I Jornada da EBP – Seção Sul
O feminino e os litorais do indizível
Argumento[1]
O feminino como o não sabível é o que se pode colocar como causa do indizível e também como causa do plural de litorais? Sem esse lugar opaco ao significante só haveria um litoral, ou melhor, não precisaríamos desse conceito de litoral forjado por Lacan para tentar esclarecer os limites entre o saber possível de apreender pelos significantes e o incalculável de gozo que se imiscui no dito. Todo sentido advém da lógica binária, não há sentido sem dialética, mas Lacan muito cedo já nos diz que nós psicanalistas sabemos que esses pares de opostos jamais se recobrem na síntese, sempre há um resto nessa operação. O feminino está nesse resto que barra o ideal de exatidão e o império da cifra como verdade da ciência, pois não se deixa medir, não possui um referente métrico como o falo. O gozo feminino é sempre traumático para o gozo fálico, é sempre segregado e vivido com estranhamento.
A lógica do significante responde a um binarismo de presença e ausência, mas quando temos como referente o gozo, esse elemento heterogêneo, como localiza-lo? Miquel Bassols, em seu texto O feminino entre centro e ausência [2] nos diz que devemos passar da lógica da borda como fronteira à lógica da borda como litoral, operação que Lacan indicará sobretudo em seu texto Lituraterra.[3] Quando há fronteira entre dois países, isso supõe uma reciprocidade, se podem estabelecer vínculos, representações recíprocas, como por exemplo consulados.
O gozo feminino não sabe de fronteiras, ele segue a lógica do objeto que é heterogêneo ao significante, isso faz com que cada encontro entre esses elementos heterogêneos desenhe um litoral singular e efêmero, que deixa uma marca indelével no corpo. Podemos pensar que há vários litorais para o falasser? É um tema que gostaríamos de trabalhar. Letter, litter, Litoralis,[4] um caminho analítico feito um por um?
Há um gozo sobre o qual não há um dizer, ele habita o Sujeito pelo fato de o feminino apontar para um furo no saber. Lacan propõe a letra como uma tentativa de escrever a borda desse feminino. Seria essa, a possibilidade de se produzir, na presença do vazio que o feminino revela, a inscrição de uma marca, um traço, um litoral-letra entre saber e gozo?
Como isso ressoa na formação do analista? E como pensar essas questões em nossa clínica?