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“Salvar a clínica“?

Por Marcia Stival (EBP/AMP)

Maria Teresa nos traz um breve e instigante argumento, marcado de início por um contraponto: do desaparecimento à salvação da clínica. Numa aposta calcada na clínica irônica, ela nos faz avançar e destaca perguntas envolvendo a posição e operação do analista, bem como nos convocando a refletir sobre o lugar da transferência, da interpretação e do diagnóstico.

Com este aparato pego meu acento no trem que já começou a trilhar um percurso e me remete a alguns pontos de parada.

A primeira parada: desaparecimento da clínica

A partir do texto “Todo mundo é louco”, de Jacques-Alain Miller, Maria Teresa destaca o risco do desaparecimento da clínica à medida que há a substituição dos princípios jurídicos pelos princípios clínicos. Fiz-me uma pergunta que trago para Maria Teresa e para os presentes: de que clínica Miller está falando, quando escreve que “não nos surpreendamos que a reivindicação igualitária se traduza no desaparecimento programado da clínica?”[1]

A segunda parada: ‘salvar a clínica’

Se o risco de desaparecimento está posto, Maria Teresa extrai de Miller que salvar a clínica faz “coexistir a desaparição de toda patologia e o igualitarismo pós clínico com a conservação das distinções clínicas”. Pergunto: que orientação está em jogo quando Miller coloca ‘salvar a clínica’ entre apóstrofos? Estaria subentendido por este sinal que indica a supressão de letras, a presença de uma dialética que chega até a clínica psicanalítica? Digo a que dialética estou me referindo. Se por um lado estes significantes loucura e delírio (extraídos do aforisma Todo mundo é louco, ou seja, delirante) sustentam o posicionamento do sujeito que inventa sua ficção com um tom delirante, favorecendo a ideia de despatologização e igualitarismo, por outro lado estes termos aparecem no contexto analítico como distinções clínicas. Com estas colocações, pergunto à Maria Teresa se ‘salvar a clínica’ pode nos remeter à concepção de que a loucura e o delírio, como termos que permeiam o mundo e a clínica, convocam os psicanalistas a revisitar conceitos como transferência e interpretação? Seria este um modo de tornar a psicanálise viva, passível de se sustentar na atualidade?

A terceira parada: Clínica irônica

Ao trazer a “clínica diferencial das psicoses”, Maria Teresa nos remete a uma clínica fundamentada na inexistência do Outro, que traz entre suas concepções o fato de que os discursos não passam de semblantes. Uma clínica que sustenta a impossibilidade de se defender do real, apesar dos delírios nossos de cada dia. Neste ponto Maria Teresa questiona se a clínica irônica seria um modo de ‘salvar a clínica’. Penso que está aí mais uma questão instigante para hoje e para os próximos meses, que possivelmente requisitará outras tantas paradas com novos encontros epistêmicos, clínicos e políticos. Mas gostaria de escutar algumas considerações que Maria Teresa pensou ao articular num questionamento a clínica irônica e ‘salvar a clínica’.


[1] MILLER, J.-A. Todo mundo é louco Opção Lacaniana N. 85, p. 9.
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