Apresentação da Comissão de Referências:
Nós, da equipe da Comissão de Referências Bibliográficas da 5ª Jornada da Seção Sul, apostamos que tanto a leitura quanto o uso das referências podem ser transmitidos com uma precisão atrativa, que nos tire do engessamento da teoria como inalcançável, convocando a um impulso que movimente a pesquisa no uso das referências e na escrita dos textos para a Jornada.
Duas perguntas nos orientam: o que, de Um discurso vivo que gira em torno da construção das jornadas, ressoa no corpo e então atravessa a Escola? O que causa o dizer de cada Um, na Escola?
A nossa comissão propõe duas vias de trabalho, uma delas será a pesquisa de diferentes autores do Campo Freudiano – pesquisaremos os textos dos autores clássicos, mas também nos dedicaremos a localizar outros autores que trabalham os significantes que nos interessam – e traremos da arte e da literatura as referências que sempre nos dão fôlego. Estaremos acompanhando o ritmo das publicações do Boletim para que as referências e as escansões cheguem até vocês, mas também terão notícias do andamento dos nossos achados através do site e das redes sociais.
Acreditamos que há movimentos em torno da teoria desde diferentes espaços que participamos (cartéis, seminários, núcleos etc.) e que permitem acessar referências que contornam o tema da Jornada.
Recolheremos esses efeitos na comunidade em relação às referências e os encaminharemos às diferentes comissões, para que sigam e reverberem até os dias da Jornada.
Nos dispomos, então, a ser como uma caixa de ressonâncias do percurso dessas pesquisas, apostando com elas em abrir as portas do inconsciente e da Escola, ecoando o singular de cada um dos que fazem parte do nosso coletivo que “não é nada senão o sujeito do individual”[1]. Ressonâncias de um terreno propício para a criação de uma implicação dos participantes da nossa Escola em relação à construção da Jornada, pois acreditamos que cada um, desde seu possível, aporta seu grão para a bela colheita que se dará em outubro.
Esta tensão paradoxal entre o singular da causa analítica e os laços com alguns outros que a nossa Escola proporciona será a nossa aposta final: laços que se produzam entre os dizeres de cada Um que ressoam nos discursos dos corpos vivos, sustentando o desejo de Escola que há na política lacaniana!
Enviem seus achados no e-mail: montenegroveronicapaola@gmail.com, estaremos aguardando muito animados!
Comissão de Referências:
- Verônica Paola Montenegro (coord.)
- Priscila de Sá Santos
- Soledad Torres
- Rafaela Maester
- Mauro Agosti
- Leonardo Mendonça
[1] LACAN, J. (1945/1998) “O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, p. 213.
Uma pequena orientação ao leitor:
A seguir vão se encontrar com que nossa primeira publicação de referências está orientada a partir dos significantes que o título da nossa jornada possui: Discursos e Corpos, a causa do dizer.
A seleção destas está orientada por três bússolas: o desejo de pesquisa, o momento do percurso de cada um e o estilo que se produz como efeito da transferência de trabalho que circula na nossa Comissão.
O desejo de pesquisa foi um dos alicerces pelos quais nos orientamos desde a primeira reunião, sabendo que a busca de referências é uma busca que nos leva a uma amplitude delicada de cair num infinito daquilo que cabe e aquilo que falta, nos pareceu que o desejo seria uma boa orientação para construir uma certa estrutura.
Cada um dos participantes da equipe circula por espaços diversos de estudos, o que enriquece o olhar e a construção do nosso caminho, então além de referências clássicas, vocês vão achar algumas outras que se entrelaçam com o momento atual do percurso de cada um.
A “separação” que fizemos entre os significantes se trata mais de uma aproximação do que de uma separação, pois não há como tecer uma separação propriamente dita, muitas das referências colocadas em corpo, também cabiam em discurso, muitas colocadas em discurso, cabem em a causa do dizer, e por aí vai. Então, concerne ao leitor a consideração das citações em seus vários entrelaços possíveis, recalculados pelo desejo de leitura, pesquisa e escrita. Citações que foram pesquisadas e escolhidas com muito entusiasmo pela equipe. O estilo de transmissão delas é uma marca singular dos nossos entrelaços de transferência de trabalho, mas vale e cabe criar, a cada leitura, um novo estilo pelos olhos do leitor. Nosso convite é: brinquem com elas para onde a causa dos seus dizeres os levem apostando no tecido de Uma produção singular que será muito bem-vinda nas jornadas de Outubro.
Até a próxima publicação!
Verônica, Rafaela, Priscila, Soledad, Mauro e Leonardo.
DISCURSOS
Lacan:
“Para operar com o esquema do discurso do M maiúsculo, digamos que o trabalho escravo, invisivelmente, é que constitui um inconsciente não revelado, que dá a conhecer se essa vida vale a pena que se fale dela. O que, de verdades, de verdades verdadeiras, fez surgir tantos desvios, ficções e erros. O saber, então, é posto no centro, na berlinda, pela experiência psicanalítica.” – LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise [1969-70]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 28.
“Pensei ter indicado, sem poder desenvolver da última vez por um pequeno contratempo — que lamento —, que o que se opera entre o discurso do senhor antigo e o do senhor moderno, que se chama capitalista, é uma modificação no lugar do saber. (…) Não se percebe que o que lhe é restituído não é, forçosamente, a sua parte? Seu saber, a exploração capitalista efetivamente o frustra, toman do-o inútil. Mas o que lhe é devolvido, em uma espécie de subversão, é outra coisa – um saber de senhor. E é por isto que ele não fez mais do que trocar de senhor. O que sobra é exatamente, com efeito, a essência do senhor – a saber, o fato de que ele não sabe o que quer. Eis o que constitui a verdadeira estrutura do discurso do senhor.” – LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise [1969-70]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 29-30.
“Como temos o significante, é preciso que a gente se entenda — e é justamente por isto que não nos entendemos. O significante não é feito para as relações sexuais. Desde que o ser humano é falante, está ferrado, acabou-se essa coisa perfeita, harmoniosa, da copulação, aliás impossível de situar em qualquer lugar da natureza.” – LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise [1969-70]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 31.
“Vejamos o que aqui está em jogo no discurso do analista. Ele, o analista, é que é o mestre. Sob que forma? Isto é o que terei que reservar para os nossos próximos encontros. Por que sob a forma de a? É do seu lado que há S2, que há saber — quer adquira esse saber escutando seu analisante, quer seja um saber já adquirido, localizável, isto pode, em um certo nível, ser limitado ao savoir faire analítico. Mas o que é preciso compreender deste esquema – como já foi indicado ao colocar S2, no discurso do senhor, no lugar do escravo, e em seguida colocá-lo, no discurso do senhor modernizado, no lugar do senhor –- é que não é o mesmo saber.” – LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise [1969-70]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 29-30. p. 33.
“No nível do discurso da histérica, é claro que essa dominante, nós a vemos aparecer sob a forma do sintoma. É em torno do sintoma que se situa e se ordena tudo o que é do discurso da histérica.” – LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise [1969-70]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 29-30. p. 41.
“Tomemos por exemplo, no discurso universitário, esse primeiro termo, aquele que aqui se articula no termo S2. e que está na posição, de uma pretensão insensata, de ter como produção um ser pensante, um sujeito. Como sujeito, em sua produção, de maneira alguma poderia se perceber por um só instante como senhor do saber.” – LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise [1969-70]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 29-30. p. 166.
“Será que acentuo o bastante a relevância da impossibilidade de sua posição, na medida em que o analista se coloca em posição de representar, de ser o agente, a causa do desejo?” – LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise [1969-70]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 29-30. p. 168.
“Quando alguém me procura no meu consultório pela primeira vez e eu escando nossa entrada na história com algumas entrevistas preliminares, o importante é a confrontação de corpos. É justamente por isso partir desse encontro de corpos que este não entra mais em questão, a partir do momento em que entramos no discurso analítico. Mas persiste o fato de que, no nível em que funciona o discurso que não é o discurso analítico, coloca-se a questão de como esse discurso conseguiu aprisionar corpos.” – LACAN, J. O seminário, livro 19: … ou pior [1971-72]. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 220.
“Se não houvesse discurso analítico, vocês continuariam a falar como papagaios, a cantar o disc-cursocorrente, a fazer girar o disco, esse disco que gira porque não há relação sexual —- isto é uma fórmula, que só se pode articular graças a toda a construção do discurso analítico, e que há muito tempo eu lhes ladainho.” – LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda [1972-73]. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 40.
“Um discurso sempre adormece, exceto quando não é compreendido, então desperta.” – LACAN J. O Seminario, Livro 24: L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre [1976-77]. Lição de 19 de abril de 1977, inédito.
“O discurso é o quê? É o que, na ordem… no ordenamento do que pode ser produzido pela existência da linguagem, faz função de laço social.” – LACAN, J. Do discurso psicanalítico. Conferência realizada em Milão, em 12 de maio de 1972.
Miller:
“As cadeias significantes que deciframos à maneira freudiana são conectadas com o corpo e são feitas de substância gozante. É do corpo que são extraídos os objetos a; é no corpo que é buscado o gozo para o qual trabalha o inconsciente.” – MILLER, J.-A. O inconsciente e o corpo falante. In: Scilicet: o corpo falante – sobre o inconsciente no século XXI. São Paulo: EBP, 2016. p. 29-30.
“Sócrates introduz no discurso a ironia. A ironia de Sócrates é sempre apoiada numa referência ao saber entendido como coerência. É desse ponto de vista que ele nada pode professar ou professar que ele nada sabe. Ele nada sabe porque é o guardião da coerência do discurso do Outro. Sua posição consiste somente em exigir do Outro a coerência do discurso, que ele se mantenha coeso.” – MILLER, J.-A. A formação do analista. In: Opção Lacaniana – Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. n. 37. São Paulo: 2003, p. 8.
Outros autores:
“É nossa oportunidade e a oportunidade de dar às crianças que encontramos. A oportunidade de se deslocar nos discursos de dominação que buscam assujeitá-las e a ocasião de encontrar um lugar para os objetos gadgets que nossa civilização lhes oferece aos montes. Como? Pois bem, explorando com cada criança os significantes-mestres que fazem dela sujeito, e o sonho permanece aqui a “via régia”, na medida em que lhe damos lugar “nessa parte reservada do corpo em que o gozo pode se refugiar”, que se chama objeto a.” – ROY, D. Sonhos em fantasmas na criança. In: Rayuela – Publicación Virtual de la Nueva Red Cereda América. n. 10. Nov – 2023. Disponível em:
https://www.revistarayuela.com/pt/010/template.php?file=notas/suenos-y-fantasmas-en-el-nino.html
CORPOS
Lacan:
“Foi do discurso, aliás, que Freud fez surgir a constatação de que o que se produzia no nível do suporte tinha a ver com o que se articulava pelo discurso. O suporte é o corpo. Mas é preciso prestar atenção quando se diz que é o corpo. Não é forçosamente um corpo. A partir do momento em que partimos do gozo, isso quer dizer que o corpo não é inteiramente só, que há um outro. Não é por isso que o gozo é sexual, pois acabo de lhes explicar, este ano, que o mínimo que se pode dizer é que ele não é indireto, esse gozo. É o gozo corpo a corpo. É próprio do gozo que, quando há dois corpos, e muito mais quando há mais, não se sabe, não se pode dizer qual deles goza. É isso que faz com que possa haver nessa história vários corpos aprisionados, e até séries de corpos.” – LACAN, J. O seminário, livro 19: … ou pior [1971-72]. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 217.
“Entre o corpo e o discurso há algo que os analistas se deleitam, chamando-o pretensiosamente, de afetos.” – LACAN, J. O seminário, livro 19: … ou pior [1971-72]. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 220.
“Formem-se em quê? Em distinguir o que chamei há pouco de enchimento, de tamponamento do intervalo, da hiância que existe entre o nível do corpo, do gozo e do semblante e o discurso.” – LACAN, J. O seminário, livro 19: … ou pior [1971-72]. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 223.
“Não é lá que se supõe propriamente a experiência psicanalítica? — a substância do corpo, com a condição de que ela se defina apenas como aquilo de que se goza. Propriedade do corpo vivo, sem dúvida, mas nós não sabemos o que é estar vivo, senão apenas isso, que um corpo, isso se goza.” – LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda [1972-73]. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 29.
“O real, eu diria, é o mistério do corpo falante, é o mistério do inconsciente.” – LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda [1972-73]. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p. 140.
“É uma das coisas essenciais que eu disse da última vez – a análise se distingue, entre tudo que já foi produzido até agora de discurso, por enunciar isto, que constitui o osso de meu ensino: que eu falo sem saber. Falo com o meu corpo, e isto, sem saber. Digo, portanto, sempre mais do que sei.” – LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda [1972-73]. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 127.
Miller:
“O homem se serve do corpo para falar. A fórmula do corpo falante não é portanto feita para abrir a porta para a fala do corpo. Ela abre a porta ao homem, no que ele se serve do corpo para falar.” – MILLER, J.-A. Habeas corpus. Textos de orientação do XI Congresso da AMP. Disponível em: https://congresoamp2018.com/pt-pt/textos/habeas-corpus/
“Em realidade sempre trata-se de acontecimentos de discurso que deixaram rastros, pegadas no corpo. E estas pegadas perturbam o corpo. Fazem sintoma apenas se o sujeito em questão for capaz de ler estes rastros, de decifrá-los. Isto tende finalmente a levar a que o sujeito possa encontrar os acontecimentos em que estes sintomas foram traçados.” – MILLER, J.-A. Biologia Lacaniana e acontecimento de corpo [1999]. In: Opção Lacaniana – Revista Brasileira internacional de psicanálise. n. 41. São Paulo: dez. 2004, p. 7-67.
Outros Autores:
“Uma psicanálise se define então como o dispositivo que lhe permite fazer com o que o determina 1) alguma coisa « que lhe ocorre » como se você o tivesse escolhido, 2) fazer daquilo que lhe ocorre um sintoma 3) enquanto que acontecimento de corpo, quando se atualiza na sessão analítica um dizer que morde sobre um gozar. Ele faz acontecimento, contingente portanto, já que ele realiza uma amarração entre um dizer e um gozar « para se fazer um escabelo » : é assim que Lacan termina sua frase. Se fazer um escabelo do corpo de gozo em sua consistência imaginária, seu furo simbólico e seus mais de gozar, é se dar uma chance de « escabelastração », castração do escabelo, para usar dele de uma boa maneira, para aprender a se servir da consistência imaginária, do furo simbólico e de seus mais de gozar.” – ROY, D. O que chamamos acontecimento de corpo? In: Folha dos Núcleos – Ecos do VI Encontro da Nova Rede Cereda: Brasil “Os impasses do sexual e os arranjos da sexuação”. n. 43, 2021.
“Assim o neurótico sofre de ter um corpo, ao passo que nas psicoses as questões giram em torno dos embates relativos à certeza de se ser o corpo.” – ZUCCHI, M. Outro corpo. Petrópolis: KBR, 2015. e-book. p. 89.
“O sujeito é essencialmente um lugar vazio por onde se pode circular. Para esse inconsciente não histórico, a letra tem a função de furar os diferentes discursos que atravessam o sujeito, enquanto simultaneamente localiza o gozo no corpo.” – ZUCCHI, M. Outro corpo. Petrópolis: KBR, 2015. e-book. p. 96.
“El cuerpo como caja de resonancia incluye esa dimensión del agujero. Y se necesita el parche, sin el parche no suena el tambor, se necesita efectivamente esa superficie contra la cual chocar y se necesitan las baquetas para hacerlo sonar. El agujero supone la caja de resonancia, sino es el vacío; en el vacío no suena nada.” – BRODSKY, G. Los psicoanalistas y el deseo de enseñar. Olivos: Grama Ediciones, 2023. p. 188.
“O aspecto crucial do surgimento da ciência não é, em absoluto, o de haver introduzido, no mundo, um conhecimento mais aprofundado e mais extenso, mas o de haver feito surgirem, no real, coisas que não existiam de forma alguma no nível da percepção humana. Portanto a singularidade da interpretação lacaniana das incidências da ciência no corpo visa, especialmente, a isolar o elemento real desses efeitos.” – SANTIAGO, J. A droga do toxicômano: uma parceria cínica na era da ciência. 2ª ed. Belo Horizonte: Relicário Edições, 2017. p. 176.
“O corpo do sujeito fica bordejado por essa forma do objeto pulsional, protegido da angústia de intrusão. Por outro lado, há aqueles sujeitos em que o objeto pulsional não é tomado no registro da forma e do corpo. Trata-se de sujeitos sem bordas e sem limites, em que o objeto de gozo, sem forma, se impõe ao corpo. O objeto sem forma remete a um acontecimento de corpo traumático fundamental, sentido como alteridade radical. O acontecimento de corpo refere-se, portanto, a uma extração de gozo. Uma cessão de algo da carga de gozo que afeta o corpo. Laurent coloca a questão, orientadora para a clínica, de como passar dessa extração violenta a um objeto menos cruel a ser extraído do corpo. Cabe ao analista a função de um auxílio que leve essas crianças a encontrarem um dispositivo que permita a distância desse objeto do corpo, podendo ser tomado de outra maneira, o que possibilita sua entrada em uma troca no laço social.” – PIMENTA, P. Usos do corpo nos autistas: o que a clínica nos ensina. In: Opção Lacaniana – Revista Brasileira internacional de Psicanálise (online). Ano 5. n. 14. Julho 2014. Disponível em:
http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_14/Usos_do_corpo_no_autismo.pdf
a CAUSA DO DIZER
Lacan:
“O primeiro encontro se dá no nível sincrônico, o da simultaneidade dos significantes. O ponto C é o que chamo de ponto de encontro do código. Em outras palavras, há aqui o jogo do significante, algo que funciona como uma matraca [moulin à paroles]. A criança se dirige a um sujeito que ela sabe ser falante, que ela viu falando, que a penetrou com relatos desde o começo de seu despertar para a luz do dia. É muito cedo que o sujeito tem que aprender que essa é uma via, que esse é o desfilamento [défilé] pelo qual as manifestações de suas necessidades devem rebaixar-se a passar para serem satisfeitas.” – LACAN, J. O seminário, livro 6: o desejo e sua interpretação [1958-59]. Rio de Janeiro: Zahar, 2016. p. 21.
“Quando interpretamos um sonho, o que nos orienta certamente não é o que quer dizer isso?, nem tampouco o que ele quer, para dizer isso?, e sim, o que é que, ao dizer, isso quer? Isso não sabe o que isso quer, aparentemente.” – LACAN, J. O seminário, livro 16: De um Outro ao outro [1968-69]. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 196.
“O que há no discurso analítico, entre as funções de discurso e o suporte corporal, que não é a significação do discurso, que não se prende a nada do que é dito? Tudo que é dito é semblante. Tudo que é dito é verdade. Ainda por cima, tudo que se diz faz gozar. E, como reescrevi hoje no quadro, que se diga, como jato, fica esquecido por trás do que é dito. O que é dito não está noutro lugar senão no que se ouve. É isso a fala. O dizer é outra coisa, é outro plano, é o discurso.” – LACAN, J. O seminário, livro 19: … ou pior [1971-72]. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 221.
“O dizer tem seus efeitos, dos quais se constitui o que chamamos de fantasia, isto é, a relação entre o objeto a, que é o que se concentra por efeito do discurso para causar o desejo, e esse algo que se condensa em volta, como uma fenda, e que se chama sujeito.” – LACAN, J. O seminário, livro 19: … ou pior [1971-72]. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 222.
“O objeto de que se trata não é outra coisa senão o que interroguei aqui, com minhas duas fórmulas escritas no quadro. Não é nada além do fato do dizer como esquecido. É isso que é o objeto do que constitui a questão para cada um. Onde estou no dizer? É precisamente aí que a neurose se exibe.” – LACAN, J. O seminário, livro 19: … ou pior [1971-72]. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 225..
“A letra, lê-se, como uma carta. Parece mesmo feita no prolongamento da palavra. Lê-se, e literalmente. Mas não é justamente a mesma coisa ler uma letra, ou bem ler. É evidente que, no discurso analítico, só se trata disto, do que se lê e tomando como o que se lê para além do que vocês incitaram o sujeito a dizer, que não é tanto, como sublinhei da última vez, dizer tudo, mas dizer não importa o quê, sem hesitar em dizer besteiras.” – LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda [1972-73]. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 32-33.
“Que não haja ser senão no dito é uma questão que deixaremos em suspenso. É certo que não há dito senão do ser, mas isto não impõe a recíproca. Por outro lado, o que é meu dizer é que não há inconsciente senão no dito. Só podemos tratar do inconsciente a partir do dito, e do dito pelo analisando. Isto, é um dizer.”- LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda [1972-73]. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 108.
“Pois o próprio do dito, é o ser, como eu dizia ainda há pouco. Mas o próprio do dizer, é de ex-sistir em relação a qualquer dito que seja.” – LACAN, J. O seminário, livro 20: mais, ainda [1972-73]. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 110..
Miller:
“O que distingue o corpo do ser falante é que seu gozo sofre a incidência da palavra. E, precisamente, um sintoma testemunha que houve um acontecimento que marcou seu gozo, no sentido freudiano de Anzeichen, e que introduz um Ersatz, um gozo que não faria falta, um gozo que transtorna o gozo que faria falta, quer dizer, o gozo de sua natureza de corpo. Portanto, nesse sentido, não, o gozo em questão no sintoma não é primário. É produzido pelo significante. E é precisamente esta incidência significante o que faz do gozo do sintoma, um acontecimento, não apenas um fenômeno. O gozo do sintoma testemunha que houve um acontecimento, um acontecimento de corpo depois do qual, o gozo natural, entre aspas, que podemos imaginar como o gozo natural do corpo vivo, transtornou-se e se desviou. Este gozo não é primário, mas é primeiro em relação ao sentido que o sujeito lhe dá e que lhe dá por seu sintoma enquanto interpretável.” – MILLER, J.-A. Ler um sintoma. In: Opção Lacaniana – Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. n.70. São Paulo: jun. 2015, p. 13-22.
Outros autores:
“Cuando Miller se refiere a cierta potencia de la palabra, entiendo que nos advierte del efecto en el decir de cada uno de lo que implica la existencia de ese agujero; pienso que es el efecto en el decir del analizante y en el decir del analista. Subrayo esta existencia del agujero, porque la inexistencia no es la nada sino la existencia del agujero, es algo en más, es suplementario. La cuestión es cómo hacemos existir esa dimensión del agujero en los analisis para que cada quien encuentre su modo de escribirlo o de nombrarlo.” – SALLMAN, S. apud BRODSKY, G. Los psicoanalistas y el deseo de enseñar. Olivos: Grama Ediciones, 2023. p. 183.
“Há uma indicação muito importante sobre quando e como se produz uma primeira divisão do gozo e do corpo. Quer dizer, temos um ponto de partida: um ser vivente que nasce ocupando um lugar na estrutura da linguagem. Há uma anterioridade lógica a essa emergência do ser vivente, que é uma anterioridade discursiva, na medida em que já tem ocupado um lugar no discurso do Outro. Como recorda Lacan em ´Observação sobre o relatório de Daniel Lagache´, isso fala do sujeito antes que ele se subjetive como tal.” – SOLANO-SUAREZ, E. As crianças do Um sozinho. In: Autismo e psicose infantil: da clínica à política e retorno. Goiânia: Kelps, 2023. p. 81.
“O corpo como lugar onde o gozo da fala é decisivo na ênfase posta por Lacan sobre o ter. É um ter sustentado por uma crença. Por vezes Lacan a designa como tal, por outras se contenta em notá-la como uma passagem por um dizer: “o que eu lhes disse sobre as relações do homem com o seu corpo atêm-se inteiramente ao fato do homem dizer que o corpo, seu corpo, ele o tem” (Lacan, 1975-6: 154). Destaquemos “de o homem dizer”: é esse dizer que permite o salto entre o corpo e seu corpo. À diferença da perspectiva anterior do estádio do espelho, no qual a identificação imaginária com o corpo é sustentada por um dos pais que banca o garante, é por meio de um dizer primeiro do falasser que o corpo é deferido. Esse dizer incide sobre o ter e não sobre o ser.” – LAURENT, E. O avesso da biopolítica: uma escrita para o gozo. Trad. Sergio Laia, Leonardo Scofield, Vera Avellar Ribeiro. Coleção Opção Lacaniana, v. 13. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016. p. 99.
Prezado leitor,
Seguindo com a mesma lógica da publicação anterior, nesta nos dedicamos a apostar em laços possíveis entre o desejo de pesquisa da equipe da Comissão de Referências e os efeitos que o primeiro eixo que trabalhamos produziu. Entendemos que, como os 3 eixos conversam bastante, as referências escolhidas dessa vez também farão pontes com os significantes que serão trabalhados nos próximos eixos. Também nesta publicação iniciamos uma seção que investiga os discursos e os corpos na interlocução com a literatura e as demais artes. Começamos por Freud! Então, novamente, resta brincar, entrelaçar, bricolar entre as referências que já estão circulando por aqui, e as que virão a circular nas próximas publicações.
Até breve!
EIXO CLÍNICO: “O interpretador é o analisando”
Lacan:
“A interpretação não visa tanto o sentido quanto reduzir os significantes a seu não-senso, para que possamos reencontrar os determinantes de toda a conduta do sujeito.” LACAN, J. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise [1964]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. p. 201.
“A interpretação analítica se distingue pelo fato de, no que se articula desde logo como saber, por mais primitivo que seja, visar a um efeito – um efeito de saber, por se articular aí -, o qual ela torna sensível como sua verdade.” LACAN, J. O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro [1968-69]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 334.
“A interpretação – aqueles que a usam se dão conta – é com frequência estabelecida por um enigma. Enigma colhido, tanto quanto possível, na trama do discurso do psicanalisante, e que você, o intérprete, de modo algum pode completar por si mesmo, nem considerar, sem mentir, como confissão. Citação, por outro lado, às vezes tirada do mesmo texto, tal como foi enunciado. Que é aquele que pode ser considerado uma confissão, desde que o ajuntem a todo o contexto. Mas estão recorrendo, então, àquele que é seu autor.” LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise [1969-70]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 34.
“O inconsciente é o testemunho de um saber, no que em grande parte ele escapa ao ser falante. Este ser dá oportunidade de perceber até onde vão os efeitos de alíngua, pelo seguinte, que ele apresenta toda sorte de afetos que restam enigmáticos. Esses afetos são o que resulta da presença de alíngua no que, de saber, ela articula coisas que vão muito mais longe do que aquilo que o ser falante suporta de saber enunciado.” LACAN, J. O Seminário, livro 20: mais, ainda [1972-73]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p. 133.
“Quem é que fica sempre na expectativa de que eu jogue com os sagrados equívocos? Especialmente, não é o que me concerne. Parece-me que os desmistifico.” LACAN, J. O Seminário, livro 23: O sinthoma [1975-76]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 149.
“Trabajo en lo imposible de decir. Decir es otra cosa que hablar. El analizante habla, hace poesía. Hace poesía cuando llega —es poco frecuente, pero es arte. Corto porque no quiero decir “es tarde””. LACAN, J. El Seminario, libro 25: el momento de concluir [1977-78]. La traducción pertenece a Ricardo E. Rodriguez Ponte para circulación interna de la E.F.B.A.
Miller:
“Tomar el deseo al pie de la letra no significa que la letra se conecte naturalmente al deseo” MILLER, J-A. Respuestas de lo real. Buenos Aires: Paidós, 2024. p. 266.
“Lo que da su fundamento al alma, el alma que se supone que sobrevive a la decadencia del cuerpo hasta la resurrección, es la inercia del goce, la inercia del goce incluso en ese aspecto de inercia de la embriaguez que proporcionan la toxicomanía o el alcoholismo.” MILLER, J- A. Respuestas de lo real. Buenos Aires: Paidós, 2024. p. 267.
“En un momento dado, a través de la ventanilla, ve que las nubes que hay debajo de él se separan y le presentan el infinito chorreo del agua por la llanura siberiana. Nos está diciendo que la relación entre el significante y la carta es precisamente esa. Los significantes, el saber, son como estas nubes, semblantes. La letra es lo que rompe y se deposita por la disolución de esas nubes, esos meteoros. Es el hueco producido por la lluvia de significantes y, por tanto, lo que forma un barranco en la tierra. Esta es la definición final de Lacan – la escritura como abarrancamiento.” MILLER, J- A. Respuestas de lo real. Buenos Aires: Paidós, 2024. p. 279.
“[…] al no tomar como referencia el lenguaje sino lalengua concebida como una secreción, la secreción de cierto cuerpo, y al ocuparse menos de los efectos de sentido – los hay – que de esos efectos que son afectos.” MILLER, J-A. Piezas Sueltas. Buenos Aires: Paidós, 2013, p. 71.
“Esta escisión entre lalengua y el lenguaje, entre la comunicación y la nominación, entre el efecto de sentido y el afecto, invalida o más bien pone en tela de juicio la hipótesis, formulada como tal en el último capítulo del seminario Aún, según la cual el individuo afectado es lo mismo que el sujeto del significante. Esto indica que el psicoanálisis es la promesa de que el afecto es reducible al efecto de sentido, mientras que lo que Lacan denomina sinthome, lo que él nombra de ese modo (…) es el afecto en la medida en que es irreducible al efecto de sentido. A este título inserta a James Joyce en su última enseñanza, es decir, a título de un sinthome que es rebelde al efecto de sentido, o sea, inanalizable.” MILLER, J-A. Piezas Sueltas. Buenos Aires: Paidós, 2013. p. 72.
“La interpretación sería aquí dice Lacan “un forzamiento por el que un psicoanalista puede venir para hacer sonar otra cosa que el sentido” Hacer sonar otra cosa que el sentido, otra cosa que la resonancia, es propiamente, agregar el vacío” y continúa en el siguiente párrafo: “Se entiende aquí que aquello a lo que Lacan apunta con la noción de un significante que no tendría ningún tipo de sentido es, por así decir, la resonancia del efecto de agujero, es decir, aquello que en los dichos se logifica a partir de la ausencia de relación sexual y se extiende como significación vacía” MILLER, J-A. El ultimísimo Lacan. Buenos Aires: Paidós, 2014. p. 165.
“Ler um sintoma vai na direção oposta, isto é, consiste em privar o sintoma de sentido. É inclusive por isso que no aparelho de interpretar de Freud – que o próprio Lacan havia formalizado, havia clarificado, isto é, o ternário edipiano – Lacan substituiu por um ternário que não faz sentido, o do Real, do Simbólico e do Imaginário. Mas ao deslocar a interpretação do enquadre edipiano para o enquadre borromeano, é o próprio funcionamento da interpretação que muda e passa da escuta do sentido à leitura do fora de sentido.” MILLER, J-A. Ler um sintoma. In: Opção Lacaniana – Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. n. 70. São Paulo: jun. 2015, p. 13-22.
Outros autores:
“Cuando Lacan busca que el decir de la interpretación vaya contra el sentido recurre al juego de palabras o equívoco. “La interpretación no es interpretación de sentido, sino juego sobre el equívo-co” leemos en La Tercera. Podemos preguntarnos entonces de qué clase de significantes se vale el equívoco para no producir sentido.” BRODSKY, G. “Juego de palabras”. Acesso em jul/24, disponível em: https://www.eol.org.ar/template.asp?Sec=publicaciones&SubSec=impresas&File=impresas/col/tematicos/interpretacion/brodsky.html
“Todo lo que hemos trabajado sobre el saber leer, leer de otra manera, lo escrito en lo que se dice, todo eso forma parte de una reflexión sobre el concepto de interpretación, y creo que el extremo de eso implica que, en lugar de hablar de interpretación, se hable de la palabra que hiere. La palabra que hiere es lo que viene al lugar de la interpretación, no es simplemente algo que se interpreta, sino que tiene que tocar el cuerpo, tiene que tener una resonancia en el cuerpo; la palabra que toca el cuerpo está en esta búsqueda de cómo agregarle el cuerpo a la interpretación. […] “Miller dice que hay que saber callarse para que la potencia de la palabra se ponga de relieve, las palabras tienen que ser escasas. Pienso que cuando alude a la potencia de la palabra, es una manera de incluir la dimensión de la voz, es decir, de tomar en cuenta de qué manera el cuerpo se introduce en la palabra misma. Esto se une con la idea de la vociferación (…). Es esta dimensión donde no se trata simplemente de la palabra, sino que a esta se le agrega el tono, el ritmo; cuando Lacan dice, por ejemplo: “¿Una verdad duerme o despierta”? Y responde: “Depende del tono con que sea dicha”. BRODSKY, G. Los psicoanalistas y el deseo de enseñar. Olivos: Grama Ediciones, 2023. p. 185.
“São os detritos de língua, os restos falados e ouvidos que ecoam e que precedem à distinção do significante/significado, a saber, antecedem à articulação significante da linguagem, e que Lacan nomeará lalíngua. Lalíngua marca o sujeito com signos de gozo enigmáticos e improgramáveis. É uma língua que não serve para comunicar, e sim para gozar…Temos um jeito de falar, seja um fraseado, um ritmo uma respiração, um tom…e um jeito de ouvir que revela que, para o falasser, o choque de lalíngua faz o corpo acontecer.” PITTELLA, C. Interpretação: entre a palavra e a escrita. IN: Revista Curinga. Belo Horizonte: EBP – Seção Minas Gerais. n. 52, jul/dez 2021.
“É preciso, como fazem os poetas, dobrar e redobrar, sulcar, cortar, ferir a língua. É preciso fazer ressoar não a beleza das palavras, a rima, o verso, mas o intervalo, a lacuna, o vazio, ao modo de um desletrar-se, como um dos nomes possíveis para o “forçamento de uma nova escrita” urdido de um encontro com o real, a partir dos vestígios daquilo que teve para o falasser o valor de um trauma.” MACEDO, L. O inconsciente à flor da pele,ou a carne das palavras. Revista Curinga. Belo Horizonte: EBP- seção Minas Gerais. n. 47, jan./jun 2019.
Freud e as artes:
“[…] toda criança brincando se comporta como um poeta, na medida em que ela cria seu próprio mundo, melhor dizendo, transpõe as coisas do seu mundo para uma nova ordem, que lhe agrada.” FREUD, S. O poeta e o fantasiar [1908]. Obras Incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2021, p. 54.
“O poeta faz algo semelhante à criança que brinca; ele cria um mundo de fantasia que leva a sério, ou seja, um mundo formado por grande mobilização afetiva, na medida que se distingue rigidamente da realidade. E a linguagem mantém esta afinidade entre a brincadeira infantil e a criação poética, na medida em que a disciplina do poeta, que necessita do empréstimo de objetos concretos passíveis de representação, é considerado como brincadeira/jogo [Spiele].” Obras Incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2021, p. 54.
“Se a Psicanálise se coloca a serviço da biografia, ela não tem naturalmente o direito de ser tratada com mais rigor do que aquela. A Psicanálise pode chegar a muitas soluções que não são alcançadas por outras vias e mostram tantas novas relações nas obras-primas do tecelão, tais como as que se estendem entre os investimentos pulsionais, as vivências e a obra de um artista. Na medida em que uma das mais importantes funções do nosso pensamento é a de dominar psiquicamente o material do mundo exterior, penso que devemos agradecer à Psicanálise, quando ela se volta para os grandes homens, a fim de contribuir para o entendimento de suas grandes realizações.” FREUD, S. Prêmio Goethe [1930]. Obras Incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 314-315.
“Ao artista, uma boa natureza deu a possibilidade de expressar, por suas criações, suas emoções psíquicas mais secretas, escondidas dele mesmo, as quais comovem profundamente os estranhos ao artista, sem que estes mesmos possam dizer de onde provém essa comoção.” FREUD, S. Uma recordação de infância de Leonardo da Vinci [1910]. Obras Incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 125.
“…obras de arte exercem um forte efeito sobre mim, em especial obras literárias e esculturas, raramente pinturas. Isso já me levou, em oportunidades adequadas, a me demorar longamente diante delas e a querer compreender tal efeito à minha maneira, ou seja, explicar a mim mesmo, por quais meios surtem efeito. Onde não posso fazer isso, por exemplo, na música, sou quase incapaz de fruição. Uma constituição racionalista ou, talvez, analítica teima em resistir a que eu venha me comover, sem que possa saber por que me comovo.” FREUD, S. O Moisés, de Michelangelo [1914]. Obras Incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 183.
“…algumas das criações artísticas mais extraordinárias e mais irresistíveis permaneceram obscuras ao nosso entendimento. Nós as admiramos, sentimo-nos dominados por elas, mas não sabemos dizer o que elas representam. Não sou erudito o suficiente para saber se isso já foi observado ou se algum especialista em Estética já não concluiu que tal desorientação de nossa capacidade de compreender seria, até mesmo, uma necessária condição dos efeitos mais elevados que uma obra de arte deve evocar em nós.” FREUD, S. O Moisés, de Michelangelo [1914]. Obras Incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p.183-184.
“Talvez chegue o dia no qual os quadros e as estátuas que admiramos se desfizessem ou que uma geração posterior à nossa não mais entendesse as obras de nossos poetas e pensadores ou mesmo uma época geológica emudecesse todo o ser vivo sobre a terra, o valor de toda essa beleza e perfeição seria caracterizado apenas por meio do seu significado para nossa vida sensível, uma vez que esta não precisa sobreviver e, por isso, é independente da duração absoluta do tempo.” FREUD, S. Transitoriedade [1916]. Obras Incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 222.
EIXO POLÍTICO: “Estar à altura do acontecimento imprevisto”
Lacan
“Creio que vocês vêem o que aqui quer dizer a função do enigma — é um semi-dizer, como a Quimera faz aparecer um meio-corpo, pronto a desaparecer completamente quando se deu a solução. Um saber como verdade – isto define o que deve ser a estrutura do que se chama uma interpretação. Se insisti longamente na diferença de nível entre a enunciação e o enunciado, foi justamente para que a função do enigma ganhe sentido. O enigma é provavelmente isso, uma enunciação.” LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise [1969-70]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 33.
“El analista, él, zanja (tranche). Lo que dice es corte, es decir participa de la escritura, en esto precisamente: que para él equivoca sobre la ortografía. Escribe diferidamente de modo que por gracia de la ortografía, por un modo diferente de escribir, sueña otra cosa que lo que es dicho, que lo que es dicho con intención de decir, es decir conscientemente, aún cuando la consciencia vaya bien lejos.” LACAN, J. El Seminario, libro 25: el momento de concluir [1977-78]. La traducción pertenece a Ricardo E. Rodriguez Ponte para circulación interna de la E.F.B.A.
“O simbólico, o imaginário e o real, isso é o enunciado do que opera efetivamente em sua palavra, quando vocês se situam no discurso analítico, quando vocês são analistas. Eles só emergem verdadeiramente, esses termos, para e por esse discurso, Eu não tive de pôr aí nenhuma intenção, só tive de seguir, eu também. Não quero dizer que isso não ilumine os outros discursos, mas também não os invalida”. LACAN, J. A terceira. Rio de Janeiro: Zahar, p. 5.
Miller:
“¿Por qué calificar de discurso esta estructura de la experiencia? Esto ha causado malentendidos. Como el de pensar que el discurso sería un conjunto de cosas dichas, un conjunto de dichos. Lacan emplea el término “discurso” porque sitúa, en cada una de sus prácticas diferenciadas, el decir y el dicho. Estos discursos son cada uno un modo fundamental de decir. Evidentemente, en el interior de estos discursos puede haber distintos modos lógicos de este decir. en la experiencia analítica, a la demanda y a la interpretación les corresponde dos modos lógicos distintos.” MILLER, J-A. Respuestas de lo real. Buenos Aires: Paidós, 2024. p. 128.
“Lacan subraya que lalengua es para cada uno algo recibido y no aprendido. Es una pasión, se la sufre. Hay un encuentro entre lalengua y el cuerpo, y de ese encuentro nacen marcas (…)” el troumatisme, un trauma que hace un agujero. “Lo que Lacan denomina sinthome es la consistencia de esas marcas, y por eso lo reduce a ser un acontecimiento de cuerpo. Algo ocurrió al cuerpo debido a lalengua y es ineliminable del inconsciente.” MILLER, J-A. Piezas Sueltas. Buenos Aires: Paidós, 2013. p. 75.
“A interpretação não é uma pergunta , não é um pode ser, é a formulação de um Há e em outro extremo de um não-há . Trata-se mais de haver-se com uma ausência que é de estrutura do que de fazer ver algo. Trata-se do impossível de dizer. A marca que carrega a interpretação lacaniana é a marca do impossível -de -se -dizer. O que é mais próprio da interpretação lacaniana? É fazer ver o impossível-de-se-dizer, na medida em que o torna sensível. A interpretação freudiana é uma tradução em termos sexuais, a interpretação lacaniana não é tradução, mas revelação, levanta o véu que cobre o impossível-de-dizer, lê o que não se pode dizer, vai mais além da repressão.” MILLER, J-A. A palavra que fere. In: Opção Lacaniana – Revista Brasileira e Internacional de Psicanálise. n. 56-57. São Paulo: jul. 2009.
“Não se trata de saber se a sessão é breve ou longa, silenciosa ou falante. Ou a sessão é unidade semântica, onde S2 vem pontuar a elaboração – delírio a serviço do Nome-do-Pai – muitas sessões se constituem dessa forma. Ou a sessão analítica é uma unidade assemântica reconduzindo o sujeito à opacidade do gozo. Isto supõe que, antes de ser encerrada, deve ser cortada.” MILLER, J-A. A interpretação pelo avesso. In: Opção Lacaniana – Revista Brasileira e Internacional de Psicanálise. São Paulo, n. 15, p 98-99, 1996a.
“É necessário um limite ao monólogo autista do gozo. Acho bem luminoso dizer – a interpretação analítica limita – A interpretação, ao contrário, tem uma potencialidade infinita”. MILLER, J-A. O monólogo da aparola [1996]. In: Opção Lacaniana – Revista Brasileira e Internacional de Psicanálise. São Paulo, n. 23, p. 75, 1998.
Outros autores:
“A escuta não tem, portanto, vocação para ficar paralisada em seu silêncio. Ela deve ajudar a manifestar a dimensão do desejo para além da intenção e de uma pulsão acéfala. Esta é a função da interpretação. O desejo não é a interpretação metalinguageira de uma pulsão prévia confusa. O desejo é sua interpretação. As duas coisas estão no mesmo nível. Uma outra proposição deve ser acrescentada: ‘os psicanalistas fazem parte do conceito de inconsciente, posto que constituem seu destinatário’”. LAURENT, E. A interpretação: da escuta ao escrito. In: Boletim Punctum. n. 2, 2022.
“Se o objeto a se presta ao laço social, oferecemos, no mercado, o objeto-a-nalista. Ele é um corpo sobre o qual o objeto pode encarnar-se. Ter passado por uma análise lhe permite oferecer seu corpo esvaziado de gozo, para que o objeto possa aparecer aí…O analista deve saber alojar esse vazio. Ali onde estava o objeto mais-de-gozar do analisante advém o objeto causa de desejo no ato analítico. O analista, mais do que sustentar a causa de desejo do analisante, passa a encarnar a caixa de ressonância que permite fazer escutar a voz que ressoa e passa, a voz de ninguém, uma voz que fala sozinha! Resta o laço entre dois vazios”. ROSA, M. Lacan e alguns lugares do corpo do analista sob transferência. In: Revista Curinga. Belo Horizonte: EBP – Seção Minas Gerais. n. 52, jul/dez 2021.
“Se hace lazo cuando se cede goce: por respeto, por amor, por saber, por deseo…Concretamente, los discursos organizan modos de ceder el goce. Los distintos modos de resolver la imposibilidad configuran distintas maneras de aceptar los límites del lenguaje. El agente del discurso comanda el modo de ceder goce, modo por el que se permite que el discurso continúe […] Pero en el discurso capitalista -y en el científico cuando se alía con él- no hay posibilidad de discurso porque no se pide ceder el goce si no ceder al goce. Se promete que no es preciso un menos de goce para resolver, que no hay que perder nada, al contrario, se promete una ganancia de goce. Se trata al goce con más goce. El mercado provee los objetos -y así pasan a ser objetos de consumo el saber, el amor y la política, por ejemplo-. El goce así entendido supone una satisfacción para todos igual, no se trata del goce singular como lo entiende el psicoanálisis. La experiencia de aceleración y excitación creciente de nuestro tiempo es fruto de esta imposibilidad de discurso: el circuito de satisfacción es continuo y la tensión no se descarga más que por llegar al límite del cuerpo, incluyendo la posibilidad de morir. Es preciso notar que en este discurso se pierde la posibilidad que la palabra brinda: la conversación verdadera que precisa de un margen de no sabido y de no decidido”. TEIXIDÓ, A. Ceder el goce o ceder al goce: discurso capitalista y acto analítico. In: Revista Enlaces. An̈o 24, n. 28 , septiembre 2022. p. 196.
“O uso metódico da droga singulariza, de alguma forma, o que já se disse a propósito do corpo falante, pois é possível mostrar que o corpo do toxicômano se institui, para ele, um Outro.Trata-se de um novo sintoma, na medida em que a toxicomania se constitui exemplar de um gozo que, essencialmente, se produz no corpo do Um, sem que, com isso, o corpo do Outro esteja ausente.Em certo sentido, no contexto clínico, o gozo é sempre autoerótico,sempre autístico, mas, ao mesmo tempo, é aloerótico, visto que também inclui o Outro sob a forma do parceiro-corpo”. SANTIAGO, J. A droga do toxicômano: uma parceria cínica na era da ciência – 2 ed. Belo Horizonte: Relicário Edições, 2017. p. 235.
Artes:
“Sempre escrevemos a partir de uma ausência: a escolha de um idioma automaticamente significa o fantasmamento do outro, mas nunca sua desaparição. Aquele outro idioma em que o escritor não pensa, diz Roa Bastos, pensa-o. O que a princípio parece imposição – Por que ter de escolher? – logo se torna vantagem. A auséncia do que foi postergado continua a operar, obscuramente, como um tácito autrement dit que complica o escrito no idioma escolhido e o encarde. Ou melhor, o infecta, como diz Jacques Hassoun, usando o termo como é usado na pintura quando uma cor se insinua na outra. “Nous sommes tous des ‘infectés’ de la langue”. MOLLOY, S. Viver entre línguas. Belo Horizonte: Relicário, 2018. p. 19.
“Há mundos submersos onde só o silêncio da poesia penetra”. EVARISTO, C. Poemas da recordação e outros movimentos. Belo Horizonte: Nandyala, 2008. p 108.
“Olhamos para o mundo uma vez, na infância. O resto é memória”. GLÜCK, L. Poemas 2006-2014. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
“Então ele os sabia corpos antes de sabê-los coloridos”. Joyce, J. Ulisses. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. p. 59.
EIXO EPISTÊMICO: “O discurso faz do corpo um corpo”
Lacan
“Não é à sua consciência que o sujeito está condenado, mas a seu corpo, que resiste de muitas maneiras a realizar a divisão do sujeito. O fato de essa resistência ter servido para abrigar toda sorte de erros (dentre eles a alma) não impede que essa divisão traga efeitos verídicos, como o que Freud descobriu sob o nome (…) castração.” LACAN, J. [1961/62]. Respostas a estudantes de filosofia. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 213-214.
“Esse é o hic que só se faz nunc quando se é psicanalista, e também lacaniano. Em breve, todo o mundo o será – minha audiência é um pródromo disso – e, portanto, também o serão os psicanalistas. Para isso, bastaria a ascensão ao zênite social do objeto que chamo pequeno a, pelo efeito de angústia provocado pelo esvaziamento com que nosso discurso o produz, por faltar à sua produção.” LACAN, J. Radiofonia [1970]. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 411.
“O homem com o analista desperta.” LACAN, J. [1960/61]. O Seminário, livro 8: A transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 363.
Miller
“O que distingue a interpretação lacaniana? Ela é lacaniana na medida em que mostra o impossível de dizer, ela o torna sensível.” MILER, J.-A. A palavra que fere. Opção Lacaniana: Revista brasileira e internacional de psicanálise, São Paulo, n. 56/57, p. 67-70, jul. 2010.
Outros autores
“A mais obstinada talvez, a mais possante dessas utopias pelas quais apagamos a triste topologia do corpo, nos é fornecida desde os confins da historia ocidental, pelo grande mito da alma.” Foucault, M. O corpo utópico, as heterotopias. São Paulo: n-1 edições, 2021. p. 9.
“Em psicanálise, a identidade não é da ordem de uma relação de si consigo, nem da ordem de uma relação de si com um grupo. Ela pode ser concebida, no seio da psicanálise, como uma relação singular com a existência por meio de nosso sintoma. A identidade tem a ver com o que excede toda norma e dá testemunho de nossa profunda inadaptação às normas do Outro.” […] “ O sintoma é, a um só tempo, uma identidade e o que vem turvar a relação do sujeito com seu ser.” LEGUIL, C. Ilusão do nós, verdade do Eu (Je): abordagem lacaniana da identidade. Opção Lacaniana online. Ano 8, n. 22, mar 2017.
“A presença do analista é, então, não tanto articulada por Lacan a uma ausência, mas a uma perda. O fato de o analista estar ali, com seu corpo, com sua voz, com sua respiração, no mesmo lugar em que está o analisante, este também com seu corpo e com sua angústia, tem uma função decisiva. O corpo do analista e sua modalidade de presença exercem a função de testemunha daquilo que se perde. “LEGUIL, C. Presença do analista como testemunha da perda. Disponível em: https://encontrobrasileiroebp2022.com.br/presenca-do-psicanalista-como-testemunha-da-perda/
“O corpo do analista testemunha, então, o que afeta o corpo do analisante, ou seja, o eco no corpo do fato de haver um dizer. Há, portanto, um paradoxo da presença do analista na orientação lacaniana. Pois o analista, como Lacan o concebe nos anos 1950, é aquele que deve se apagar como corpo para existir apenas como Outro do significante […] O analista, segundo o último Lacan, o dos anos 1970, é aquele que faz ressoar de seu próprio corpo o efeito de gozo produzido pelo significante. É então como Outro do sentido que ele deve ausentar-se para estar presente como parceiro do corpo do analisante.” LEGUIL, C. Presença do analista como testemunha da perda. Disponível em: https://encontrobrasileiroebp2022.com.br/presenca-do-psicanalista-como-testemunha-da-perda/
Arte
“O não dizer é o que inflama.
E a boca sem movimento
É o que torna o pensamento
Lume
Cardume
Chama.”
Hilda Hilst, In: Roteiro do silêncio, 1959. (achado recebido de Sandra Regina de Souza Cruz)
“Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o «de», o «aliás», о «о», o «porém» e o «que», esta incompreensível muleta que me apoia.
Quem entender a linguagem entende Deus cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentíssimos, se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.”
Adélia Prado, Bagagem
“Y si leo, si compro libros y los devoro, no es por un placer intelectual —yo no tengo placeres, sólo tengo hambre y sed— ni por un deseo de conocimientos sino por una astucia inconsciente que recién ahora descubro: coleccionar palabras, prenderlas en mí como si ellas fueran harapos y yo un clavo, dejarlas en mi inconsciente, como quien no quiere la cosa, y despertar, en la mañana espantosa, para encontrar a mi lado un poema ya hecho.” (Alejandra Pizarnik)
Produções singulares: a causa do dizer
Ça, mon corps Isso, meu corpo
Ce mot ment Essa palavra mente
corps Corpo
Ce mot m’ancre Essa palavra me ancora
en corps Em corpo
encore ancora e ancora
Ce mot-ancre Essa palavra ancorada
l’encre-en-corps o corpo-tinta
encore et encore ancora e ancora
Eleonora Castelli [21/06/24] [3 dias depois]
I
o que do corpo
lacerado pela língua
restou imaterno
sob risco de elisão
escapa ao predicado – sou
externo ao dito
que distingue
o eu do não
II
o poema esquece na curva
seu trajeto de argumento
adentra o ouvido e cai no oco
do corpo vivo:
entre o eco
e o olvido
III
o lápis fura a palavra
e a lança à pesca
do que não se pensa
Luciana Rogmanolli
: a causa do poema
E não é, Manoel?
A palavra lavra a letra
E a letra
é a larva
que palavra
Essa tal letra
é a larva
da palavra
De palavra em palavra
voa a borboletra
…
Mariana Dias
O que é o corpo?
É o que vejo?
É a imagem?
São seus órgãos?
O corpo vivo
vibra
ressoa
ressente
adoece
fortalece
entristece
Ah! O corpo …
Temos um corpo?
Como dizer que é meu?
se me escapa …
Se não me acompanha.
Às vezes quero seguir
e ele quer ficar.
Às vezes me agito
E ele anestesia
Ah! O corpo …
Já foi dito tanto sobre ele
mas quem sabe o que é
Um corpo?
Não posso dizer o que é
Só posso contar de
Minhas experiências
Com meu corpo.
Não há corpo
fora da experiência
Viva de existir.
Marli Machado