quem dela usufrui. Quer seja enquanto recurso face ao impossível de suportar, quer seja na fruição da contemplação da beleza que vela o horror, ou ainda, na surpresa, quando somos olhados por uma obra que excede a tela da beleza e produz deslocamentos.
A arte é assim, ato que as palavras não recobrem e, por isso, pode ser um recurso para cada um, aberto a diversos efeitos, como o enlace entre corpo e nome que Joyce nos ensina. Ao lado disso, ao lançar mão de suas invenções singulares, sintomáticas, cada um pode também criar artifícios próprios para fazer frente às irrupções do real contingente. A vida em tempos de pandemia amplifica a experiência do real e pede contornos para fazer borda, à beira de um sentimento de mundo em rota de colisão.
A cada um, no confronto com o isolamento social e as restrições de circulação, ou na impossibilidade de seguir as recomendações sanitárias, a angústia do adoecimento, o medo da morte e a fragilidade da vida exigem um esforço a mais. Como apelar para os próprios artifícios, sempre singulares, para lidar com as contingências de existir nesses tempos?
Convidamos cada um de vocês a entrar nesse esforço de leitura para recolhermos o que vem se depositando em soluções nas artes visuais, na literatura, no cinema, na clínica, nas ruas e onde mais se puder encontrar marcas dos modos de viver que respondam aos desafios de nosso tempo.