#04 - SETEMBRO 2024
A criança e o seu dizer
Soledad Torres
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Para o discurso analítico a criança é quem é “sujeito suposto saber”, igual é o adulto. Lembremos que desde a descoberta freudiana da sexualidade infantil perversa-polimorfa, a criança passou a ser escutada como um sujeito em pleno exercício em relação ao inconsciente, o desejo e o gozo que a habita.
Daniel Roy (2023), no seu texto Sonhos e fantasmas na criança[1], nos diz:
É nossa oportunidade e a oportunidade de dar às crianças que encontramos. A oportunidade de se deslocar nos discursos de dominação que buscam assujeitá-las e a ocasião de encontrar um lugar para os objetos gadgets que nossa civilização lhes oferece aos montes. Como? Pois bem, explorando com cada criança os significantes-mestres que fazem dela sujeito, e o sonho permanece aqui a “via régia”, na medida em que lhe damos lugar “nessa parte reservada do corpo em que o gozo pode se refugiar”, que se chama objeto a. (s/n)
As crianças que chegam ao consultório são trazidas e faladas desde diferentes discursos, faladas pelos Outros que não são apenas os pais senão vários outros (família, escola, médico, juiz, outros profissionais). É o Outro que diz aí ou é dessa criança o dizer? A criança é um sujeito que está se constituindo no entrecruzamento de discursos que buscam assujeitá-la, um sujeito que tem de se haver com aquilo que lhe vem do Outro. Segundo Miller, a criança é por excelência o sujeito entregue ao discurso do Mestre pelo viés do saber e nos confronta com uma questão política na qual trata-se sempre de reduzir, de comprimir, de dominar, de manipular o gozo daquele que chamamos uma criança: um sujeito ´assujeitado´[2].
O que uma análise pode oferecer? Restituir o saber à criança, esse saber autêntico, apontar ao saber-fazer com o gozo que é vivido no corpo. O discurso analítico não visa a dominação ou domesticação do gozo senão que se orienta a seguir as marcas de gozo na fala dessa criança que chega na consulta, oferecendo o espaço para que possa elucubrar um saber a seu alcance e que possa lhe servir. A criança é um digno analisando interpretador e o analista que a segue precisa explorar os significantes-mestres que fazem dela Um sujeito, trata-se de não apenas explorar a história senão também da maneira pela qual lhe foram oferecidos o saber, o gozo e o objeto a[3], as cartas que lhe foram distribuídas. Trata-se de possibilitar-lhe o tempo que ela precisa, sem responder rapidamente às demandas que somos convocados. É algo disto que posso contornar, a partir do que observo na clínica e estudo nos espaços que participo, causada pelo tema da 5ª Jornada da Seção Sul da Escola Brasileira de Psicanálise. É um precioso convite que nos põe a trabalho e ao estudo, a tentar que cada um possa elaborar e dar lugar a um dizer singular.