EIXO 2 – Uma pontuação sem texto
Cinthia Busato (EBP/AMP)
Freud alerta para o perigo de selecionar o material da fala do analisante[i]. O analista não seleciona, ele recolhe o que se repete via significante, desvela a fantasia que vai sendo construída e testemunha o processo analítico. Sua presença está marcada por um desejo ativo de nada, o desejo do analista, que possibilita a abertura à contingência para fisgar, da opacidade do real, a libido que a obturava e “liberá-la para ser utilizada em coisas mais divertidas”[ii].
Lacan afirma que as palavras dão corpo ao inconsciente, mas dessas palavras, “não se compreende nada. Entre o uso significante e o peso de significação, a maneira pelo qual opera um significante, há um mundo. É isso que é nossa prática: se aproximar de como as palavras operam”[iii]. Como escutar desde esse lugar? O que isso nos orienta na escuta?
Podemos seguir um fio que acompanha o percurso do significante à letra, o intraduzível de onde, eventualmente, o gozo poderá ser nomeado numa ultrapassagem do discurso. Em 1954, Lacan já fala de uma marca-acontecimento que não se historiciza, sendo a história o lugar onde o reprimido sempre reaparece: “o que não veio à luz do simbólico aparece no real”[iv]. E para dizer desse modo de comparecimento no real daquilo que foi expulso primordialmente, Lacan usou a expressão “uma pontuação sem texto”.
De um lado a repressão e o retorno do recalcado, homólogo ao significante e, de outro, aquilo que está ligado a uma expulsão primordial e Lacan chamou, mais tarde, de letra. Essa é a marca que fixou no símbolo a raiz da expulsão que nele mesmo se produziu em seu encontro com a coisa; uma letra muda, mas que pode ser escutada. Está inscrita na superfície do corpo sem imagem e é o suporte de construções que são decisivas na topologia lacaniana, as operações de corte e furo. Qual a especificidade da escuta e da interpretação nessa clínica?
Portanto convidamos a darem testemunho dessa prática e trazerem suas questões, para que possamos “nos encantar com as palavras sem nos esquecermos que há sempre uma música além delas”[v].