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Ressonâncias da primeira atividade preparatória à  3a Jornada da Seção Sul: A escuta analítica

Valéria Beatriz Araujo

A convidada para a primeira preparatória de nossa jornada, Marcela Antelo (AME, EBP/AMP), a partir do texto de apresentação do tema e do argumento apresentados por Louise Lhullier e Mariana Zelis, teceu comentários com um savoir-y-faire de tecelã, num trabalho de corte e costura, fazendo ecoar divinos detalhes com efeitos de caixa de ressonâncias, produzindo ondas sobre o quadripartido falar, escutar, ler, escrever, como um chamado à Jornada. Seguem alguns pontos deste precioso material, ao modo ressonâncias.

Considerando o ponto de partida de Louise sobre o valor da escuta no contemporâneo, que produz satisfação e traz o pulsional em jogo, Marcela segue com Miller a partir da ideia de uma valorização new age da escuta na atualidade, com um acento saturado de ideologia naturista e beatificada, uma maneira de fazer existir a relação sexual, como se o som saísse do emissor e chegasse ao receptor e houvesse comunicação garantida, como se houvesse transparência do ser. Miller acha isso perturbador para o urbanismo sonoro da cidade, uma vez que se continua a vincular o som com a causa quando isso não mais acontece, e que se poderia devolver um valor poético e simbólico da escuta e então escutar o mundo deste ponto de vista.

Outro divino detalhe escandido por Marcela a partir dos textos: devemos correr atrás da especificidade da psicanálise para além da clínica e nos perguntarmos sobre o destino da polis. A hipótese de Miller[i] destacada por ela é de que a cidade não existe mais, só existia no mundo fechado, no universo infinito não há como. Somos deportados para fora de um lugar, onde a marca de gozos individuais e a pluralização de ofertas faz da cidade uma lembrança e nos confronta com o múltiplo. Marcela faz ressoar a importância de levar a escuta a esse campo e ler aí o mais opaco… E correr atrás.

As (entre)linhas, outra questão que Marcela faz reverberar: As ressonâncias aparecem nas linhas ou nas entrelinhas? Só conseguimos ler nas entrelinhas se há linhas, ao que devemos nos perguntar sobre o lugar da enunciação naquilo que se escuta, uma vez que se trata fundamentalmente de ler. Escutamos palavras nas linhas e escutamos o valor agregado, o valor de gozo, nas entrelinhas. Não é fácil tirar conclusões das comunicações dos pacientes, os materiais preciosos são recolhidos no fora de sentido, em toneladas de minério[ii] diz Freud. Ao que Lacan se aproxima apontando que se trata de escolher e recolher dos lábios dos analisantes. E Miller acrescentaria: Nenhum dos dois interpreta, é o inconsciente que interpreta, o que traz pontos fundamentais para a escuta. Ou seja, a interpretação deve sempre levar em conta isso que, no que se diz, há de sonoro, e que deve consoar com o que há de inconsciente.

O que há de sonoro no que se diz? Uma pergunta que levamos de Marcela como bússola nesta jornada. Costurando com Lacan em Columbia[iii], ela alinhava uma afirmação de que é o paciente que sabe fazer e nós estamos no lugar do resultado na medida em que favorecemos a escuta, no lugar de objeto e no avesso da fala que homogeneíza. O analista como drop out da civilização. Conforme o fio destacado a partir do argumento apresentado por Mariana, a interpretação analítica não está para ser compreendida e sim para produzir ondas. Trazer o turbilhão, o som e a fúria do que nada significa, a vociferação, o uivo de 1500 pessoas no show de Caetano, acontecimentos na polis que devem ser lidos, a partir de seus efeitos e suas consequências para o falasser.


[i] Disponível em revistavirtualia.com/artículos/5.
[ii] FREUD, S. Análise leiga, in Fundamentos da clínica psicanalítica. Obras incompletas, vol. 6. Belo Horizonte: Autêntica 2021.
[iii] Lacan in North Armorica. [recurso eletrônico]/F. Denez; G. C. Volaco (Orgs.). Porto alegre, RS: Editora Fi, 2016.
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