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VI Jornada da Seção Sul. “Cadê o gozo? O que diz a época e a clínica.”

Eixo 1: O gozo e a época.

Oscar Reymundo (EBP-AMP)

O que seria a época na perspectiva analítica? No caso da próxima Jornada da Seção Sul a época seria a atualidade? Em Anorexia e bulimia. Sintomas atuais do feminino, Fabián Schejman diz que poderíamos entender uma época estaria marcada pelo modo predominante, datável, de gozar, de viver a pulsão segundo um contexto de discurso. Destaco “segundo um contexto de discurso”, uma vez que os laços sociais são laços discursivos e, enquanto tais, as relações de linguagem entre os seres falantes definem diferentes maneiras de se lidar com o corpo e com o gozo. Assim, os discursos que regem os laços sociais situam as possíveis relações entre falasseres agindo como um freio sobre o gozo, como se fosse um dique que detém o curso d’água, mas também regula sua passagem. Seria possível dizer, então, que uma época estaria determinada pelo discurso dominante, num período, e pelo modo de gozo que esse discurso regula…ou não mais regula? Hoje o discurso que vemos avançar pelo   mundo afora é o discurso capitalista que, paradoxalmente, debilita e empobrece o laço social. Com a formulação deste discurso Lacan fez jus ao seu princípio que diz “Que renuncie o analista que não estiver à altura do seu tempo”. Ou da sua época. Em 1970 o inconsciente é definido por Lacan como o Discurso do Mestre, e em 1972, em Milão, Lacan avança no conceito de inconsciente e o homologa ao Discurso Capitalista. Assim, o inconsciente é um saber que trabalha sem mestre e é um trabalhador ideal, uma vez que não pensa, não julga, não calcula, não faz greve. O inconsciente trabalha para a produção de gozo, tornando-se, então, o pilar da economia capitalista que tomou o lugar do mestre tradicional. Sabemos que para haver laço é necessário renunciar a algo de gozo, e o Discurso Capitalista rejeita a castração tornando inviável o estabelecimento do laço social, deixando de fora as coisas do amor. Daria, então, para seguir chamando de Discurso o Capitalista?  Podemos, até, pensar que seria um discurso muito particular, uma vez que produz como efeito a ruptura dos laços sociais.

No Seminário “A ética da psicanálise” Lacan nos diz que “O gozo, tão caro ao sujeito, é um mal no sentido de que, seja lá o que se queira, o gozo comporta o mal do próximo”. Não é por acaso que tal afirmação pertença ao Seminário VII, e podemos acrescentar que se existe tal ética é porque a psicanálise, desde suas origens, contribui com a civilização com uma questão que Lacan colocou como “medida da nossa ação”.  Nesse mesmo seminário Lacan se pergunta se temos “passado a linha” sob a forma de ultraje, de afronta e ele acrescenta que no mundo de hoje prolifera um ruído, um mal-estar que como psicanalistas não temos motivos para não escutá-lo. Mal-estar, ruído…Como não escutar o clamor dos excluídos e dos segregados, que se alastra pelo mundo afora, como efeito do Discurso Capitalista e sua sociedade com o discurso da ciência?

Então, escutar o ruído…Hoje, o atravessamento sem retorno de um limite torna-se um experiência cotidiana: o aumento de casos de violência contra as mulheres, de femicídio; os assassinatos de sujeitos trans e travestis; os crimes de racismo com requinte de crueldade; as invasões descontroladas das terras das comunidades originárias com mortes de indígenas que aí fazem suas vidas; as manifestações de negacionismo que podem levar, por exemplo, a boicotar campanhas de vacinação contra doenças graves; a violência conta as crianças tornadas objetos sexuais, objeto de consumo, ou objetos privilegiados das Terapias Cognitivas Comportamentais e da indústria da avaliação; a contaminação sem limites do meio ambiente; as guerras de extermínio de povos segregados de tempos imemoráveis; o uso desregulado das novas tecnologias na difusão de notícias falsas e de discursos antidemocráticos; a naturalização das nossas preferências serem moldadas por algoritmos; o tratamento dado aos discursos de ódio como sendo liberdade de expressão, os casos de lawfare explícita ao serviço do capitalismo; a decadência do debate político tornado práticas difamatórias mentiras, insultos, obscenidade e o consequente avanço da barbárie; a precariedade laboral…Enfim, os exemplos são múltiplos e podem ser um bom disparador de trabalhos para nossa Jornada considerando que estamos numa época na qual já não é necessário situar o proletário na fábrica para lhe extrair um mais de gozo. Hoje basta deslumbrar o falasser com investimentos e promessas de ganho rápido de capital, quer dizer, de rápida recuperação de gozo para, na primeira crise de confiança, deixá-lo na rua. A solidão e sua satisfação autista – ou seria melhor dizer isolamento? – dá uma ideia da expansão da crise de confiança no mundo e, concomitantemente, a crise de autoridade que implica no rechaço dos S1 que vem do Outro e a sua função de mortificar gozo. Quando o S1 é rechaçado a mortificação de gozo, a castração, não opera.

Seria possível situar estes fenômenos como sintoma desta época, ou melhor como sintoma atual? Atual no sentido freudiano, quer dizer, sintomas que pulam a relação ao inconsciente, que são refratários ao inconsciente. E, neste ponto, nos encontramos com uma questão ética e política da psicanálise que muito vale a pena pesquisar: como ofertar aos sujeitos que estão nessa posição refratária ao inconsciente, que se eles quiserem, podem fazer uso de um analista?

Bom trabalho para todos!

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