Licene Garcia A Comissão da Diretoria de Biblioteca da EBP-Seção Sul, nesta 7ª edição extraordinária…
Uma demanda ou um dizer? Sobre o endereçamento à Escola
Rafael Marques Longo
Joinville/SC
Nova Política da Juventude – Seção Sul
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Estamos aqui no primeiro evento da Seção Sul da Escola Brasileira de Psicanálise destinado a fazer saber sobre a Nova Política da Juventude. De que se trata essa nova política? Um movimento que partiu de jovens argentinos, endereçando questões a Jacques-Alain Miller. Dessa demanda, JAM fez um ato: a NPJ, acolhido e endossado pela Associação Mundial de Psicanálise. A proposta parte de uma constatação, como aponta a última carta do Conselho da Nueva Escuela Lacaniana – NEL: “ausência de jovens na lista de candidatos apresentados pelas Escolas para a homologação”. E indica a questão em jogo: “que a psicanálise siga sendo causa de desejo para as novas gerações”.
Foram 5 jovens da região sul que se endereçaram ao Conselho da EBP demandando a participação nessa nova política. O que demandam os jovens? O que demandam os jovens ao Campo freudiano? O que demandamos nós, cada Um? E nessa última questão, valem os dois tempos do verbo: o que estamos demandando e o que demandamos no “ato” de endereçamento à Escola.
Ao associar livremente, ainda que pelos dedos, escrevo “nomeação”. Seria uma nomeação o que nós jovens demandamos? Ou se trata de uma interpretação dos acontecimentos? Duas perspectivas não necessariamente excludentes.
Na primeira os jovens teriam na escola um lócus ao qual sua aderência poderia ser nomeada e com isso transformada em um certo lugar, elemento simbólico, que sugere pertencimento. Aproveitando o termo “jovem” para aludir ao infans que tem sua necessidade nomeada no campo do Outro, o que permite, ao traduzir necessidade em demanda, ascender à posição de sujeito. É o que nos mostra o primeiro andar do grafo do desejo. (Lacan, 1998/1960, p. 828)[1]
A segunda põe em cena os movimentos não apenas dos jovens demandantes, inclui também a instituição, cujo primeiro “ato” em relação à NPJ foi o recuo sobre a nomeação. Dessa ação podemos extrair um elemento que nos interessa, seu efeito enquanto potência desidealizadora, tão necessária aos praticantes, dado que o caminho de uma análise é precisamente a queda da suposição de saber. (Lacan, 1967-8, p. 139)[2][3]
Bom, demandar pode ser demandar amor, mas é o único meio para se localizar o desejo. Como bem nos mostra a dimensão topológica da demanda apontada no seminário, livro 9, pela qual o toro se constitui numa primeira volta da demanda e, ao final dessa primeira volta e nas subsequentes, o desejo se torna cernível, por não se tratar de matéria topograficamente localizável. Ou nos mostra a experiência, que verifica nesse caso, pela demanda, o desejo de trabalho nos jovens praticantes.
Enfim, cá estamos. Trabalhando. Buscando transmitir algo de nossa relação com a causa analítica. Afinal, é o que pretende pôr em cena uma experiência de Escola.
Inspirado pela publicação recente do Seminário XV, ponho em questão esse endereçamento à escola. A discussão desse Seminário gira em torno do fazer do psicanalista. Do que deriva a seguinte questão: O que faz um psicanalista? Interpreta, pontua, gesticula, sublinha, escuta, intervém? Mais do que isso, um analista membro de Escola também escreve, produz, transmite, entre tantos outros fazeres que a pessoa do psicanalista assume.
Lacan apresenta uma distinção que pode nos nortear: “Faz-se qualquer coisa, e é bem desta diferença entre um fazer e um ato que se trata” (Lacan, 1967-8, p. 57). O que seria, então, um ato, que não é qualquer fazer? Condensando alguns trechos, é possível afirmar que é um dizer[4] – o que não quer dizer exatamente uma fala, como bem sabemos -, que produz uma ruptura com a ordem significante, em cujo instante não há sujeito[5].
Um evento histórico ilustra o que se pode chamar de ato: o passo de César ao atravessar o Rubicão. Não foi um passo, uma ação qualquer. Mas uma travessia que declarou guerra contra Pompeu. Desse passo, não havia como voltar atrás, pois incidia numa ruptura com a ordem significante, com a lei. Esse célebre evento marcou o curso da história. Um ato mudou o curso da história. O que é sua “marca registrada”. Um ato, sempre, muda o curso da história. Muda a história do sujeito. Marca um antes e um depois.
Na contracapa do seminário, Miller comenta o percurso de uma análise:
No seu início, há um desejo inédito, que supõe uma travessia, quer dizer, um ato, como o César passando o Rubicão. Esse ato é aquele do analisante, mas o ato psicanalítico propriamente dito, é o psicanalista que o realiza abrindo a esse analisante o campo dito do “sujeito suposto saber” onde se decifra o inconsciente. No final, o s.s.s. se esvanece, enquanto o analista, seu suporte, é evacuado como o dejeto da operação, tal qual Édipo acabando sua vida a olhos perfurados.
Logo, temos atos do lado do analisante e ato psicanalítico realizado pelo analista. No entanto, esse seminário marca uma virada, ao definir o psicanalista como “um analisante (palavra que Lacan substitui àquela de analisado) que levou a seu termo a experiência analítica.” (Ibidem) O que elucida o ato psicanalítico ser tomado como a passagem de analisante a analista.
Mas o que isso tem a ver com o endereçamento à Escola? Um sujeito não sabe o que demanda, mas algo o mobiliza a um endereçamento, a dar um passo. Um passo sem saber o que virá. Não há psicanalista que não tenha demandado uma análise. Não há psicanalista que não tenha dado passos. Não há psicanalista que não tenha suportado um ato. Aqui, cinco passos foram dados. Talvez seja cedo para interpretá-los, talvez estejamos ainda no instante de ver. Não sabemos se esses pedidos de participação nessa experiência de Escola foram atos ou se desses passos atos se realizarão. O que pode ser lido – e deverá ser interpretado – é que, embora o sujeito não saiba o que demanda, um para-além se deslinda no passo dado. E hoje aqui apostamos em extrair, do endereçamento, um dizer.
Referências
Carta del Consejo 2023-2025 – N° 1 Puntos Vivos – Nueva Política de Juventud. Mayo de 2024.
LACAN, Jacques. (1967-8/2024) Le Séminaire XV L´acte psychanalytique. Paris: Seuil & Le Champ Freudien.
______________.(1960/1998). Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In: Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.