#05 – Setembro 2021
Por Licene Garcia
No boletim Bricolagens #5, seguimos com a apresentação dos eixos que orientarão nosso trabalho rumo a 2ª Jornada da EBP-Seção Sul: “Falar sobre o que não existe, do gozo do sentido às bricolagens possíveis”. Desta vez, trazemos o eixo 2: “A verdade não existe. Qual lugar para a democracia?” apresentado por Leonardo Scofield, e o eixo 3: “Subjetividades contemporâneas: o real do gozo e a trama dos discursos” apresentado por Nohemí Brown. Em seguida, poderemos apreciar a precisão dos comentários de Nancy Greca Carneiro e Paula Lermen, acerca dos eixos 2 e 3, respectivamente, em Rebotalhos Seis e Rebotalhos Sete.
Nesta edição você encontrará, também, o tocante texto de Flávia Cêra, trazendo os ecos da Atividade Preparatória “Escavar a terra, revirar a cinza: modos de existência do inimaginável” que contou com a participação de Marcelo Ribeiro.
Para esta edição, a Comissão de Referências, para esta edição separou um trecho do Seminário 19, apontando uma direção em nosso trabalho.
Por fim, em Fragmentos Outros, Francine Murara nos brindou com um belíssimo poema extraído do livro “Céu noturno crivado de balas”.
Aproveitem a leitura e fica aberto o convite aos interessados em participar da 2ª Jornada da EBP-Seção Sul, também enviando seus trabalhos.
Boa leitura!
APRESENTAÇÃO DOS EIXOS DE TRABALHO
Eixo 2 – A verdade não existe. Qual lugar para a democracia?
Leonardo Scofield (EBP/AMP)
As afinidades entre a psicanálise e a democracia, assim como as ameaças às liberdades, em particular à da palavra, que se multiplicam no Brasil e no mundo, nos levaram a propor esse eixo de trabalho que articula verdade, mentira, democracia e psicanálise.
A verdade não existe, ela é. Nos termos da psicanálise, as verdades, como fatos de linguagem, se sustentam na articulação dos discursos, no encadeamento significante. Nessa perspectiva, toda verdade é mentirosa, na medida em que é não-toda, em que há um impossível de dizer.
REBOTALHOS SEIS
Comentário do Eixo 2: A verdade não existe. Qual lugar para a democracia?
Por Nancy Greca Carneiro (EBP / AMP)
O Eixo II aponta duas razões para abordar a verdade e o lugar da democracia: a estrutura de ficção que se fundamenta no vazio de sentido, mas não de gozo, e o risco dos discursos se ancorarem no Ideal. 1
Nunca se fez tão presente a evidência da mentira no campo social. O negacionismo como ação política, associado à decomposição das grandes narrativas, faz invadir a opinião pública de um apelo emocional que suprime qualquer preocupação com a verdade objetiva. Promove, por um lado, a eliminação do lugar da verdade e, por outro, faz retornar uma Verdade não dividida, garantida por um pai no qual se crê.
O mundo globalizado alcança o que o discurso analítico verifica no campo da clínica: a verdade não é uma, a verdade é dividida. Dizer “o inconsciente é a política” é ampliar o inconsciente para implicá-lo e fazê-lo responder à “discórdia do discurso universal”.2.
No sujeito que fala, a verdade não existe, ela é – no ser falante,lalangue dá consistência a suas fixões, ficções que fixam o gozo do ser falante.3Na cultura, o núcleo do que anima e faz necessário o discurso”. 4Nela fervilha o que faz laço ao discurso. Pode-se pensar a relação entre a ficção e o real, entre o ser e a existência no campo social e político? Comodiante do acontecimento social traumático, operar com as oportunidades, o inesperado, a contingência, alcançar uma fixão do real, onde a ficção se possa fixar?
1Texto de Leonardo Scofield. Membro da EBP Sul
2 Miller, J. A. Intuições Milanesas I. Opção Lacaniana online nova série. Ano 2. Número 5. Julho 2011.
3Lacan, J. O aturdito in “Outros escritos”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003 p. 480.
4 Miller, J. A. El Partenaire-síntoma. Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller. Buenos Aires :Paidós, 2011 p. 167 (tradução livre).
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Eixo 3 – Subjetividades contemporâneas: o real do gozo e a trama dos discursos
Por Nohemí Brown(EBP/AMP)
O que chamamos de subjetividades contemporâneas? Inicialmente, podemos dizer que são o efeito das mudanças nos discursos e a forma como os sujeitos se inscrevem e se fazem representar neles. Os discursos universais oferecem significantes que se tornam significantes mestres. Com Lacan, sabemos que o discurso é uma dimensão (diz-mansão) que situa algo da ordem da identificação, mas também emoldura uma forma de habitar o gozo.
REBOTALHOS SETE
Comentário do Eixo 3: Subjetividades contemporâneas: o real do gozo e a trama dos discursos
Por Paula Lermen
A diferença sexual inscrita no corpo do bebê, que Lacan graciosamente chamou de “a pequena diferença” é fundamentalmente uma diferença imaginária, referente à imagem do corpo, mas tem sido a partir dela que somos incluídos no Outro: o sexo constitui o S1 a partir do qual o sujeito será apresentado aos outros significantes. Entretanto, o corpo falante que pulsa pelos orifícios, com sua carne ravinada pela escritura enigmática da lalangue, tem algo de irredutível ao sentido, algo que não encontra no Outro o que o represente.
Marie-Hélène Brousse afirma o significante “gênero” substituiu o “sexo” em nossa cultura, e propõe que nos ocupemos de pensar o discurso do mestre contemporâneo e as transformações sob as quais alguns S1 são elevados à condição de verdade. Esses novos significantes podem também nos ajudar a pensar algo sobre o gozo irredutível do Um sozinho?
A nostalgia do nome do pai ronda os consultórios de psicanálise mesmo na fala dos analisantes que hoje chegam trazendo uma recusa a serem representados para outros significantes a partir de um lugar marcado na estrutura familiar de parentesco. Mas essa nostalgia já rondava o consultório de Freud, ele próprio às vezes um saudosista da potência perdida do pai. Esses novos significantes mestres que emergem no campo do Outro, como “identidade” e “gênero”,nos falam de suplências?
O tempo de compreender se alarga, enquanto escutamos na clínica essas novas palavras que re-recortam o real. E em jogo estão tanto o inconsciente real quanto o transferencial: sentido, silêncio ou invenção. Afinal, mesmo que Édipo arranque seus próprios olhos, em algum lugar do passado a Esfinge continua exigindo ser decifrada.
BROUSSE, M-H. Mulheres e discursos. Rio de janeiro: Contracapa, 2019.
REBOTALHOS OITO
Ecos do inimaginável
Por Flávia Cêra (EBP/AMP)
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Sobre a atividade preparatória Escavar a terra, revirar a cinza: modos de existência do inimaginável com Marcelo Ribeiro.
Nos desdobramentos do nosso tema de trabalho, chegamos ao inimaginável e recebemos Marcelo Ribeiro, professor de História e Teorias do Cinema e Audiovisual da Universidade Federal da Bahia que nos ofereceu uma belíssima e generosa apresentação e conversa. Marcelo nos falou da experiência paradoxal do inimaginável a partir de Robert Antelme, um sobrevivente dos campos de concentração nazista…
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
Pela Comissão de Referências Bibliográficas: Fernanda Baptista, Flávia Cêra, Gustavo Ramos, Licene Garcia, Valesca Miranda Lopes, Teresa Pavone (coordenadora)
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 19: …ou pior. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
“E o que pode nos interessar com respeito a esse existe, em matéria de significante? Seria que existe pelo menos um para quem isso não funciona, essa história de castração. Foi justamente por isso que ela foi inventada. É o chamado Pai, e é por isso que o Pai existe pelo menos tanto quanto Deus, ou seja, não muito.” (p. 35)
“A inexistência só constitui problema por já ter, certamente, uma resposta dupla, do gozo e da verdade, porém ela já inexiste. Não é através do gozo nem da verdade que a inexistência adquire um estatuto, que ela pode inexistir, isto é, chegar ao símbolo que a designa como inexistência, não no sentido de não ter existência, mas de só ser existência a partir do símbolo que a faz inexistente, e que, ele sim, existe. Como vocês sabem, ele é um número, geralmente designado por zero. O que bem mostra que a inexistência não é o que se poderia crer, o nada [néant], pois o que poderia sair dele? […] A inexistência não é o nada.” (p. 50)
FRAGMENTOS OUTROS
Por Francine Murara
A DÁDIVA *
Ocean Vuong
a b c a b c a b c
Ela não sabe o que vem depois
Por isso a gente começa de novo:
a b c a b c a b c
Mas eu vejo a quarta letra:
uma mecha de cabelo preto – que se desvencilhou
do alfabeto
& se inscreveu
no seu rosto
…
Eu vejo: a mecha de cabelo se elevando
de seu rosto… como ela caiu
sobre a folha – & viveu
sem um som. Como uma palavra.
Ainda a ouço
*Poema do livro “Céu noturno crivado de balas”.Editora Âyiné, 2019.
INSCRIÇÕES ABERTAS 2ª JORNADA da EBP SEÇÃO SUL:
Valores para inscrição até 30/08/21
- Membros e profissionais: R$ 130,00
- Alunos dos cursos do ICPOL, da APLP e alunos de graduação: R$ 80,00
Valores a partir de 01/09/21
- Membros e profissionais: R$ 180,00
- Alunos dos cursos do ICPOL, da APLP e alunos de graduação: R$ 100,00
ENVIE SEU TRABALHO!
Serão recebidos trabalhos que estejam orientados pelo argumento, referências bibliográficas da Jornada e que indiquem o eixo de trabalho escolhido.
- Data de envio: até 26 de setembro
- Textos com no máximo 7000 caracteres
- Formatação: Times New Roman, tamanho 12, espaçamento 1,5. Referências no final do texto.
- Enviar aos seguintes e-mails: jornadaebpsul@gmail.com, com cópia para ebpsul@gmail.com
– Serão considerados para seleção apenas os trabalhos dos inscritos na Jornada
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Assunto: Divulgação