#05 - Outubro 2022
Ressonâncias da terceira preparatória da 3a Jornada da EBP-SUL
Valesca Lopes
Coordenadora do CIEN-SC
“Que conheça bem a espira a que sua época o arrasta na obra contínua de Babel e que saiba sua função de intérprete na discórdia das linguagens’. (…) Porque a psicanálise no século XXI é uma questão de sociedade, um problema de civilização, há uma escolha forçada (…). Isto quer dizer testemunhar em ato sobre nossa posição, como psicanalistas, não apenas ‘no tratamento’, mas também ‘na cidade’”[i].
Antes da abertura da 3a Atividade Preparatória da 3a Jornada da Seção Sul é apresentado um clip da música de Marisa Monte e Jorge Drexler onde o som ecoa “Vento que levanta a onda, que carrega o barco, que ondula o mar”, “o vento que é movimento do ar” e ainda, “vamos levantar a vela, abrir a janela, ventilar a dor”. A psicanálise possibilita operar com a falta, produzir movimento. Um saber fazer com o sintoma, um fazer de outra maneira. Éric Laurent afirma que “o analista assume a responsabilidade da escuta para fazer surgir a presença de um sentido diferente do senso comum, de uma parte do discurso que sempre escapa. A isso se acrescenta a crença do analisando de que o analista tem em seu poder o saber no lugar do objeto demandado. Qualquer demanda implica a escuta, o silêncio da escuta como lugar reservado ao que, naquilo que se diz, excede a intenção. Essa escuta silenciosa vem marcar o lugar do desejo que, no discurso, se ignora.”
Em sua apresentação do Eixo 3, Flávia Cêra propõe uma reflexão sobre os coletivos que se organizaram em torno de alguns significantes, trazendo que as histórias dentro da História não se referem apenas a questão política. Ela diz “o que temos é o contato de alteridades e que por isso mesmo resulta em reações apaixonadas nas criações de saídas coletivas na produção de diferença.” Coloca a questão: como produzir relações a partir das diferenças?
Flávia Cêra, citando um trecho do texto de Clotilde Léguil, aponta que o sintoma é a um só tempo uma identidade e o que vem a turvar a relação do sujeito com seu ser. Ele se formula a partir de um eu remetido a sua própria opacidade, um eu que também é um outro, um eu que escapa ao sentido comum. Ou seja, a psicanálise não é somente a produção da diferença, mas é o chão da nossa clínica. A psicanálise não coloca em questão os traumas como experiencias coletivas, mas ela quer saber como esses traumas incidiram nos corpos e na vida de cada sujeito.
De acordo com Clotilde Léguil, “o traumatismo pode se apresentar como uma experiência coletiva. Mas sua inscrição sobre a carne de cada um se fará, sempre, no singular. Se é possível haver um ‘nós’ concernente ao encontro com um real traumático, na fala analítica tratar-se-á, no entanto, do ‘eu’.”
Flávia Cêra faz reverberar que a experiência do CIEN (Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Criança) não promove uma saída coletiva, mas que ele incide em um coletivo. As conversações possibilitam que se afrouxe as identificações, os ideais de funcionamento, especulando sobre o sentido para obter efeitos de verdade e permitindo a criação de um vazio por onde a palavra circula. Além disso, diminui a pressão do discurso do mestre e isso, como ela mesma diz, sabemos não é pouco!
A convidada Lucíola Macedo traz alguns desdobramentos das questões do Eixo. Levanta a questão do que seria a política do sintoma. Miquel Bassols nos orienta que “quando Lacan formula que a psicanálise é uma política do sintoma, não se trata de um sintoma que é preciso fazer desaparecer, ‘mas sim do sintoma como portador de uma verdade do sujeito do nosso tempo, do seu mais-de-gozar’.”
Relendo ‘Ler um sintoma’ de Miller, Lucíola Macedo lembra que a psicanálise não é só uma questão de listening (escuta) mas também de reading (leitura). Há muitas camadas de discursos e que cada uma tem seu lugar. Como pontua Miller, “a adição é a raiz do sintoma que é feito da reiteração inextinguível de um mesmo Um. É o mesmo, isso é, precisamente isso que não se adiciona não se tem nunca o já bebi três copos então basta, bebe-se sempre o mesmo copo mais uma vez.”
Retomando o estudo que fez sobre o livro do Primo Levi, Lucíola Macedo evoca que uma criança encontrada no campo que não falava, entra na linguagem, e passa a falar reconectando o gozo do corpo. Podemos pensar que mesmo em uma situação traumática é preciso apostar na palavra para que haja um deslocamento. O sujeito, ao falar de uma urgência ou daquilo que o sufoca na sua própria experiência, consegue nomear e se localizar, tendo um efeito. E, nos lembra Flávia Cêra, sobre a política ética do psicanalista de operar com o corte, fazendo advir o real.
Além de outros pontos abordados na conversação, Flávia Cêra e Lucíola Macedo questionam se falar nas redes sociais e falar para um analista é similar. Apesar do barulho dessas redes, o único som que cada um escuta, me parece, é o eco das suas próprias vozes. Uma coisa é expor ideias nesse espaço democrático que é a internet outra coisa muito diferente é expor a intimidade. Os sintomas se apresentam nessas redes, assim como no consultório. Mas, ao invés de serem aliviados pelo falar, acabam sendo alimentados por outros sintomas, gerando um mal-estar, onde todos podem compartilhar. Seriam as redes sociais mais um dispositivo de eco do que de subjetividade?
Nos consultórios chegam sujeitos cada vez mais capturados por significantes-mestres como racismo, feminismo, gênero, autismo, dentre outros. Desse intenso trabalho que foi apresentado nessa preparatória, podemos também nos interrogar como estamos acolhendo essas narrativas em nossa clínica e nas conversações do CIEN, onde muitas vezes aparecem de forma massificada. Como então escutar, sem apagar a posição subjetiva que localiza o sujeito?