#01 – Julho 2021
EDITORIAL
Por Mariana Zelis – Coordenadora da Comissão de Divulgação
Lançamos hoje Bricolagens, o primeiro boletim da nossa 2a Jornada da EBP Seção Sul: “Falar sobre o que não existe, do gozo do sentido às bricolagens possíveis”.
Iniciamos assim uma jornada rumo a nossa Jornada, e apostamos que será uma experiência única, especialmente porque ainda não existe e a sua existência se encontra intimamente ligada a nosso caminhar.
O que encontraremos no meio do caminho? As paisagens contingentes do encontro e possibilidades de falar sobre o que não existe traçam um rumo, mas, como falar disso?
Nesta jornada rumo à Jornada, como acontecimento que possa fazer laço, convido vocês a participar do Bricolagens a partir das singulares questões, dos rasgões, das peças soltas e avulsas que convocam a caminhar.
Neste primeiro Boletim vocês encontrarão as Palavras Preliminares, por Nohemí Brown (EBP/AMP), Diretora da 2ª Jornada. Na seqüência o Argumento, bússola epistêmica de nosso percurso, elaborado pela Diretora da Seção Sul, Louise Lhullier (EBP/AMP). A coluna Rebotalhos traz comentários e elaborações a partir dos trabalhos de Eneida Medeiros (EBP/AMP) e Maria Silvia García Fernández Hanna (EBP/AMP) apresentados na primeira Atividade Preparatória, bem como uma seleção especial com algumas Referências Bibliográficas. Por último, na coluna Fragmentos Outros, o poema de Ana Martins Marques inaugura esse espaço de enlaçamento das bricolagens por meio da arte.
Agradeço a Louise Lhullier, Diretora da Seção Sul, pelo convite e confiança para coordenar a divulgação, a Nohemí Brown, Diretora desta II Jornada, pela acolhida da proposta e a cada uma das colegas desta comissão pelo entusiasmo do fazer entre vários.
Finalizando, nestes tempos tão difíceis atravessados pelo luto, destaco a importância do vivo da Escola e das transferências de trabalho fazendo surgir possíveis Rebotalhos, Fragmentos Outros e Bricolagens.
PALAVRAS PRELIMINARES
Por Nohemí Brown (EBP/AMP)
Bem vindos ao trabalho rumo à segunda Jornada da EBP- SUL. Nossa primeira atividade preparatória visa fazer série com outras. Atividades que nos colocam em movimento para precisar os conceitos, decantar elaborações e cernir questões,para que nos dias 28 e 29 de outubro, ponto de chegada da nossa Jornada, possamos ter um momento de concluir sobre o tema que nos convoca.
Nosso tema é Falar sobre o que não existe: do gozo do sentido às bricolagens possíveis. Um título que circunscreve a questão do falar e do que não existe, mas algo opera como causa. Contudo, o subtítulo nos indica algo que vai de um lugar a outro. Há algo de enganoso se o pensamos em uma temporalidade linear. Trata-se de um percurso, de uma travessia ou momentos de passagem? E também, quando pensamos no termo bricolagem, mencionado por Miller e citado no argumento, qual é o estatuto dos restos da bricolagem que nos interessa? Como podem ver, há várias nuances e precisões que se fazem necessárias para extrair deste tema suas consequências epistêmicas, políticas e clínicas, que os eixos temáticos pretendem cernir:
– Qual o estatuto do que faz falar?
– O singular das bricolagens: o que fazer com os restos de uma análise?
– A verdade não existe: que lugar para a democracia?
– Subjetividades contemporâneas: o real do gozo e a trama do discurso.
Agradecemos muito a Guillermo Belaga, por ter cedido tão gentilmente a imagem que marca o cartaz. Uma sutil bricolagem sobre papel de vários elementos e uma técnica mista.
Agradeço a parceria de trabalho com Louise e o convite da Diretoria da Seção como um todo para estar nesta empreitada como Diretora da 2ª Jornada.
Hoje iniciamos lançando o argumento, elaborado por Louise Lhullier, membro da EBP-AMP, Diretora da EBP-Sul e coordenadora da CC da Jornada.
Um argumento que serve de base para iniciar uma conversação que nos permita localizar as pedras no caminho neste momento.
E, trazendo uma leitura de certo modo êx-tima à organização e a própria construção do argumento, teremos os comentários de Maria Silvia García Fernández Hanna, membro da EBP/AMP, que desenvolve seu trabalho na Seção RJ.Ela é doutora em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do RJ. Também teremos os comentários de Eneida Medeiros, membro da EBP/AMP e uma trabalhadora decidida da EBP-SUL.
O trabalho está lançado!
ARGUMENTO
Por Louise Lhullier (EBP/AMP)
Portanto, e Miller o diz de uma maneira muito bonita, “o ser transborda em muito a existência”. Por estar no nível do sentido, prolifera na fala, nos ditos. Mas quanto à existência, que concerne ao real, só pode ser apreendida no campo da lógica, da demonstração, recorrendo às matemáticas, a essa “linguagem sem equívoco[…] pura escrita”. O que não existe, por sua vez, corresponde a um impasse da lógica, e é nessa hiância que Lacan propõe designar o real enquanto impossível.
REBOTALHOS-Um
Por Adriana Rodrigues
Só existe analista se esse desejo lhe advier, que já por isso ele seja rebotalho (rebut) da dita (humanidade).
LACAN. Nota italiana (1973). In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 313.
No texto “A pura ausência do Um”, Eneida Medeiros (EBP/AMP) desenvolve um elaborado debate sobre o ser e a existência, apontando para o Um como pura ausência que se repete como furo na cadeia significante: “não há solução para o sujeito apaziguar-se definitivamente com seu ser porque seu ser é sempre um ser em falta (…) O que Lacan diz com isso? Que o impossível se repete desde o início. É isso que falta na série, justamente o que se escreve, i. e., o vazio, o real. Então “Há Um”, mas esse “há” é pura ausência, um ponto centrado, mas ausente de ser, remetendo-nos à existência e produzindo efeitos. É quando o Um do significante se inscreve como escrita no corpo que podemos ler algo sobre o ser, um ser de gozo. (…)”.
REBOTALHOS – Dois
Por Licene Garcia
Abrimos as atividades preparatórias para 2ª Jornada da EBP-Seção Sul, com a leitura precisa e pontual que Maria Silvia Hanna nos brindou na noite do dia 02 de julho, a respeito do argumento para Jornada.
Com isso, nos aponta que há no argumento escrito por Louise Lhullier, uma excelente costura entre o ensino e a prática da psicanálise, na medida em que mantém como mola propulsora a pergunta: O que traz de novo a elaboração do Um do gozo?
Maria Silvia recorta alguns termos que apontam para uma direção de trabalho: associação livre, interpretação, sinthoma, corpo, invenção-bricolagem.
Ao falar da associação livre, regra fundamental da psicanálise, nos assinala que é o analista, a partir da atenção flutuante, que intervém na fala do analisante, “lendo o significante separado de sua articulação, isolando seu valor de letra encarnada no corpo que faz gozar”.
A partir desse comentário, ressalta o valor da interpretação como aquilo que permite a abertura das amarras do sentido, para dar lugar ao no sense, ao impossível de dizer, fazendo “ressoar as letras agarradas no corpo, que não se articulam com nada e que indicam o gozo do Um”.
Ao avançar para o sintoma, nos lembra da elaboração freudiana do sintoma enquanto realização de desejo e como satisfação pulsional. Enquanto Lacan, retomará ao longo de seu ensino, o sintoma como uma formação do inconsciente, uma mensagem dirigida ao Outro. Por isso, ao introduzir o “h” no sinthoma, Lacan nos indica que a letra é aquilo que se infiltra na palavra, assim, “localiza uma forma de gozar do corpo, disjunto do Outro, índice da presença do Um e da ausência da relação sexual”.
Com essa construção, Maria Silvia abre a pergunta: Seria possível considerar que o sinthoma está presente no sintoma, assim como a letra está presente no significante?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Pela Comissão de Referências Bibliográficas: Flávia Cêra, Gustavo Ramos, Licene Garcia, Fernanda Baptista, Valesca Miranda Lopes, Teresa Pavone (coordenadora)
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 19: …ou pior. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
“Sem dúvida, o ser falante é alguma coisa, talvez sim. O que é o que ele não é? Acontece que esse ser é absolutamente inapreensível. E é ainda mais inapreensível por ser forçado a passar pelo símbolo para se sustentar. Um ser, quando vem a ser apenas pelo símbolo, é justamente um ser sem ser. Pelo simples fato de falarem, vocês todos participam desse ser sem ser. Em contrapartida, o que se sustenta é a existência, na medida em que existir não é ser, é depender do Outro.” (p. 103).
FRAGMENTOS OUTROS
Por Juliana Rego Silva
A queda (Ana Martins Marques)*
As palavras
faltam
quando mais
se precisa
delas
são apenas
a sombrinha
do equilibrista
ajudam
talvez
mas não salvam
faltam
quando mais
se precisa delas
se você cair
de uma grande altura
por mais bonita
que seja a sua sombrinha
não conte com ela
para amortecer
a queda
*Extraído do livro Da arte das armadilhas,
Companhia das Letras, 2011.
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Assunto: Divulgação