EIXO 3 – Ecos dos corpos, ecos do Outro
Flávia Cêra (EBP/AMP)
Para estar à altura da época, um analista deve se contar, contar seu fazer no próprio presente, como constituído e também como constituinte da época. A psicanálise muda, é um fato, diz Miller[1]. E a escuta analítica, muda?
A escuta depende da fala, mas não coincide com ela. Especialmente a escuta analítica que se propõe a ouvir algo além do que se diz. A psicanálise, desde Freud, sabe que se fala mais do que se sabe, que não se sabe o que se diz. Mas os usos da língua mudaram. As redes sociais, os memes, as fakes news escancararam seu caráter viral. Nas redes fala-se para alguém ou fala-se sozinho? Afinal, também fala-se para não dizer nada. Como podemos atualizar a célebre frase de Lacan: “na linguagem nossa mensagem nos vem do Outro de forma invertida”?[2] Lacan mantém esta formulação até o fim do seu ensino. O que se modifica nesta passagem do tempo é o estatuto da fala e do Outro. Se, antes, na escuta analítica, o sujeito se encontrava na mensagem invertida conectado ao saber suposto que ignorava, por onde anda o saber hoje? Que novidades a multiplicação das narrativas trazem?
Na crise da representação que se acentuou nos últimos anos, alguns movimentos começaram a se articular para responder aos efeitos dessa crise. Encontrar a palavra, o nome, o traço que identifica, ganhou muito vigor no debate político atual. As questões raciais e de gênero são um exemplo disso. São movimentos que encarnam e nomeiam as diferenças identificando os campos discursivos e as forças que operam em discriminações e violências que se arrastam por séculos. Eles furam o discurso dominante universalista muitas vezes desencarnado, sem cor e sem gênero. Então, para pensar a psicanálise na política como política do sintoma, antes de colocar esses pontos em questão, seria importante colocá-los como questão. Como estes temas aparecem na clínica? O que escutamos dos ecos do dizer nesses corpos? O que se interpreta desses discursos e o que eles podem ensinar à psicanálise?
Aguardamos textos sobre a escuta analítica que abordem as incidências desses discursos nos sintomas contemporâneos na clínica e na cidade.