#05 - Outubro 2022
Ressonâncias da 2ª Atividade Preparatória para 3ª Jornada da Seção Sul
Licene Garcia
Participante da Equipe Editorial do Boletim Ressonâncias
“Se há alguma coisa que possa nos introduzir à dimensão da escrita como tal, é nos apercebermos de que o significado não tem nada a ver com os ouvidos, mas somente com a leitura, com a leitura do que se ouve de significante. O significado não é aquilo que se ouve. O que se ouve é significante. O significado é efeito do significante”
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 20: mais, ainda (1972-1973). Trad. de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 39.
A 2ª Atividade Preparatória para 3ª Jornada da Seção Sul foi marcada pela apresentação dos Eixo 1 “Do sujeito ao falasser: o problema de Lacan”, apresentado por Célia Winter, e Eixo 2 “Uma pontuação sem texto”, por Cinthia Busato. Em seguida, Henri Kaufmanner, teceu de maneira rigorosa e gentil, um percurso que elucidou o esforço de trabalho de Lacan em sua passagem, ao longo de seu ensino, do sujeito ao falasser.
Não podemos pensar a escuta analítica dissociada da ideia de interpretação, na medida que o analista faz parte do inconsciente. Assim, Henri nos diz que no último ensino de Lacan é isso que aparece e se constrói por ressonância. Tomando a ideia a que este Boletim se propõe, como caixa de ressonâncias, daquilo que fica, mas também retorna, não há como deixar de trazer um trecho do texto de Valéria Beatriz, sobre as ressonâncias da conferência de Marcela Antelo para a 1ª Atividade Preparatória, ao falar sobre o inconsciente e a interpretação. Cito: “é o inconsciente que interpreta, o que traz pontos fundamentais para a escuta. Ou seja, a interpretação deve sempre levar em conta isso que, no que se diz, há de sonoro, e que deve consoar com o que há de inconsciente”[i].
Ponto fundamental que Henri fez questão de reafirmar em sua fala quando retoma a noção de sintoma. O sintoma tomado somente em sua vertente de sentido, de cifração, de enigma, deixa de fora o que é pulsional, aquilo que afeta o corpo. Ao operar com o sintoma a partir de um esvaziamento de sentido, ou seja, operar com isso que da língua afeta o corpo, estamos do lado da verdade mentirosa. Em outras palavras, e conforme Henri nos bem diz: podemos traduzir uma frase porque ela toca em um sentido, mas não há tradução para o que há de sonoro em uma frase. O sonoro age, opera sempre por ressonância. Deste modo, a linguagem passa a ser uma elocubração de saber sobre o que de sonoro tocou um corpo, por meio de lalíngua.
Por isso, ao aproximarmos a linguagem mais da poética do que da informação, podemos evidenciar o valor de ressonância que ela produz, e ao analista cabe fornecer, pela sua presença, “a matéria que nasce entre o sentido e o som”, e a interpretação, “uma leitura, um híbrido entre significante e letra” nos diz Henri.
De acordo com Laurent[ii] “o psicanalista só consegue acertar o alvo se ele estiver à altura da interpretação operada pelo inconsciente, já estruturado como uma linguagem. […] é preciso não reduzir essa linguagem à concepção que a linguística pode ter dela, de uma ligação entre o significante e o significado. É preciso dar todo o seu lugar à barra que separa as duas dimensões e permite a topologia da poética. A função poética revela que a linguagem não é significação, mas ressonância, e evidencia a matéria que, no som, excede o sentido.” Por esse motivo, torna-se possível dizer que são as ressonâncias que produzem acontecimentos contingentes no corpo.
Miller[iii] em “Os trumains” nos diz que aprendemos a falar e isso deixa traços, tem consequências, e essas consequências chamamos de sinthoma, designando essa aprendizagem, essa tecedura, de “sociologia imediata do falasser”. Então, o que chamamos de interpretação, nos ensina Miller, é um ler de outra maneira, com a condição de ligar de outra maneira o S(Ⱥ), cernindo o saber que consiste no legível.
Uma análise conta sobre o modo que um sujeito se lê, como ele aprendeu a ler, no interior desse processo, se orientando por um litoral da letra e do gozo que encanta em seu jogo de leitura e escrita, onde não é preciso mais a ferramenta da fantasia para “se ler”[iv].
Sigamos em nosso trabalho tomando como bússola, isso que ressoa…