Referências Bibliográficas
Linha A – Loucura, Delírio e Liberdade:
“Os neuróticos dão as costas à realidade por considerá-la — no todo ou em parte — insuportável. O tipo mais extremo desse afastamento da realidade aparece em alguns casos de psicose alucinatória, nos quais se procura negar o acontecimento que provocou a loucura (Griesinger). Mas, na verdade, todo neurótico faz o mesmo com algum fragmento da realidade. E assim nos defrontamos com a tarefa de investigar, em seu desenvolvimento, a relação do neurótico e do próprio ser humano com a realidade, desse modo admitindo, no corpo de nossas teorias, a significação psicológica do mundo externo real” (FREUD, S. Os dois princípios do funcionamento psíquico. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 82)
“Há um produto psíquico que se acha nas pessoas mais normais e que, no entanto, oferece uma notável analogia com as mais selvagens produções da loucura, e que os filósofos não compreenderam mais do que a loucura mesma. Refiro-me aos sonhos” (FREUD, S. Algumas considerações sobre o conceito de inconsciente na psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 200)
“(…) o famoso Elogio da Loucura continua a ter todo o seu valor, o de identificá-la ao comportamento humano normal – ainda que esta última expressão não tenha sido empregada naquela época. O que era então dito na linguagem dos filósofos, de filósofo para filósofo, acabou com o tempo por ser levado a sério, tomado ao pé da letra – virada que se operou com Pascal, o qual formula com todo acento do grave e do meditado, que sem dúvida há uma loucura necessária, que não ser louco da loucura de todo mundo seria ser louco de uma outra forma de loucura” (LACAN, J. O Seminário, Livro 3: As Psicoses. 23 de novembro de 1955).
“Aquele que sabe encontra-se, como tal, numa posição tão perigosa, está tão fadado ao fracasso e ao sacrifício, que seu caminho tem de ser, como diz em algum lugar Pascal, o de ser louco junto com os outros.
Fazer-se de louco é uma das dimensões do que eu poderia chamar de a política do herói moderno” (LACAN, J. O Seminário, Livro 6: O Desejo e sua Interpretação. 15 de abril de 1959).
“O Um, como vocês sabem, é frequentemente evocado por Freud como significante de uma essência do Eros que seria feita de fusão, isto é, que a libido seria o tipo de essência que de dois tenderia a fazer Um. Segundo um velho mito, que com certeza não é, em absoluto, de boa mística, o mundo, por uma das tensões fundamentais, tenderia a fazer apenas Um. Esse mito só pode funcionar num horizonte de delírio, e não tem nada a ver com seja o que for que encontramos na experiência” (Lacan, J. O Seminário, Livro 19: … Ou Pior. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012, 03 de março de 1972).
“Portanto, não é que eu me desvie do drama social que domina nossa época. É que o funcionamento de minha marionete evidenciará melhor para cada um o risco que o tenta, toda vez que se trata da liberdade. Pois o risco da loucura se mede pela própria atração das identificações em que o homem engaja, simultaneamente, sua verdade e seu ser.
Assim, longe da loucura ser um fato contingente das fragilidades de seu organismo, ela é virtualidade permanente de uma falha aberta em sua essência. Longe de ser a liberdade “um insulto”, ela é sua mais fiel companheira, e acompanha seu movimento como uma sombra.
E o ser do homem não apenas não pode ser compreendido sem a loucura, como não seria o ser do homem se não trouxesse em si a loucura como limite de sua liberdade” (LACAN, J. Formulações sobre a causalidade psíquica (1946). In: ___. Escritos, Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1998, p.177).
“Na loucura, seja qual for sua natureza, convém reconhecermos, de um lado, a liberdade negativa de uma fala que renunciou a se fazer reconhecer, ou seja, aquilo que chamamos de obstáculo à transferência, e, de outro lado, a formação singular de um delírio (…) que objetiva o sujeito em uma linguagem sem dialética” (Lacan, J. Função e campo da fala e da linguagem (1953). In: ___. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1998, p. 281).
“Essa relação do homem com a fala é evidente no veículo [médium] psicanalítico – o que torna ainda mais extraordinário que ela seja negligenciada em seu fundamento. Mas trata-se de um círculo, porque, não reconhecendo o fundamento, busca-se o veículo [médium] em outro lugar: ou seja, em sabe-se lá que afeto imediato, verdadeiro delírio a recobrir uma ação pela qual o homem talvez aborde mais de perto o núcleo constitutivo da razão. Esse é o espetáculo que nos oferece a psicanálise quando procura justificar-se pelos métodos das disciplinas coexistentes em seu campo, o que só faz ao preço de substantificações míticas e álibis falaciosos” (LACAN, J. “A psicanálise verdadeira, e a falsa” (1958). In: ___. Outros escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2003, p. 173)
“(…) advertência de Pascal, que ecoa, desde o despontar da era histórica do ‘eu’, nestes termos: <<os homens são tão necessariamente loucos que seria enlouquecer por uma outra forma de loucura não ser louco>>” (LACAN, J. Função e campo da fala e da linguagem (1953). In: ___. Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1998, p. 284)
“… Os organicistas tendem a dar ao sistema do delírio o alcance de uma elaboração intelectual de um valor secundário e de pouco interesse. Apesar do reforço que lhes demos até aqui, não os seguiremos a este respeito.” (Lacan, J. Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade [1932], p.216).
“Chamo de clínica universal do delírio aquela que toma como seu ponto de partida o seguinte: todos os nossos discursos não passam de defesas contra o real” (MILLER, J.A. “Clínica irônica”, Matemas 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1966, p. 190).
“Na época do falasser, digamos a verdade, analisamos qualquer um. Analisar o falasser demanda jogar uma partida entre delírio, debilidade e tapeação. É dirigir um delírio de maneira que sua debilidade ceda à tapeação do real” (MILLER, J.A. In: ___. O Osso de uma Análise. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2015, p. 135).
“Ante el loco, ante el delirante, no olvides que eres, o que fuiste, analizante, y que también tú hablas de lo que no existe” (MILLER, J.A. “Ironía”. In: Consecuencias n°7, novembro de 2011).
“É deste ponto que o neurótico – polo normal – traz em si o S2 que necessita, isto é, em determinada circunstância ele sabe o que deve dizer. Esta é nossa compreensão precipitada. E Lacan nos convida a ser um pouco mais psicóticos, um pouco mais perplexos. Convida-nos a ler as coisas sem entendê-las e ajuda-nos com seu estilo que produz a perplexidade. Ensina-nos a não apagar o momento da perplexidade, a não sair correndo com nosso S2, nosso saber apoiado em nossa fantasia, para decifrar e afirmar que não temos nenhuma dificuldade e entendemos o que se passa. Tentar não entender o que ocorre é uma disciplina. Por que não traduzir desta forma a foraclusão do Nome do Pai, a forclusão deste S2 que para o neurótico permite-lhe decifrar tudo sem perplexidade?” (MILLER, J-A. A invenção do delírio. p.19 http://www.opcaolacaniana.com.br/antigos/pdf/artigos/JAMDelir.pdf)
“O Significante Um é sempre elementar, não sabemos o que ele significa, ele deixa o sujeito na perplexidade, à espera do saber, do S2 ou do delírio. Todo saber é delírio e o delírio é um saber, com o elemento de delírio que sempre há na invenção” (SELDES, R. O operador da perplexidade. In: ___ Correio 90, Revista da Escola Brasileira de Psicanálise. São Paulo, Abril 2023. Acontecimentos políticos de corpo, p.144).
“<<Todo mundo é louco, quer dizer, delirante>> vem fazer um corte significativamente à clivagem neurose-psicose, presente como efeito da metáfora paterna ou seu fracasso. Sob o risco de fazer a estrutura psicótica aparecer como deficitária (…), trata-se de um convite a ultrapassar essa consideração sobre o defeito, sobre o erro, para dirigir nossa atenção sobre a particularidade da crença delirante. A distinção entre saber e crença vai de encontro à distinção operada entre delírio como Real, Real da psicose, e delírio como semblante, semblante social, entre o terapeuta e seu paciente. (…) A questão da relação com a verdade, presente no coração de <<todo mundo é louco>>, deveria orientar o clínico para que se desprenda da postura de <<técnico da loucura>>” (LAHUTTE, B. “Delírio”. In:___ SCILICET: As Psicoses Ordinárias e as Outras – sob Transferência. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2018, p. 116).
Linha B: Corpo e Clínica
“De fato, em um grande número de casos, a análise se decompõe em duas fases […] A primeira compreende todos os preparativos necessários e hoje tão complicados e difíceis de cumprir, até que finalmente se compra a passagem, chega-se à plataforma e se garante um lugar no vagão. Agora se tem o direito e a possibilidade de viajar para um país distante, mas após todos esses preparativos ainda não se está lá (…) ainda é preciso que se cumpra a própria viagem, de uma estação à outra” (Freud, S. Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina (1920). IN:__ Obras incompletas de Sigmund Freud. Neurose, psicose, perversão. Belo Horizonte, Autêntica, 2019, p. 163-164)
“As relações com o Outro nos delírios são agora propostas à nossa investigação. Poderemos responder a elas ainda melhor tanto mais que nossos termos nos ajudam, fazendo-nos distinguir o sujeito, aquele que fala, e o outro com o qual ele está preso na relação imaginária, centro de gravidade do seu eu individual, e no qual não há palavra. Esses termos nos permitirão caracterizar de maneira nova psicose e neurose” (LACAN, J. O Seminário, Livro 3, As psicoses, 30 de novembro de 1955)
“A linguagem funciona inteiramente na ambiguidade, e a maior parte do tempo vocês não sabem absolutamente nada do que estão dizendo. Na nossa interlocução mais corrente, a linguagem tem um valor puramente fictício, vocês atribuem ao outro o sentimento de que estão sempre entendendo, e que não tem nenhuma ligação com qualquer coisa que seja possível de ser aprofundada. os nove décimos dos discursos efetivamente realizados são completamente fictícios” (LACAN, J. O Seminário, Livro 3, As psicoses, 25 de janeiro de 1956)
“Dito de outro modo, o que há sob o hábito, e que chamamos de corpo, talvez seja apenas esse resto que chamo de objeto a” (LACAN, J. O Seminário, livro 20, Mais ainda. Rio de Janeiro, Zahar Ed. 2008, 21 de novembro de 1972)
“Que haja algo que funda o ser, certamente que é o corpo” (LACAN, J. O Seminário, livro 20, Mais ainda, 08 de maio de 1973)
“É uma das coisas essenciais que eu disse da última vez – a análise se distingue, entre tudo que já foi produzido até agora de discurso, por enunciar isto, que constitui o osso de meu ensino: que eu falo sem saber. Falo com o meu corpo, e isto, sem saber. Digo, portanto, sempre mais do que sei” (LACAN, J. O Seminário, livro 20, Mais ainda. Rio de Janeiro, Zahar Ed. 2008, 15 de maio de 1973)
“Esse nó, qualificável de borromeano, é insolúvel sem que se dissolva o mito do sujeito – do sujeito como não suposto, isto é, como real – que ele não torna mais diverso do que cada corpo que assinala o falasser, cujo corpo só tem estatuto respeitável, no sentido comum da palavra, graças a esse nó” (LACAN, J. O Seminário, livro 23, O sinthoma, 09 de dezembro de 1975)
“Na medida em que o inconsciente não deixa de se referir ao corpo, penso que a função do real pode ser distinguida dele. Penso que não se pode conceber o psicanalista de outra forma senão como um sinthoma. Não é a psicanálise que é um sinthoma, mas o psicanalista” (LACAN, J. O Seminário, livro 23, O sinthoma, 13 de abril de 1976)
“Não é à sua consciência que o sujeito está condenado, mas a seu corpo, que resiste de muitas maneiras a realizar a divisão do sujeito” (LACAN, J. “Resposta a estudantes de filosofia”. In: Outros escritos, Rio de Janeiro, Zahar, 2003, p. 213)
“O simbólico imprime no corpo imaginário representações semânticas tecidas e desatadas pelo corpo falante. É nesse sentido que sua debilidade destina o corpo falante como tal ao delírio. Perguntamo-nos como alguém que foi analisado poderia ainda se imaginar como sendo normal” (MILLER, J-A. “O inconsciente e o corpo falante”. IN: Apresentação do tema do X Congresso da AMP, no Rio, em 2016. Associação Mundial de Psicanálise). Disponível em: https://www.wapol.org/pt/articulos/Template.asp?intTipoPagina=4&intPublicacion=13&intEdicion=9&intIdiomaPublicacion=9&intArticulo=2742&intIdiomaArticulo=9
“O signo recorta a carne, a desvitaliza e a cadaveriza, o corpo, então, se separa dela. Na distinção entre o corpo e a carne, o corpo se mostra apto para figurar, como superfície de inscrição, o lugar do Outro do significante. Para nós, o mistério cartesiano da união psicossomática se desloca. O que faz mistério, mas permanece indubitável, é o que resulta do domínio do simbólico sobre o corpo. Para dizê-lo em termos cartesianos: o mistério é, sobretudo, o da união da fala com o corpo. Por esse fato de experiência, pode-se dizer que ele é do registro do real” (MILLER, J-A. “O inconsciente e o corpo falante”. IN: Apresentação do tema do X Congresso da AMP, no Rio, em 2016. Associação Mundial de Psicanálise) Disponível em: https://www.wapol.org/pt/articulos/Template.asp?intTipoPagina=4&intPublicacion=13&intEdicion=9&intIdiomaPublicacion=9&intArticulo=2742&intIdiomaArticulo=9
“O falasser tem de se haver com seu corpo como imaginário, assim como tem de se haver com o simbólico. O terceiro termo, o real, é o complexo ou o implexo dos dois outros. Trata-se do corpo falante com seus dois gozos, gozo da fala e gozo do corpo: um leva ao escabelo, o outro sustenta o sinthoma. (…) O corpo falante goza, portanto, em dois registros: por um lado, ele goza de si mesmo, ele se afeta de gozo, ele se goza – uso do verbo na forma reflexiva; por outro, um órgão desse corpo se distingue de gozar de si mesmo, ele condensa e isola um gozo à parte que se reparte entre os objetos a” (MILLER, J-A. “O inconsciente e o corpo falante”. IN: Apresentação do tema do X Congresso da AMP, no Rio, em 2016. Associação Mundial de Psicanálise) Disponível em: https://www.wapol.org/pt/articulos/Template.asp?intTipoPagina=4&intPublicacion=13&intEdicion=9&intIdiomaPublicacion=9&intArticulo=2742&intIdiomaArticulo=9
“… E Lacan nos convida a ser um pouco mais psicóticos, um pouco mais perplexos. Convida-nos a ler as coisas sem entendê-las e ajuda-nos com seu estilo que produz a perplexidade. Ensina-nos a não apagar o momento da perplexidade, a não sair correndo com nosso S2, nosso saber apoiado em nossa fantasia, para decifrar e afirmar que não temos nenhuma dificuldade e entendemos o que se passa. Tentar não entender o que ocorre é uma disciplina.” (Miller, J-A. A invenção do delírio, p.21)
“Elevar a debilidade psicanalítica à segurança soberana do gesto cirúrgico de cortar, essa seria a salvaguarda da psicanálise” (Miller, Os trumains, 2020).
“Lacan faz, assim, do analista o parceiro-testemunha do que se perde, do que o sujeito perdeu, em última análise, do seu luto, daquilo de que ele era a falta, da separação também como ‘separtição’ (sépartition) de um pedaço do corpo.
(…) É o que faz Lacan dizer que <<a presença do psicanalista é irredutível, como testemunha dessa perda>>. Pois a perda não se produz à luz do dia, mas <<necessariamente numa zona de sombra>>. Essa perda nos confronta com um ponto opaco em nossa própria fala. Ela nos faz experienciar o obscurantismo da nossa fala. Ali onde eu acreditava saber o que pensava e o que dizia, eis que me encontro onde não pensava estar, num lugar onde não esperava me encontrar.
(…) Confrontar-se com o inconsciente como aquilo que se perde é também cernir os efeitos do trauma” (LEGUIL, C. “Presença do analista e experiências do inconsciente”. In:__ Correio, n° 90. São Paulo, EBP, 2023).
“La poética psicoanalítica supone un acto de lenguaje que desplaza, disloca, el significante amo. Es una poética que sobrepasa al analista y al analizante. Como dice Lacan, el analista es poema más que poeta cuando accede a esta dimensión del lenguaje. Es el punto donde la “orthe doxa” que se apoya sobre la estructura en lo real, testimonia de la “mentira” de lo real” (LAURENT, É. El caso, del malestar a la mentira. IN:__ Cuadernos de Psicoanálisis, Bilbao, Eolia, n.26, 2002). Disponível em: http://ea.eol.org.ar/03/es/textos/txt/pdf/el_caso.pdf
“(…) el lenguaje siempre implica una réson en el cuerpo. Siempre implica una vibración particular que Lacan calificó a partir de la frase poética de Francis Pongr, la réson que hace en el cuerpo resonamiento, en el sentido de la reverberación y que es del orden del afecto. En efecto no hay captura del sujeto en el lenguaje sin que haya un afecto. Es la generalización que Lacan hace en su última enseñanza de la categoría freudiana del afecto. Allí designa todo lo que en el cuerpo responde a sí mismo y que no es del orden del significante, sino eco de esta captura en el significante” (LAURENT, É. “La despatologización neuro del autismo y la nuestra”. IN:__ Revista Lacaniana de Psicoanálisis, n°32. Buenos Aires, Escuela de la Orientación Lacaniana, 2002 p.157)
“O corpo é, portanto, superfície de inscrição falha (en défaut) com relação ao trauma do gozo. Mas, como consistência mental, ele se imagina como um lugar em que nada falta. Ele se pensa como receptáculo de sensações ‘proprioceptivas’ e dos afetos que lhe surgem. Torna-se, então, o depositário do que Lacan chama de ‘ideia de si’” (LAURENT, É. O avesso da biopolítica – uma escrita para o gozo. Rio de Janeiro: Contracapa, 2016, p. 18).
“Ter um corpo, no sentido da psicanálise, é fazer a experiência do gozo, inscrevendo-se numa superfície, mas sem ter correlato subjetivo. O sujeito, assim, é produzido como ausência, como furo. É furotraumatizado (troumatisé). Ele, todavia, não para de tentar não se ausentar, de querer (se) ver, de querer captar de novo o momento de seu desaparecimento. É o que está em jogo no roteiro de gozo, a fantasia, mistura de significantes que contaram, de imagens oníricas e de experiências de gozo no corpo. O sujeito tenta, assim, aproximar-se do gozo, cristalizando-o num objeto ou num roteiro mais ou menos ritualizado. Mas essa tentativa é incessantemente marcada pelo equívoco, pois o corpo não dispõe, efetivamente, de um local estável para acolher o gozo” (LAURENT, É. O avesso da biopolítica – uma escrita para o gozo. Rio de Janeiro: Contracapa, 2016, pp. 19-20)
“Assim (…) essa clínica permite sair da oposição mecânica entre foraclusão e não foraclusão (…) trata-se, em cada caso, de tentar encontrar uma montagem dos nós que dê conta de um sujeito, mais além de sua inserção num pequeno espaço compartimentado ou numa classe clínica” (MACÊDO, Lucíola. “Um problema com a alteridade”. IN:__ Correio 86, Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, São Paulo, out-2021, pg.69. Epígrafe do caso clínico citando Éric Laurent).
“A loucura de cada um não integra nenhuma série, nem mesmo a de quem carrega. Não se exibe com orgulho, nem se torna dócil ferramenta. Ela é o equivalente ao que vimos definindo como sintoma. A clínica do delírio generalizado dá um novo lugar ao sintoma. Ele não é mais apenas doença, falta de saúde, mas traço de gozo. Não é a particularidade de cada um, mas é (…) <<o bizarro de um gozo mil vezes desconsiderado por não caber no que se é>> Sem um lugar para esse gozo, o universal da saúde se torna o delírio do imperativo do supereu. (…) Não é <<saúde sem esquecer da loucura>>. É <<não há saúde sem loucura>>” VIEIRA, M.A. “Sintoma e Loucura”. IN:__ Curinga, v.1 n.0. Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Minas, 2010, p.111-112)
“Así, las construcciones del analista no pueden alcanzar a todo lo que la suposición de una estructura permite inferir. Deben mantenerse en las proximidades de lo vivo, de la realidad sexual del inconsciente puesta en acto” (BERENGUER, E. “¿Cómo se construye un caso? Seminario teórico y clínico”. IN:__ NED Ediciones. Espanha, 2018) Disponível em: https://blogs.ead.unlp.edu.ar/psicoterapia1/files/2020/05/Comoconstruiruncaso-Berenguer.pdf
“Se o real de cada sujeito é imodificável, o que tem que se modificar é a posição do sujeito para fazer frente a esse real que o habita. Desta transformação subjetiva o analista, a partir do caso, tratará de dar conta” (ZACK, O. “Reflexões a propósito da construção do caso”. IN:__ Curinga, v.1 n.0. Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Minas, 2010, p.150)
“No es poco habitual, además, en la presentación de un caso escuchar una colección de citas de autoridad (de referentes cuya autoridad se invoca mediante ese procedimiento), citas que ‘distraen’ respecto de lo que acontece realmente en la dirección de la cura. De ese modo, frecuentemente el analista permanece ‘oculto’ detrás de una retórica compartida (y aprobada) por la comunidad de pertenencia” (SINATRA. E. “De una cuestión preliminar a la construcción del caso: el empleo de las citas” IN:__ Revista Virtualia, Mayo de 2012) Disponível em: https://www.revistavirtualia.com/storage/articulos/pdf/uyoztO3ZHz3dQPTEZLfF2fcl77tmFPelCZ8Y5vIu.pdf
Linha C: Literatura, Filosofia e Outras Vias…
FILOSOFIA:
“Nunca existiu uma grande inteligência, sem uma veia de loucura” (Aristóteles)
“Embora os homens costumem ferir a minha reputação e eu saiba muito bem quanto o meu nome soa mal aos ouvidos dos mais tolos, orgulho-me de vos dizer que esta Loucura, sim, esta Loucura que estais vendo é a única capaz de alegrar os deuses e os mortais” (Erasmo de Rotterdam. Elogio da Loucura)
“É preciso ter ainda caos dentro de si para dar à luz uma estrela bailarina. Eu vos digo, ainda há caos dentro de vós. Ai de nós. Aproxima-se o tempo em que o homem não dará à luz nenhuma estrela. (…) Nenhum pastor e um só rebanho! (…) Todos querem o mesmo, todos são iguais, e quem sente de outro modo vai voluntariamente para o manicômio. Outrora todo mundo era doido.” (Nietzsche, Assim Falou Zaratustra)
“Assim, para fora da minha verdade-loucura, eu mergulhei (…). Que eu seja exilado de toda a verdade! Somente um tolo! Somente um poeta” (Nietzsche, Assim Falou Zaratustra)
“O Louco [nas cartas do Tarô] quer dizer o limite da palavra, o lado de lá da soma que não é outra coisa senão o vazio, a presença superada, que se transforma em ausência, o saber último, que se torna ignorância, disponibilidade” (CHEVALIER, J. & GHEERBRANT, A., Dicionário de Símbolos)
“Naquilo que é chamado, grosso modo, loucura, há duas coisas: há um furo, um rasgo, como uma luz repentina, um muro que é atravessado; e há, em seguida, uma dimensão muito diferente, que poderíamos chamar de desabamento. Um furo e um desabamento. Lembro-me de uma carta de Van Gogh. <<Devemos – escrevia ele – minar o muro>>. Salvo que romper o muro é dificílimo e se o fazemos de forma muito bruta nos machucamos, caímos desabamos. Van Gogh acrescenta ainda que <<devemos atravessá-lo com uma lima, lentamente e com paciência>>. Temos então o furo e depois esse desabamento possível” (Deleuze, G., A ilha deserta e outros textos)
“Naquilo que é chamado, grosso modo, loucura, há duas coisas: há um furo, um rasgo, como uma luz repentina, um muro que é atravessado; e há, em seguida, uma dimensão muito diferente, que poderíamos chamar de desabamento. Um furo e um desabamento” (Deleuze, G. In:__ A ilha deserta e outros textos)
“É por isso que a psicanálise encontra nessa loucura por excelência – a que os psiquiatras chamam esquizofrenia – o seu íntimo, o seu mais invencível tormento: pois nesta loucura se dão, sob uma forma absolutamente manifesta e absolutamente retraída, as formas da finitude em direção à qual, de ordinário, ela avança indefinidamente (e no interminável) a partir do que lhe é voluntária-involuntariamente oferecido na linguagem do paciente. (…) como se a psicose expusesse numa iluminação cruel e oferecesse de um modo demasiado longínquo, mas justamente demasiado próximo, aquilo em cuja direção a análise deve lentamente caminhar”. (FOUCAULT, M. As ciências humanas. In:__ As palavras e as coisas)
LITERATURA:
“Há impossibilidade de ser além do que se é – no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio (…) aceito tudo o que vem de mim porque não tenho conhecimento das causas e é possível que esteja pisando no vital sem saber” (Clarice Lispector, Perto do coração selvagem)
“Creo que todos tenemos un poco de esa bella locura que nos mantiene andando cuando todo alrededor es tan insanamente cuerdo” (Julio Cortázar)
“A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente”(Machado de Assis, O Alienista)
“El arma del poeta es la locura.” (Alejandra Pizarnik, Diarios)
“A normalidade é uma estrada pavimentada. É confortável para caminhar. Mas nela não crescem flores” (Vincent Van Gogh, Cartas a Theo)
“A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio.” (Fernando Pessoa, Aforismos e afins)
“Arre! por não poder agir de acordo com o meu delírio!/ Arre! por andar sempre agarrado às saias da civilização!/ Por andar com a douceur des moeurs às costas/ como um fardo de rendas!” (Álvaro de Campos)
“Sentir tudo de todas as maneiras/ Sentir tudo excessivamente/ Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas/ E toda a realidade é um excesso, uma violência/ Uma alucinação extraordinariamente nítida/ Que vivemos todos em comum com a fúria das almas/ O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas/ Que são as psiques humanas/ no seu acordo de sentidos” (Álvaro de Campos)
“Como pode o homem/ Sentir-se a si mesmo/ Quando o mundo some?/ Como vai o homem/ Junto de outro homem/ Sem perder o nome? (Carlos Drummond de Andrade, Especulações em torno da palavra homem)
“No descomeço era o verbo./Só depois é que veio o delírio do verbo./ O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: eu escuto a cor dos passarinhos (…)/ Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos/ — o verbo tem que pegar delírio” (Manoel de Barros, O livro das ignorâncias)
“Só as palavras não foram castigadas com a ordem natural das coisas. As palavras continuam com seus deslimites” (Manoel de Barros, Retrato do artista quando coisa)
“…foi aparando as arestas de sua personalidade, emocionalizando sua vida mental. Pensava que aos olhos dela ascenderam a uma estatura angelical; e, na medida em que prendia cada vez mais a si a natureza férvida de sua companheira, ouvia a voz impessoal que reconhecia como sua, insistindo na incurável solidão de toda a alma” (JOYCE, J., Dublinenses)
Linha D: Semblante e Sinthoma
“É nisso que Joyce desliza, desliza, desliza até Jung, desliza até o inconsciente coletivo. Que o inconsciente coletivo seja um sinthoma, não há melhor prova que Joyce, pois não se pode dizer que Finnegans Wake, em sua imaginação, não participa desse sinthoma” (O Seminário, Livro 23: O Sinthoma. 16 de março de 1976)
“Penso que não se pode conceber o psicanalista de outra forma senão como um sinthoma. Não é a psicanálise que é um sinthoma, mas o psicanalista” (O Seminário, Livro 23: O Sinthoma. 13 de abril de 1976)
“É instrutivo ver como Lacan reconhece um lugar para o princípio do prazer nesse estágio do Um. Esse princípio quase animal, acéfalo, se o definimos apenas como padecer o menos possível; é desse princípio do prazer que Lacan pode dizer que isso não cessa um instante. Podemos dizer que é verdadeiramente a única lei que ele reconhece no estágio do sinthoma” (Miller, J-A. Perspectivas do Seminário 23, p.147)
“… o sintoma é antes de tudo um fato de enrolação. Há sintoma quando o nó perfeito rateia, quando o nó se enrola, quando há, como dizia Lacan, lapso do nó. Ao mesmo tempo, porém, esse sintoma feito de enrolação é também ponto de basta e, em particular, o ponto de basta do casal. Assim, também o sintoma é um termo Janus. O sintoma, em uma das suas faces, é o que não vai bem, e na outra, a que Lacan, recorrendo à etimologia, denominou de sinthoma, o único lugar onde, para o homem que se enrola, finalmente isso rola” (MILLER, J-A. “A Teoria do Parceiro”. In:__ Os circuitos do desejo na vida e na análise – EBP (orgs.) – Contra Capa Livraria, 2000, p.207)
“Um significante articula-se a um outro, e não a uma coisa. É por isso que “o significante irrealiza o mundo”, afirma Miller. À medida que falamos, aquilo a que nos referimos ficcionaliza-se; o que é nomeado cessa de existir como tal para ser semblantizado. O referente passa a ser vazio” (SALAMONE. D. Luis- Todos loucos, In__: Semblantes e sintomas, Scilicet, São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2009. p.359).
“La distinción entre saber y creencia se une a la distinción operada entre el delirio como real, real de la psicosis, y el delirio como semblante, semblante social entre el terapeuta y su paciente. (…) La cuestión de esta relación con la verdad, presente en el núcleo de ‘todo mundo es loco’, debería orientar al practicante para que se desprenda de la postura de ‘técnico del delirio’”. (LAHUTTE, Bertrand. “Delirio”, IN: SCILICET: Las psicosis Ordinarias y las otras bajo transferencia. Org. Miller J.A. 2017 pg. 111)
“A única via que se abre mais além é, para o falasser, fazer-se tolo [dupe] de um real, quer dizer, montar um discurso no qual os semblantes obstringem um real, um real no qual se crer sem a ele aderir, um real que não tem sentido, indiferente ao sentido e que só pode ser aquilo que ele é. A debilidade é, ao contrário, a tapeação [duperie] do possível. Ser tolo, tapeado por um real – o que ostento – é a única lucidez aberta ao corpo falante para se orientar. Debilidade – delírio – tapeação, esta é a trilogia de ferro que repercute o nó do imaginário, do simbólico e do real.” (Miller, J-A. “O inconsciente e o corpo falante”. In:__ O osso de uma análise)
“De início, há a interpretação da época do sintoma, que se apoia sobre o sentido e a significação; depois, há aquela que sabe jogar com o equívoco, o escrito na fala, que é a única que pode ‘liberar algo do sinthoma’. A divisão não está mais no nível de uma subjetividade que palpita, mas sim no uso da lalíngua como equívoco. Lacan, numa declaração peremptória, fala não mais dos efeitos de verdade que liberam algo do sintoma, e sim de efeitos de equívoco que operam: ‘é unicamente pelo equívoco que a interpretação opera’. Trata-se de utilizar o dizer de forma que, na fala, o efeito de escrito permita fazer surgir o equívoco, único a tocar o sinthoma por seu ‘rezonar’ (réson) ou consonância. Se, como vimos, o corpo falante fala por suas pulsões, é que elas são, no corpo, os traços (traces), ‘o eco do fato de que há um dizer’ que tocou”. (LAURENT, E. O avesso da biopolítica. Uma escrita para o gozo. Rio de Janeiro: Contracapa, 2016, p. 181).
“O corpo que fala testemunha o discurso como laço social que vem se inscrever sobre ele: é um corpo socializado. Essa dimensão coletiva aparece em seus desarranjos e nomeações” (LAURENT, E. O avesso da biopolítica. Uma escrita para o gozo. Rio de Janeiro: Contracapa, 2016, p. 213).
Linha E: Referências do argumento e preparatórias:
- Epígrafe presente no argumento de Leonardo Scofield
“Para haver paradigma é preciso haver a singularidade de um caso apreendido como incomparável. Em seguida, engancham-se vagões a essa locomotiva que parte sozinha, tal como o gato de Kipling” (MILLER, Jacques-Alain – Perspectivas dos Escritos e Outros Escritos de Lacan: entre desejo e gozo, 2011.
I. Estação 3ª – Duas locomotivas – Trechos de “A natureza devora o progresso e o ultrapassa” (1937) de Benjamin Pèret, apresentados por Raul Antelo.
“O silêncio pesa nos ouvidos como uma pepita de ouro na mão, mas o ouro é mais mole que uma laranja. Porém, o homem está por ali. Abriu um corredor em meio ao verde e, ao longo de todo esse corredor, desenrolou um fio telegráfico. Mas logo a floresta se cansou de dedilhar a corda que nunca produzia mais que uma voz de homem, e as plantas, mil plantas mais zelosas, mais ardentes umas que as outras, se apressaram a sufocar essa voz debaixo de seu beijo”
(…)
“A floresta recuou diante do machado e da dinamite, mas entre duas passagens de trem se lançou sobre a via férrea dirigindo ao maquinista gestos provocativos e olhadelas sedutoras. Uma vez, duas, ele resistirá à tentação que o perseguirá ao longo de todo percurso, de uma travessa verdejante a um sinal dissimulado por um enxame de abelhas (…) A máquina se deterá para um enlace que queria passageiro, mas que se prolongará ao infinito, ao sabor do desejo perpetuamente renovado da sedutora”
(…)
“A partir daí começa a lenta absorção: biela por biela, pino a pino, a locomotiva entra no leito da floresta e, de volúpia em volúpia, submerge, freme, geme como uma leoa no cio. Fumega orquídeas, sua caldeira abriga os jogos de crocodilos saídos dos ovos na véspera, enquanto no apito moram legiões de colibris que lhe dão uma vida quimérica e provisória pois muito em breve a flama da floresta, após ter demoradamente lambido sua presa, a engolirá como uma ostra”
III. Estação 4ª – Leitura e apresentação do caso Mlle. B. – Trechos da apresentação realizada por Licene Garcia e Diego Cervelin
“A doença mental… sim, é bem difícil pensar os limites [dela] (…) Ela não tem a menor ideia do corpo que ela tem para colocar dentro deste vestido. Não há ninguém para habitar a vestimenta. Ela é este pano. Ela ilustra o que eu chamo de semblante. Ela é isto. Há uma vestimenta e ninguém para se colocar ali dentro. Ela não tem relações existentes, a ideia de relações entre um certo número de pessoas, apenas com vestimentas, é tudo o que existe para ela” (LACAN, J. O caso de Mademoiselle B. In: Boletim, ano IV, n. 9, Porto Alegre: APPOA, nov. 1993, pp. 30-31)
“A parafrenia é a doença mental em sua excelência. Distinguem-se nela variedades. É como o simbólico, o imaginário e o real. É a doença mental por excelência, é a doença de ter uma mentalidade” (LACAN, J. O caso de Mademoiselle B. In: Boletim, ano IV, n. 9, Porto Alegre: APPOA, nov. 1993, pp. 30-31)
III. Estação 5ª – As loucuras dos discursos e a experiência do singular – Trecho do livro “A Louca e o Santo” – apresentado por Teresa Pavone.
“Aqueles que assistiram ao exercício contestável da ‘apresentação de doentes’ no recinto do Hospital Sainte-Anne conhecem bem o mal-estar provocado por um delírio.
O espírito hesita longamente antes de admitir o rótulo da psiquiatria: vejamos, este homem sente-se perseguido, e se o fosse realmente? Nada implica verdadeiramente a adesão, exceto o compromisso temível que o espírito é obrigado a fazer com o real: louco este homem o é indubitavelmente desde o instante em que perturba a ordem pública, seus vizinhos, sua família e sociedade. A este critério, e somente a ele reconhece-se a loucura. Foi exatamente assim que Madaleine encontrou a dela: dormindo sobre um banco público […] O delírio de Madaleine, tal como apresentado por Janet com honestidade irretocável, não é contestável nem por um instante. Que comporte sua carga de verdade social não é tão pouco. Segundo nossos critérios, Madaleine pertencia à categoria dos doentes mentais, é certo.
Mas não saberíamos esquivar a questão da santidade. Camponesa italiana no Messogiorno, Madaleine teria sido objeto de peregrinações, mesmo ainda hoje neste final de século XX, burguesa de província errante em Paris, ela não escapa à Sapêtrière” (CLÉMENT, C.; KAKAR, S. “O azar de Madaleine”, In: A Louca e o Santo. Rio de Janeiro, Ed.: Relume Dumará, 1997, p. 95)