Referências Bibliográficas – 3a Jornada EBPSUL
Sigmund Freud
FREUD, Sigmund. Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico. In: Fundamentos da Clínica Psicanalítica. Trad. de Claudia Dornbusch. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2017.
“As regras técnicas que aqui coloco como proposta resultaram da minha própria experiência ao longo de muitos anos, após ter retornado de outros caminhos que geraram prejuízos também próprios. Facilmente se percebe que elas, ou pelo menos muitas delas, juntam-se em uma única prescrição […] a) A tarefa que segue, diante da qual se vê o analista que como tal trata mais de um paciente por dia, também lhe parecerá a mais difícil. Pois ela consiste em, ao longo do tratamento, manter na memória os incontáveis nomes, datas, detalhes da lembrança, ocorrências [Einfälle] e produções da doença em que um paciente apresenta durante meses e anos, não os confundindo com material semelhante oriundo de pacientes analisados ao mesmo tempo ou em momento anterior […]. No entanto, a técnica é muito simples. Ela recusa todos os meios de apoio, como ouviremos a seguir, mesmo a anotação, consistindo apenas no fato de não querer memorizar algo específico e dispensando a mesma ‘atenção equiflutuante’ – como eu já a havia chamado – ao que ouvimos. Dessa forma, economizamos o esforço da atenção que, de resto, não conseguiríamos mesmo durante muitas horas ao dia, além de evitarmos um perigo, que é inseparável da postura atenta e intencional. Pois assim que afiamos a atenção intencionalmente até um determinado ponto, começamos a selecionar em meio ao material apresentado; fixamos uma parte de maneira bastante acurada, eliminando outra em seu lugar e, nessa seleção, fiamos as nossas expectativas ou as nossas inclinações. Mas é justamente isso que não podemos fazer; se na seleção seguimos as nossas expectativas, corremos o risco de nunca encontrarmos algo diferente daquilo que já sabemos; se seguirmos as nossas inclinações, certamente falsificaremos a possível percepção. Não nos esqueçamos de que em geral ouvimos coisas cuja importância só se revelará a posteriori [nachträglich]”. (p. 93-94).
FREUD, Sigmund. Qualidades psíquicas. In: Compêndio de Psicanálise e outros escritos inacabados. Trad. de Pedro Heliodoro Tavares. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2014.
“O inconsciente pode tornar-se consciente através de nossos esforços e nesse processo podemos admitir a impressão de frequentemente superarmos fortes resistências. Quando tentamos fazer o mesmo com outro indivíduo, não podemos esquecer que o preenchimento consciente de suas lacunas perceptivas, a construção que lhe oferecemos, ainda não significa que se tenha conseguido tornar-lhe consciente o conteúdo inconsciente correspondente. Em vez disso, ocorre que esse conteúdo está, em princípio, disponível para ele em uma dupla fixação: uma vez na reconstrução consciente que acaba de receber e, além disso, em seu estado inconsciente original. Nossos esforços continuados costumam lograr êxito, na maioria dos casos, por esse inconsciente se tornar consciente a ele mesmo, de modo que essas duas fixações venham a coincidir”. (p. 53).
FREUD, Sigmund. Explicação pela Interpretação do Sonho. In: Compêndio de Psicanálise e outros escritos inacabados. Trad. de Pedro Heliodoro Tavares. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2014.
“[…] Em vista da compilação e da multiplicidade de sentidos das relações entre o sonho manifesto e seu subjacente conteúdo latente, é naturalmente legítimo perguntar de que modo, afinal, é possível derivar um do outro e se, ao fazê-lo, contamos somente com um feliz palpite, apoiando-nos, talvez, na tradução de símbolos que aparecem no sonho manifesto. Pode-se dizer que, na grande maioria dos casos, essa tarefa é resolvida a contento, mas somente com o auxílio das associações que o próprio sonhador trouxer aos elementos do conteúdo manifesto. Qualquer outro procedimento é arbitrário e não nos oferecerá certeza alguma”. (p. 75- 77).
FREUD, Sigmund. A Técnica Psicanalítica. In: Compêndio de Psicanálise e outros escritos inacabados. Trad. de Pedro Heliodoro Tavares. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2014.
“Se nas apresentações do trabalho analítico se ouve falar tão pouco em ‘construções’, isso se deve ao fato de que, em vez disso, fala-se em ‘interpretações’ [Deutungen] e seus efeitos. Mas penso ser ‘construção’ o termo infinitamente mais adequado. Interpretação se refere àquilo que fazemos com um único elemento do material, a exemplo de uma ocorrência [Einfall], um ato falho ou assemelhados. Mas falamos em construção quando apresentamos ao analisando um pedaço de sua história pregressa esquecida […]. E é aí que surge, em primeiro lugar, a pergunta: que garantias temos durante o nosso trabalho nas construções de que não seguiremos por caminhos errados, colocando em risco o sucesso do tratamento, caso defendamos uma construção incorreta?” (p. 370).
“O caminho que começa com a construção do analista deveria terminar com a recordação do paciente; nem sempre ele vai tão longe. Inúmeras vezes não conseguimos levar o paciente à recordação do recalcado. Em vez disso, se executarmos a análise de forma correta, conseguimos que ele tenha uma convicção segura da verdade da construção, que, do ponto de vista terapêutico, tem o mesmo efeito que uma recordação recuperada.” (p. 376).
FREUD, Sigmund. Além do Princípio de Prazer. In: Além do Princípio de Prazer. Trad. de Maria Rita Salzano Moraes. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2020.
“[…] podemos então dizer que a neurose anterior foi agora substituída por uma nova neurose de transferência. O médico esforçou-se para restringir o mais possível o campo dessa neurose de transferência, para pressionar ao máximo possível em direção à lembrança e para admitir o mínimo possível de repetição. […] Como regra geral, o médico não pode poupar o analisando dessa fase do tratamento; ele é obrigado a deixá-lo reviver certa parte de sua vida esquecida e cuidar para que seja conservada uma medida de discernimento, em função da qual a realidade visível possa sempre, apesar de tudo, ser novamente reconhecida como reflexo de um passado esquecido”. (p. 87).
FREUD, Sigmund. O Eu e o Id. In: Obras completas, volume 16: o eu e o id. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
“A palavra é, afinal, o resíduo mnemônico da palavra ouvida.” (p. 25).
FREUD, Sigmund. Uma neurose do século XVII envolvendo o demônio. In: Obras completas, volume 15: psicologia das massas e análise do eu. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
“Também pequenos sinais têm seu sentido e valor, sobretudo nas condições de surgimento da neurose. Sem dúvida, podemos tanto superestimá-los como subestimá-los, e a medida em que chegamos a utilizá-los continua sendo uma questão de tato”. (p. 102).
FREUD, Sigmund. O delírio e os sonhos na Gradiva de W. Jensen. In: Obras completas, volume 8. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
“Não é outra coisa senão a contrapartida para a dupla determinação dos sintomas, na medida em que as falas mesmas são sintomas e, como esses, resultam de compromissos entre consciente e inconsciente. Ocorre apenas que essa dupla origem é mais facilmente notada nas palavras do que nas ações, e quando se consegue, na mesma construção verbal, dar uma boa expressão às duas intenções por trás das palavras – o que muitas vezes é possível, pela natureza flexível do material da fala -, temos então o que é denominado ‘ambiguidade’.” (p. 109).
“Cada tratamento psicanalítico é uma tentativa de liberar o amor reprimido que achou uma pobre saída no compromisso de um sintoma”. (p. 115).
FREUD, Sigmund. Caráter e erotismo anal. In: Obras completas, volume 8. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
“Portanto, se a neurose obedece à linguagem, ela toma as palavras no sentido original, pleno de significado, e onde parece usar figuradamente um termo, via de regra está restaurando o seu velho sentido”. (p. 356-357).
Jacques Lacan
Seminário 3
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 3: as psicoses (1955-1956). Trad. de Aluisio Menezes. 2 ed. revisada. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
“O que acontece se vocês se apegam unicamente à articulação do que ouvem, ao sotaque, e mesmo as expressões dialetais, ao que quer que seja literal no registro do discurso de seu interlocutor? É preciso acrescentar a isso um pouco de imaginação, pois talvez isso nunca possa ser estendido ao extremo, mas é muito claro quando se trata de uma língua estrangeira – o que vocês compreendem num discurso é outra coisa que o que está registrado acusticamente” (p. 162)
“[…] A frase só se torna viva a partir do momento que ela apresenta uma significação… se estamos bem persuadidos de que a significação se relaciona sempre a alguma coisa, que ela só vale na medida em que remete a uma outra significação, é claro que a vida de uma frase está profundamente ligada a este fato: o de que o sujeito está à escuta, que ele se reserva esa significação” (p. 162)
“É da natureza da significação, enquanto ela se projeta, tender incessantemente a se fechar para que ouve. Em outras palavras, a participação do ouvinte do discurso com aquele que é o seu emissor é permanente, e há um vínculo entre o ouvir e o falar que não é externo, no sentido em que nós ouvimos falar, mas que se situa no próprio nível do fenômeno da linguagem. É no nível em que o significante acarreta a significação, e não no nível sensorial do fenômeno, que o ouvir e o falar são como o direito e o avesso. Escutar palavras, acomodar o seu ouvir a elas, é já ser mais ou menos obediente a elas. Obedecer não é outra coisa, é ir ao encontro, numa audição” (p. 162 – 163)
“[…] Chegamos agora ao limite onde o discurso, se ele desemboca em alguma coisa além da significação, é sobre o significante no real. Nunca saberemos, na perfeita ambiguidade em que ele subsiste, o que ele deve ao casamento com o discurso”. (p. 165)
Seminário 5
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 5 : as formações do inconsciente.(1957-1958). Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
“[…] é justamente isso que se trata de retomar, por baixo e através dessa crítica, a partir da ação da fala nesta cadeia criadora em que ela é sempre suscetível de gerar novos sentidos.” (p. 53-54).
“[…] no decorrer de um discurso intencional em que o sujeito se apresenta como querendo dizer alguma coisa, produz-se algo que ultrapassa seu querer, que se manifesta como um acidente… nas condições em que se produz esse acidente, verifica-se que ele é registrado e valorizado na categoria de fenômeno significativo de engendramento de um sentido.” (p. 54).
“Vocês estão vendo, portanto, que a tirada espirituosa do ignorante ou do ingênuo, daquele de quem tomo a palavra para fazer dela um chiste, desta vez está toda aqui, por assim dizer, no nível do Outro. Não preciso mais provocar no Outro nada que constitua o corte sólido, pois ele já me é totalmente dado por aquele cuja boca recolho o dito precioso cuja comunicação constituirá um chiste, e o qual elevo, com isso, à dignidade de palavra-mestra através de minha história” (p. 134- 135).
“Agora que a psicanálise está constituída, e que se desenvolveu num discurso muito amplo e mobilizador, podemos formar uma ideia – mas formamos muito mal – do que foi o alcance do que Freud introduziu, quando começou a ler os sintomas de seus pacientes, a ler em seus próprios sonhos e a trazer para nós a noção do desejo inconsciente […] é certo que estas interpretações se apresentavam naquele momento, até certo ponto, como tendo de ser feitas, como interpretações eficazes para a resolução do sintoma […] quando Freud fazia interpretações dessa ordem, ele se achava diante de uma situação completamente diferente da situação atual. com efeito, numa interpretação-veredito, tudo o que sai da boca do analista, desde que haja interpretação propriamente dita, esse veredito, isso que é dito, proposto, tido como verdadeiro, literalmente adquire valor a partir daquilo que não é dito. A questão, portanto, é saber contra qual fundo não dito propõe-se uma interpretação.” (p. 333-334).
“[…] é preciso voltar àqueles tempos de frescor em que nada era implicado pela interpretação do analista, a não ser a detecção de imediato, por trás de algo que apresentava paradoxalmente como absolutamente fechado, de um X que estava mais além” (p. 334).
“[…] o que chamo de sintoma é aquilo que é analisável […] O sintoma apresenta-se sob uma uma máscara, apresenta-se de uma forma paradoxal.” (p. 335).
“[…] Digamos que o sujeito se interessa, que está implicado na situação de desejo, e é essencialmente isso que é representado por um sintoma, o que traz, aqui, a ideia de máscara […] é a propósito disso que Freud pode nos dizer que o sintoma fala na sessão. O isso fala“. (p. 337).
“[…] é isso que deve, no final, vir marcar a assunção autêntica e plena do sujeito em sua própria fala. O que significa – no horizonte da fala sem o qual, exceto traçando rotas falsas e produzindo desconhecimentos, nada na análise poderia ser articulado – que o sujeito reconheça onde está” (p. 521).
Seminário 6
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 6 : o desejo e sua interpretação (1958-1959). Trad. de Claudia Berliner. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
“Pela própria estrutura instaurada pela relação do sujeito com o Outro enquanto lugar da fala, algo falta no nível do Outro. O que ali falta é precisamente o que permitiria ao sujeito se identificar como o sujeito do discurso que ele profere. Ao contrário, na medida em que esse discurso é o discurso do inconsciente, o sujeito nele desaparece. Resulta daí que o sujeito tem de empregar, para se designar, algo tomado às suas expensas. Não às suas expensas como sujeito constituído na fala, mas às suas expensas como sujeito real, bem vivo, às expensas de algo que, por si só, não é em absoluto um sujeito. O sujeito, ao pagar o preço necessário para essa localização de si mesmo enquanto fraquejante, é introduzido, assim, na dimensão sempre presente cada vez que se trata do desejo: ter de pagar a castração. Em outras palavras, algo real, que ele domina numa relação imaginária, é elevado à pura e simples função de significante. Esse é o sentido último, o sentido mais profundo da castração enquanto tal”. (p. 394).
Seminário 7
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1959-1960). Trad. de Antônio Quinet. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
“Constituir-se como garantia de que o sujeito possa de qualquer maneira encontrar seu bem, mesmo na análise, é uma espécie de trapaça. Não há razão alguma para que nos constituamos como garantia do devaneio burguês. Um pouco mais de rigor e de firmeza é exigível em nossa confrontação com a condição humana, e é por isso que relembrei, da última vez, que o serviço dos bens tem exigências, que a passagem da exigência de felicidade para o plano político tem consequências […] coloco a questão – o término da análise, o verdadeiro, quero dizer aquele que prepara a tornar analista, não deve ela em seu termo confrontar aquele que a ela se submeteu à realidade da condição humana?”. (p. 355-356).
Seminário 8
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 8: a transferência (1960-1961). Trad. de Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
“Na transferência, o sujeito fabrica, constrói alguma coisa. E a partir daí não é possível, parece-me, não integrar imediatamente à função da transferência o termo ficção. em primeiro lugar, qual é a natureza dessa ficção? Por outro lado, qual o seu objeto? E, tratando-se de ficção, o que é que se finge? E, já que se trata de fingir, para quem? […] Tudo o que sabemos sobre o inconsciente, desde o início a partir do sonho, nos indica que existem fenômenos psíquicos que se produzem, se desenvolvem, se constroem para serem ouvidos, portanto, justamente para este Outro que está ali, mesmo que não se o saiba. Mesmo que não se saiba que eles estão ali para serem ouvidos, eles estão ali para serem ouvidos, e para serem ouvidos por um Outro.” (p. 220-221).
“Em outras palavras, a transferência não é nada real no sujeito senão o aparecimento, num momento de estagnação, da dialética analítica, dos modos permanentes pelos quais ele constitui seus objetos. O que é, então, interpretar a transferência? Nada além de preencher com um engodo o vazio desse ponto morto. Mas esse engodo é útil, pois, mesmo enganador, reativa o processo”. (p. 224-225).
Seminário 10
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 10: a angústia (1962-1963). Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
“Se a voz, no sentido em que a entendemos, tem alguma importância, não é por ressoar num vazio espacial qualquer. A mais simples imisção da voz no que é linguisticamente chamado de sua função fática – que alguns acreditam estar no nível da simples tomada de contato, embora se trate de algo bem diferente – ressoa num vazio que é o vazio do Outro como tal, o ex nihilo propriamente dito. A voz responde ao que é dito, mas não pode responder por isso. Em outras palavras, para que ela responda, devemos incorporar a voz como a alteridade do que é dito.” (p. 300).
Seminário 11
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Trad. de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
“É bastante óbvio que, no discurso analítico, trata-se apenas daquilo, do que se lê, do que se lê além do que você incitou o sujeito a ser dito”. (p. 42).
Seminário 16
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro (1968-1969). Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
“[…] não é o significado que está no interior, mas exatamente o significante. É com ele que lidaremos quando se tratar daquilo que nos importa, isto é, da relação do discurso com a fala na eficiência analítica” (p. 16).
“Que fazemos na análise senão instaurar, através da regra, um discurso? Esse discurso é tal que o sujeito suspende o quê nele? Exatamente sua função de sujeito. O sujeito fica dispensado de sustentar seu discurso com um eu digo. Falar é diferente de afirmar eu digo o que acabei de enunciar. O sujeito do enunciado declara eu digo, declara eu afirmo, tal como faço aqui em meu ensino. Eu articulo esta fala. Ela não é poesia. Digo o que está escrito aqui, e posso até repeti-lo, o que é essencial, sob uma forma em que, ao repeti-lo, acrescento, para variar, que o escrevi.” (p. 19).
Seminário 17
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969-1970). Trad. de Ari Roitman. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
“Freud disse aos sujeitos – Falem, falem, façam como a histérica, vamos ver qual é o saber que encontram e a maneira pela qual são aspirados por ele, ou então, pelo contrário, a maneira pela qual o repelem, vamos ver o que acontece […] Eis o essencial do que determina aquilo com que lidamos na exploração do inconsciente – é a repetição. […] A repetição é uma denotação precisa de um traço que eu extraí para vocês do texto de Freud como idêntico ao traço unário, ao pequeno bastão, ao elemento da escrita, um traço na medida em que comemora uma irrupção do gozo” (p. 81).
“A intrusão na política só pode ser feita reconhecendo-se que não há discurso – e não apenas o analítico – que não seja do gozo, pelo menos quando dele se espera o trabalho da verdade.” (p. 82).
“É assim que o defini [o significante] desde sempre. Só que o sujeito que ele representa não é unívoco. Está representado, é claro, mas também não está representado. Nesse nível, alguma coisa fica oculta em relação a esse mesmo significante. É em torno disso que se dá o jogo da descoberta psicanalítica” (p. 93).
“A verdade – digo – só poderia ser enunciada por um semi-dizer, e seu modelo, mostrei-o a vocês no enigma. Pois é justamente assim que ela sempre se apresenta a nós, e não certamente em estado de pergunta. O enigma é algo que nos força a responder, na qualidade de perigo mortal. A verdade só é uma pergunta – como se sabe há muito tempo – para os admiradores.” (p. 108-109).
“A divisão do sujeito é coisa bem outra. Se onde não está, ele pensa, se onde ele não pensa, está, é precisamente porque está nos dois lugares. […] O sujeito participa do real, justamente, por ser aparentemente impossível. (p. 109).
Seminário 20
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 20: mais, ainda (1972-1973). Trad. de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
“Pelo discurso analítico o sujeito se manifesta em sua hiância, ou seja, naquilo que causa o seu desejo” (p. 20).
“Que se diga fica esquecido detrás do que se diz no que se ouve. No entanto, é pelas consequências do dito que se julga o dizer. Mas o que se faz do dito resta aberto. Pois pode-se fazer dele uma porção de coisas, tal como se faz, com algum móvel, quando se carrega uma cadeira ou um canhão” (p. 22).
“[…] o discurso analítico introduz um adjetivo substantivado, a besteira, no que ela é uma dimensão, em exercício, do significante […] É com essas besteiras que vamos fazer a análise, e que entramos no novo sujeito que é o do inconsciente. É justamente na medida em que ele não quer mesmo mais pensar, o homenzinho, que se saberá talvez um pouco mais dele, que se tirarão algumas consequências dos ditos – ditos de que não podemos nos desdizer, é a regra do jogo” (p. 27-28).
“É evidente que, no discurso analítico, só se trata disto, do que se lê e tomando como o que se lê para além do que vocês incitaram o sujeito a dizer, que não é tanto, como sublinhei da última vez, dizer tudo, mas dizer não importa o quê, sem hesitar em dizer besteiras.” (p. 33).
“Se há alguma coisa que possa nos introduzir à dimensão da escrita como tal, é nos apercebermos de que o significado não tem nada a ver com os ouvidos, mas somente com a leitura, com a leitura do que se ouve de significante. O significado não é aquilo que se ouve. O que se ouve é significante. O significado é efeito do significante.” (p. 39).
“O de que se trata no discurso analítico é sempre isto – ao que se enuncia de significante, vocês dão sempre uma leitura outra que não o que ele significa” (p. 43).
“No discurso analítico de vocês, o sujeito do inconsciente, vocês supõem que ele sabe ler. E não é outra coisa, essa história do inconsciente, de vocês. Não só vocês supõem que ele sabe ler, como supõem que ele pode aprender a ler. Só que, o que vocês o ensinam a ler, não tem, então, absolutamente, nada a ver, em caso algum, com o que vocês possam escrever a respeito” (p. 43).
“Nosso recurso é, na alíngua, o que a fratura.” (p. 50).
“A História é precisamente feita para nos dar a ideia de que ela tem um sentido qualquer. Ao contrário, a primeira coisa que temos que fazer é partir do seguinte: que ali estamos diante de um dizer que é o dizer de um outro que nos conta suas besteiras, seus embaraços, seus impedimentos, suas emoções, e que é nisto que se trata de ler o quê? – nada, senão os efeitos desses dizeres. […] De qualquer modo, há um outro efeito da linguagem, que é a escrita.” (p. 51-52).
“É mesmo preciso partir disto, que esse Há Um é para ser tomado com o sotaque de que há Um sozinho. […] Na análise, só lidamos com isso, e não é por uma outra via que ela opera”‘ (p. 73).
“O que nos é oferecido a ler pelo que, da linguagem, existe, isto é, o que vem a se tramar como efeito de sua erosão – foi assim que defini a escrita – não pode ser ignorado” (p. 74).
“[…] quem é que sabe? Será que a gente se dá conta de que é o Outro? – tal como de começo o coloquei, como o lugar onde o significante se coloca, e sem o qual nada nos indica que haja em parte alguma uma dimensão de verdade, uma diz-mansão, a residência do dito, desse dito cujo saber põe o Outro como lugar. O estatuto do saber implica, como tal, que já há saber e no Outro, e que ele é a prender, a ser tomado. É por isso que ele é feito de aprender. O sujeito resulta de que ele deve ser aprendido, esse saber […] O saber vale justo quanto ele custa, ele é custoso ou gustoso, pelo que é preciso, para tê-lo, empenhar a própria pele, pois que ele é difícil, difícil de quê? – menos de adquiri-lo do que de gozar dele” (p. 103).
“[…] a análise se distingue, entre tudo que foi produzido até agora de discurso, por enunciar isto, que constitui o osso do meu ensino: que eu falo sem saber. Falo com o meu corpo, e isto, sem saber. Digo, portanto, sempre mais do que sei. É aí que chego ao sentido da palavra sujeito no discurso analítico. O que fala sem saber me faz eu, sujeito do verbo.” (p. 127).
“Quem fala só tem a ver com a solidão, no que diz respeito à relação que só posso definir dizendo, como fiz, que ela não se pode escrever. Essa solidão, ela, de ruptura do saber, não somente ela se pode escrever, mas ela é mesmo o que se escreve por excelência, pois ela é o que, de uma ruptura do ser, deixa traço.” (p. 128).
“O inconsciente é o testemunho de um saber, no que em grande parte ele escapa ao ser falante. Este ser dá oportunidade de perceber até onde vão os efeitos de alíngua, pelo seguinte, que ele apresenta toda sorte de afetos que restam enigmáticos. Esses afetos são o que resulta da presença de alíngua no que, de saber, ela articula coisas que vão muito mais longe do que aquilo que o ser falante suporta de saber enunciado” (p. 149).
Seminário 23
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 23: o sinthoma (1975-1976). Trad. de Sérgio Laia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
“Com efeito, é unicamente pelo equívoco que a interpretação opera. É preciso que haja alguma coisa no significante que ressoe. […] as pulsões são, no corpo, o eco do fato de que há um dizer.
Esse dizer, para que ressoe, para que consoe, outra palavra do sinthoma masdaquino, é preciso que o corpo lhe seja sensível. É um fato que ele o é. Porque o corpo tem alguns orifícios, dos quais o mais importante é o ouvido, porque ele não pode se tapar, se cerrar, se fechar. É por esse viés que, no corpo, responde o que chamei de voz.” (p. 18).
“[…] só há verdade na medida em que ela apenas pode ser dita pela metade, tal qual o sujeito que ela comporta. Para exprimi-lo conforme o enunciei, a verdade só pode se meio-dizer” (p. 31).
“Digamos que o que posso solicitar como resposta é da ordem de um apelo ao real não como ligado ao corpo, mas como diferente. Longe do corpo, existe a possibilidade do que chamei, da última vez, de ressonância, ou consonância. É no nível do real que essa consonância pode ser achada. Em relação a esses polos que o corpo e a linguagem constituem, o real é o que faz acordo” (p. 40).
“Não é à toa que, em uma corda, a metáfora advenha do que faz nó. O que tento é descobrir a que se refere essa metáfora. Se há uma corda vibrante de barrigas e de nós, é na medida em que nos referimos ao nó. Quero dizer que usamos a linguagem de um modo que vai mais longe do que o que é efetivamente dito. Sempre reduzimos o alcance da metáfora como tal. Ou seja, ela acaba reduzida a uma metonímia.” (p. 41).
“Tudo isso implica uma noção do real. Claro que precisamos torná-la distinta do simbólico e do imaginário. O único aborrecimento é que, nesse contexto, o real faça sentido, ainda que, se explorarem o que quero dizer com essa noção de real, pareça que o real se funda por não ter sentido, por excluir o sentido ou, mais exatamente, por se decantar ao ser excluído dele.” (p. 62).
“A escrita me interessa, posto que penso que é por meio desses pedacinhos de escrita que, historicamente, entramos no real, a saber, que paramos de imaginar.” (p. 66).
“A análise é isso. É uma resposta a um enigma, e uma resposta, convém inclusive dizê-lo a partir desse exemplo, completamente besta. É justamente por isso que é preciso conservar a corda. Quero dizer que corremos o risco de tartamudear, se não soubermos onde a corda termina, ou seja, no nó da não-relação sexual.” (p. 70).
“É por meio da escrita que a fala se decompõe ao se impor como tal, a saber, em uma deformação acerca da qual permanece ambíguo saber se é caso de se livrar do parasita falador de que lhes falei há pouco ou, ao contrário, de se deixar invadir por propriedades de ordem essencialmente fonêmica da fala, pela polifonia da fala.” (p. 93).
“Trata-se de situar o que o sinthoma tem a ver com o real, o real do inconsciente, se o inconsciente for real. Como saber se o inconsciente é real ou imaginário? É efetivamente a questão. Ele participa de um equívoco entre os dois”. (p. 99).
“É na medida em que o sinthoma faz um falso-furo com o simbólico que há uma práxis qualquer, isto é, alguma coisa proveniente do dizer quanto ao que, no caso, chamarei igualmente de a arte-dizer [art-dire], para deslizar rumo ao ardor [ardeur]”. (p. 114).
“Há uma orientação, mas essa orientação não é um sentido. O que quer dizer isso? Retomo o que disse da última vez sugerindo que o sentido seja, talvez, a orientação. Mas a orientação não é um sentido, uma vez que ela exclui o único fato da copulação do simbólico e do imaginário em que consiste o sentido. A orientação do real, no território que me concerne, foraclui o sentido.” (p. 117).
“O que permanece é o significante. Mas o que se modula na voz não tem nada a ver com a escrita. Em todo caso, é o que demonstra perfeitamente meu nó bo, e isso muda o sentido da escrita. Isso mostra alguma coisa em que podemos enganchar os significantes. E como esses significantes podem ser enganchados? Por intermédio do que chamo diz-mensão [dit-mension]. […] Diz-mensão é mensão do dito. Essa maneira de escrever tem uma vantagem: permite prolongar a mensão [mention] em mentira [mensonge], indicando que o dito não é de modo algum forçosamente verdadeiro.” (p. 141).
“O enigma consiste na relação do grande E com o pequeno e. Trata-se de saber por que diabos tal enunciado foi pronunciado. É uma questão de enunciação. E a enunciação é o enigma elevado à potência da escrita” (p. 150).
Escritos
LACAN, Jacques. Escritos. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
A agressividade em psicanálise (1948)
“Podemos dizer que a ação psicanalítica se desenvolve na e pela comunicação verbal, isto é, numa apreensão dialética do sentido. Ela supõe, portanto, um sujeito que se manifeste como tal para um outro” (p. 105).
A direção do tratamento (1958)
“Se o analista só lidasse com resistências, pensaria duas vezes antes de fazer uma interpretação, como efetivamente lhe acontece, mas ele ficaria quite com essa prudência. Só que essa interpretação, quando ele a faz, é recebida como proveniente da pessoa que a transferência lhe imputa ser. Aceitará beneficiar-se desse erro de pessoa? A moral da análise não contradiz isso, desde que ele interprete tal efeito, sem o que a análise se reduziria a uma sugestão grosseira. Posição incontestável, exceto pelo fato de que é como proveniente do Outro da transferência que a fala do analista continua a ser ouvida, e de que com isso o momento de o sujeito sair da transferência é adiado ad infinitum“. (p. 597).
A psicanálise e seu ensino (1957)
“Assim é que, se o sintoma pode ser lido, é por já estar inscrito, ele mesmo, num processo de escrita. Como formação particular do inconsciente, ele não é uma significação, mas a relação desta com uma estrutura significante que o determina”. (p. 446).
Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953)
“Quer se pretenda agente de cura, de formação ou de sondagem, a psicanálise dispõe de apenas um meio: a fala do paciente. A evidência desse fato não justifica que se o negligencie. Ora, toda fala pede resposta. Mostraremos que não há fala sem resposta, mesmo que depare apenas com o silêncio, desde que ela tenha um ouvinte, que é esse o cerne de sua função na análise.” (p. 248-249).
“Pois nesta [na ressonância], a função da linguagem não é informar, mas evocar. O que busco na fala é a resposta do outro. O que me constitui como sujeito é minha pergunta. […] A partir daí, surge a função decisiva de minha própria resposta, e que não é apenas, como se diz, a de ser aceita pelo sujeito como aprovação ou rejeição de seu discurso, mas realmente a de reconhecê-lo ou aboli-lo como sujeito. É essa a responsabilidade do analista, toda vez que ele intervém pela fala.” (p. 301).
“Esse é um fato bem constatado na prática dos textos das escrituras simbólicas, quer se trate da Bíblia ou dos textos canônicos chineses: neles, a ausência de pontuação é uma fonte de ambiguidade, a pontuação colocada fixa o sentido, sua mudança o transforma ou o transtorna e, errada, equivale a alterá-lo.” (p. 315).
“O primeiro símbolo em que reconhecemos a humanidade em seus vestígios é a sepultura, e a intermediação da morte se reconhece em qualquer relação em que o homem entra na vida de sua história.” (p. 320).
Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano (1960)
“Um, conotado por A, é o lugar do tesouro dos significante, o que não quer dizer do código, pois não é que se conserve nele a correspondência unívoca entre um signo e alguma coisa, mas sim que o significante só se constitui por uma reunião sincrônica e enumerável, na qual qualquer um só se sustenta pelo princípio de sua oposição a cada um dos demais. O outro, conotado por s(A), é o que se pode chamar a pontuação, onde a significação se constitui como produto acabado.” (p. 820).
Intervenção sobre a transferência (1952)
“Em outras palavras, a transferência não é nada de real no sujeito senão o aparecimento, num momento da estagnação da dialética analítica, dos modos permanentes pelos quais ele constitui seus objetos. O que é, então, interpretar a transferência? Nada além de preencher com um engodo o vazio desse ponto morto. Mas esse engodo é útil, pois, mesmo enganador, reativa o processo.” (p. 224-225).
Para-além do “Princípio de Realidade” (1936)
” Ele [o analista] opera em dois registros, o da elucidação intelectual, pela interpretação, e o da manobra afetiva, pela transferência; mas, fixar os tempos delas é uma questão de técnica, que as define em função das reações do sujeito; ajustar sua velocidade é uma questão de tato, pelo qual o analista é alertado sobre o ritmo dessas reações.” (p. 88).
Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia (1950)
“Ninguém há de se extraviar menos que o psicanalista nesse caminho, antes de mais nada porque, contrariando a mitologia confusa em nome da qual os ignorantes esperam a ‘suspensão das censuras’, o psicanalista sabe o sentido exato das representações que definem os limites na síntese do eu. Por conseguinte, se ele já sabe que, no tocante ao inconsciente recalcado, quando a análise o restaura na consciência, é menos o conteúdo de sua revelação do que a mola de sua reconquista que constitui a eficácia do tratamento, a fortiori, no tocante às determinações inconscientes que sustentam a própria afirmação do eu, ele sabe que a realidade, quer se trate da motivação do sujeito, quer, as vezes, de sua própria ação, só pode aparecer através do progresso de um diálogo que o crepúsculo narcótico só poderia tornar inconsciente. aqui, como em outros lugares, a verdade não é um dado que se possa captar em sua inércia, mas uma dialética em marcha.” (p. 145-146).
Outros Escritos
LACAN, Jacques. Outros Escritos. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2003
Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos (1975)
“O sentido do sentido, em minha prática, se capta (Begriff) por escapar: a ser entendido como de um tonel, e não por uma debandada. É por escapar (no sentido do tonel) que um discurso adquire seu sentido, ou seja, pelo fato de seus efeitos serem impossíveis de calcular. O cúmulo do sentido, isso é perceptível, é o enigma.” (p. 550).
Joyce, o Sintoma (1979)
“Para dizer que o inconsciente, em Freud, quando ele o descobre (o que se descobre é de uma vez só, mas depois da invenção é preciso fazer o inventário), o inconsciente é um saber enquanto falado, como constitutivo do UOM. A fala, é claro, define-se aí por ser o único lugar em que o ser tem um sentido. E o sentido do ser é presidir o ter, o que justifica o balbucio epistêmico. […] Ter é poder fazer alguma coisa com.” (p. 561-562).
Jacques-Alain Miller
MILLER, Jacques-Alain. Ler um sintoma. Trad. de Cristina Maia. Disponível on-line. Sem paginação.
“Ler um sintoma vai no oposto, quer dizer, consiste em privar o sintoma de sentido. Por isso Lacan substitui o aparato de interpretar de Freud – que Lacan mesmo havia formalizado, havia esclarecido, quer dizer, o ternário edípico – por um ternário que não produz sentido, o do Real, do Simbólico e do Imaginário. Mas, ao deslocar a interpretação do quadro edípico em direção ao quadro borromeano, é o funcionamento mesmo da interpretação que muda e passa da escuta do sentido à leitura do fora de sentido.”
MILLER, Jacques-Alain. O escrito na fala. Opção Lacaniana online nova série – Ano 3 – Número 8 – junho 2012 – ISSN 2177-2973. Disponível em http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_8/o_escrito_na_fala.pdf
“A demonstração que fazemos na escritura, Lacan a realizou a partir do sonho, mostrando que a imagem onírica é retida por Freud pelo seu valor de significante despojado de significação. Distinguiu isso no que Freud oferece como exemplo de sonho a ser lido como enigma. Afirmar que o sonho se lê como enigma quer dizer que a imagem não vale como figura, um signo figurado, nem como pantomima, mas sim como uma letra e que tudo aqui é assunto de escritura” (p. 10).
“Vê-se bem a relação exata entre significância e semantismo. Tudo reside no fato de que significante e significado não são verso/reverso. Ao contrário, há tanto mais significância quanto há menos semantismo. Há tanto mais significância quanto mais o significante funciona como uma letra, separado do seu valor de significação. Esse mais-de-significante é o que podemos chamar de efeito poético”. (p. 11).
“Quando Lacan propôs como finalidade da interpretação realizar a identificação de reconhecimento, falar da fala ainda tinha sentido, um valor. Não há certeza de que a fala mantenha o mesmo sentido, quando se trata dela no nível de lalíngua” (p. 20).
“[…] Ele [Lacan] propõe uma definição renovada da linguagem, não como meio de comunicação, mas como aparelho de gozo […] Apalavra é o nome próprio da palavra como aparelho de gozo, como parte dos aparelhos do gozo. A interpretação em questão, da qual é difícil especificar os contornos, é uma interpretação que se suporta visando à palavra como aparelho de gozo” (p. 22).
MILLER, Jacques-Alain. 1, 2, 3, 4 (Tomo I). Trad. de Enric Berenguer. Buenos Aires: Paidós, 2021.
“Evidentemente, lo real, cuando es simbolizado, se vuelve símbolo. Entonces, nos vemos llevados a plantear lo real propiamente dicho como lo que subsiste fuera de la simbolización, es decir, como lo no simbolizado e incluso –¡esta es la cuestión!– como no simbolizable. Por eso el tema esencial a tratar en este punto es ciertamente el deseo y lo real” (p. 33).
MILLER, Jacques-Alain. Percurso de Lacan: uma introdução. 2. ed. Trad. de Ari Roitman. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
“É próprio da psicanálise operar sobre o sintoma mediante a palavra, quer seja esta a palavra da pessoa em análise, quer seja a interpretação do analista” (p. 13).
“Lacan sempre promoveu a importância do silêncio do analista, que não deve considerar que a interpretação tenha que duplicar constantemente o discurso do paciente; não se trata de justapor um segundo texto ao primeiro e decifrar tudo, precisamente porque o poder da interpretação é enorme. Deve medir exatamente o poder de cada uma de suas palavras” (p. 123).
“O fato de que o inconsciente esteja estruturado como uma linguagem não implica que tudo se interprete, mas o que não se interpreta tem também uma função” (p. 159).
MILLER, Jacques-Alain. O osso de uma análise + O inconsciente e o corpo falante. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
“O tratamento analítico é a experiência daquilo que significa estar-na-fala. Carlos Drummond de Andrade situa sua obra poética sob o título de ‘Tentativa de exploração e de interpretação do estar-no-mundo’. Digamos que a psicanálise é uma tentativa de exploração e interpretação do estar-na-fala” (p. 22).
“A interpretação é um dizer que visa ao corpo falante para produzir nele um acontecimento, para passar para as tripas, dizia Lacan. […] Quando se analisa o inconsciente, o sentido da interpretação é a verdade. Quando se analisa o falasser, o corpo falante, o sentido da interpretação é o gozo” (p. 136).
Outros autores do campo freudiano
BERGER, Viviana. El analista y la eficacia de su lectura. In: LAURENT, Éric (Org.). Lectura del Caso en la Práctica de Orientación Lacaniana. Buenos Aires: Grama Ediciones, 2009.
“En conclusión, para ubicar donde leer la eficacia operativa del psicoanálisis, se podría decir: […] A partir del deseo el analista que sostiene una posición que no permite a la cadena significante volver a girar una vez más en torno a lo mismo. Que interpreta contra la significación y el goce de la repetición que de ella se obtiene, en un agotamiento de la lógica de la narración y de todas las formas significativas de la división. Hacia el punto del sinsentido. Como saldo, la aproximación del consultante a escuchar lo que escapa a la palabra. Que queda escrito con la letra. La producción de un sujeto articulado de otro modo con la satisfacción silenciosa de la pulsión. La escritura de un nuevo texto”. (p. 131).
SCILICET. Semblantes y sinthome. VII Congreso de la Asociación Mundial de Psicoanálisis, París, 2010. Buenos Aires: Grama Ediciones, 2009.
CUÑAT, Carmen, “Escritura”.
“En realidad, si el significante toma valor de semblante es porque se confunde con la palabra, con lo fonético, con lo que se puede decir. El significante es portador de un goce del decir que tiende a esconder lo que realmente dice. Mejor entonces atender a lo que se escribe. Un dibujo, un nudo, también pueden ser una escritura. […] Entonces, el analista hará con la interpretación lo que el síntoma hace salvajemente: hacer oír el sentido del que se goza”. (p. 110).
IDDAN, Claudia, “Letra”.
“El peso del ‘soporte material’ de la marca-letra se refuerza aún más por tratarse de una marca en el cuerpo que determina, no sólo un modo de lazo o no-lazo social, sino también un modo de goce, que provoca un acontecimiento de goce del cuerpo. Una de las interpretaciones del versículo bíblico ‘[…] y puso Dios en Caín una letra-marca […] – plantea que la marca en cuestión consiste en la escritura de una de las letras del nombre mismo de Caín, la letra ‘yud‘, en este caso la ‘i‘, que es también la primera letra de la palabra ‘vivirá’ en hebreo. La marca otorga vida, se trata de la escritura en el cuerpo de un nombre de goce que otorga vida”. (p. 182).
TORRES, Mónica, “Sentido y no-sentido”.
“La fuga del sentido parte del sentido que significantiza el goce, al sinsentido que es semblante. Aún cuando se trate del sentido-gozado. El ‘tout dernier Lacan” como ha demostrado J.-A. Miller, ubica el sinthome y la una-equivocación del lado del inconsciente real, que se vincula con ‘el azar de los gruesos errores’. El sinthome es del orden del Uno y se ubica fuera de sentido. Este ‘fuera de sentido’ se relaciona con lo real del goce. El sentido fracasa, entonces, junto con el inconsciente transferencial que es destino. […] El analizante, en el recorrido de su análisis, va desde el sentido que articula el inconsciente transferencial con el síntoma hasta llegar al naufragio del sentido. El sujeto se ve confrontado con lo real de su sinthome. Es el fuera de sentido del goce. Ese fuera de sentido permite la escritura y se necesita un esfuerzo de poesía para saber hacer con el sinthome.” (p. 329).
VIEIRA, Marcus André, “Signo y significante”.
“En un análisis, las diversas versiones y lecturas de lo que somos van siendo desgranadas y reducidas a pocos elementos fragmentarios: un aroma de pan fresco, de tierra mojada, el oro y azul del sol en la arena, un mimo de la madre o el cinturón paterno que, vaciados del pathos que cargaban, se tornan más balizas que recuerdos. No son nombres que se articulan produciendo significación, sino signos, rasgos que se repiten y que no remiten a otros, se depositan apenas, pesan ocasionalmente, pero también concluyen, interrumpen la secuencia interminable del habla”. (p. 339).
SCILICET: O sonho, sua interpretação e seu uso no tratamento lacaniano. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2020.
FARI, Pascale. “Signo contra sentido”.
“A Interpretação analítica aposta no significante novo. A sessão é cortada antes de ser ‘concluída’, proporcionando ‘a perplexidade como fenômeno elementar do sujeito na ‘lalangue’. Jogando com o signo contra o sentido, os sortilégios da letra e os poderes do equívoco mobilizam o gozo em direção às novas escrituras”. (p. 40.)
PFAUWADEL, Aurélie. “Interpretação ressoada (résonnée)”.
“Ao fim de seu ensino, Lacan relaciona o inconsciente a uma ‘escrita’ reconhecida no fato de que os sonhos, como as formações do inconsciente, ‘definem-se pelo legível’. Um sonho se deve ler naquilo que nele se diz. A interpretação ponderada (raisonnée) é uma leitura que faz ressoar (résonner) o significante para atingir o limite ilegível do gozo fora de sentido […] O analista intérprete é, portanto, suposto-saber-ler-de outra forma, fazendo jorrar o clarão na esteira das homofonias de lalíngua, onde o inconsciente se manifesta como desarmônico ao mundo de sentido do sujeito”. (p. 110).
LHULLIER, Louise. “Dormir, acordar, analisar”.
“Despertar-se e despertar o Outro é o desejo que faz exceção à lei geral. Em outras palavras, todo desejo é, no fundo, desejo de dormir, desejo de morte, exceto aquele que agita o analista e propicia seu ato. Ato analítico, aquele que precipita instantes de despertar que constituem e que caracterizam o que é próprio da experiência analítica. […] É o desejo do analista que emerge de uma análise levada ao seu termo: desejo de despertar, de construir um saber sobre o real, sobre o indizível do gozo, sobre o impossível de negativar. Essa ‘infração à lei geral do desejo’, condição para que o ato analítico aconteça, marca a posição do analista, nesses instantes em que o sentido se esvai na fugacidade do ato, aí onde é possível dizer: há analista”. (p. 160).
SUÁREZ, Hilema. Ecos e ressonâncias.
“[…] Lacan propõe um giro na interpretação destacando a ‘ressonância do significante’. Já não se trata, porém, de uma ressonância semântica, senão de uma ressonância a-semântica. Afinal, como se interpretam no sonho as pulsões, eco no corpo do fato de que há um dizer? Uma história de Alix Strachey com seu analista Freud, dá uma pista: ‘Após uma semana crítica em sua análise, teve um sonho significativo. Contou o sonho ao Professor, trabalhando sobre ele. Depois o Professor deu uma interpretação e, ao terminar, levantou-se para buscar um cigarro, declarando: ‘Insights como este mereciam ser celebrados’. Alix Strachey protestou docemente assinalando que não havia acabado de contar todo o sonho, e o Professor replicou: “Não seja gulosa! É bastante insight para uma semana!’.” (p. 88).
Éric Laurent
Laurent, Éric. A Interpretação: da escuta ao escrito. In: Revista Correio nº 87, Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, Estava escrito. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, abril de 2022.
“O comportamentalismo escuta, no que lhe é dito, o agenciamento de uma soma de comportamentos elementares que ele pretende, em seguida, reeducar. Ele responde ao que ouviu por meio de uma objetivação dos comportamentos e uma série de prescrições. […] O analista, em primeiro lugar presente como escuta, introduz, com o silêncio, uma demanda da fala por parte do analisando. A resposta do analista jogará nesse registro da demanda para responder ao lado da demanda, a fim de poder fazer ouvir naquilo que é dito o que ultrapassa a intenção daquele que sustenta seu dizer. O analista assume a responsabilidade da escuta para fazer surgir a presença de um sentido diferente do senso comum, de uma parte que sempre escapa.” (p. 61-62).
“No primeiro ensino de Lacan, a interpretação tinha como efeito dar acesso aos capítulos apagados da minha história, ao que ali estava escrito. No segundo, Lacan se livra dessa referência à história para manter apenas a referência ao ‘estava escrito’.” (p. 68).
“Ler um dizer, ou uma fala, ‘para além do que vocês incitaram o sujeito a dizer’ pela regra fundamental reformulada, simplificada, como ‘diga qualquer coisa’, mas diga! E essa leitura do dizer define o inconsciente, como escreve Miller em seu intertítulo: o inconsciente é o que se lê.” (p. 68).
LAURENT, Éric. Versões da clínica Psicanalítica. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.
“Se a interpretação tem que ocupar seu lugar, é porque o analista está necessariamente alhures, nunca está em seu lugar. A isso é que o tratamento analítico deve sua eficácia; o analista pode ser eficaz porque há um mal-entendido essencial, que liberta o poder da interpretação.” (p. 17-18).
“Definir a interpretação como um dito esclarecedor é diferente de defini-la como uma palavra. […] A palavra é obscurantista, é equivocação; os partidários da palavra libertadora continuam a manter no horizonte a presença de um Deus que seria o penhor da palavra” (p. 20).
“Outra distinção de Lacan que vocês tem que ter em mente é a distinção entre o efeito de linguagem e o efeito de palavra. Pois sua causa é o significante, sem o qual não haveria nenhum sujeito no real. […] Um sujeito no real não está correlacionado com o efeito de palavra, mas com o efeito de linguagem, que o determina de modo estrito” (p. 44).
“A psicanálise tem em comum com o budismo o fato de que não estamos na psicanálise para falar; sabemos, por experiência, que cada um de nós fala para, no final, encontrar a paz de se calar.” (p. 119).
LAURENT, Éric. A psicanálise e a escolha das mulheres. Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2012.
“Então, a maneira pela qual Lacan precisou isso não é só que a pulsão de morte não se reduz, é que ela toma esta forma: a de fazer valer o sentido fálico que é ainda assim a alavanca da nossa operação, que é através do que encontramos uma incidência, primeiro, no sintoma, para chegar certamente ao ponto de fora de sentido, mas, primeiro, fazê-lo valer, e, em um mundo onde efetivamente a ciência tenta excluí-lo, a fazê-lo valer, nós deixamos um resto, nós deixamos a dita super-meutade [surmoitié] com a qual é necessário também se afrontar. É por esse motivo que Lacan podia dizer que, além da interpretação, o que mais lhe agradava era um discurso sem palavras; conseguir prestar contas, de maneira transmissível, sem palavras, chicanas dessa desnaturação do sexo que é própria à espécie humana, e sem, para tanto, pensar em terminar pela prevenção e pela caridade.” (p. 141).
VIEIRA, Marcus André. A escrita do silêncio (voz e letra em uma análise). Rio de Janeiro: Subversos, 2018.
“Lacan então aposta no que, em uma análise, funciona como a escrita. Não seu aspecto de registro ou transcrição de acontecimentos, mas suas propriedades de enlace, de manter unidas coisas que nada têm entre si, a não ser o fato de terem sido trançadas na contingência. Ele passa a localizar, então, conceitualmente, esse fundamento sem fundo do sintoma, por meio de um artifício de escrita, ao escrevê-lo sinthoma. Introduz apenas uma letra, que remete à etimologia do termo, em francês, mas que conta especialmente por não ter nenhuma presença na pronúncia do termo, por só existir na escrita e não na fala. Dessa forma, assim como na análise, traz à cena da escrita esse gozo que não tem lugar na cena do corpo ou das ideias, mas que pode se apresentar no tecido das letras de uma análise” (p. 96-97).
Autores de outros campos
DURAS, Marguerite. Escrever. Trad. de Luciene Guimarães de Oliveira. Belo Horizonte: Relicário, 2021.
“Essa solidão real do corpo se torna a outra, inviolável, da escrita” (p. 25).
“Fiquei surpresa com Lacan. E estas frases suas: ‘Ela não deve saber que escreve aquilo que escreve. Porque ia se perder. E isso seria uma catástrofe’. Essas frases se tornaram para mim uma espécie de identidade de princípio, de um ‘direito de falar’ totalmente ignorado pelas mulheres. Encontrar-se em um buraco, no fundo de um buraco, numa solidão quase total, e descobrir que só a escrita vai te salvar”. (p. 30).
“Escrever.
Não posso.
Ninguém pode.
É preciso dizer: não podemos.
E escrevemos.
É o desconhecido que carregamos dentro de nós:
escrever, é isso que se alcança. É isso ou nada.” (p. 63).
FOUCAULT, Michel. O Belo Perigo: Editora autêntica, 2016.
“Entre prazer de escrever e possibilidade de falar, existe certa relação de incompatibilidade. Ali onde não é mais possível falar, descobre-se o encanto secreto, difícil, um pouco perigoso de escrever.” (p. 39).
BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo: Perspectiva, 2015.
“Se leio com prazer essa frase, essa história ou essa palavra, é porque foram escritas no prazer (esse prazer não está em contradição com as queixas do escritor). Mas e o contrário? Escrever no prazer me assegura – a mim, escritor – o prazer de meu leitor? De modo algum. Esse leitor, é míster que eu o procure (que eu o ‘drague’), sem saber onde ele está. Um espaço de fruição fica então criado. Não é a ‘pessoa’ do outro que me é necessária, é o espaço: a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma imprevisão do desfrute: que os dados não estejam lançados, que haja um jogo.” (p. 9).
“Com respeito aos sons da língua, a escritura em voz alta não é fonológica, mas fonética; seu objetivo não é a clareza das mensagens, o teatro das emoções; o que ela procura (numa perspectiva de fruição) são os incidentes pulsionais, a linguagem atapetada de pele, um texto em que se possa ouvir o grão da garganta, a pátina das consoantes, a voluptuosidade das vogais, toda uma estereofonia da carne profunda: a articulação do corpo, da língua, não a do sentido, da linguagem. […] para que consiga deportar o significado para muito longe e jogar, por assim dizer, o corpo anônimo do ator em minha orelha: isso granula, isso acaricia, isso raspa, isso corta: isso frui.” (p. 78).