Esta terceira edição do boletim P U L S a R contempla, logo nas Ancoragens, dois…
Referências e Citações #3
Para este Boletim, o trabalho da Comissão centrou-se sobre as referências do eixo 2 e 3 da Jornada, a partir dos argumentos aportados por Célia Winter e Luis Francisco Camargo, recolhendo-as dos textos de Freud, Lacan e Miller e também de alguns testemunhos de passe.
Do eixo 3, nos interessou destacar a chave de leitura centrada sobre o gozo excesso e o gozo satisfação para tratar o paradoxo entre o prazer e o gozo. Lemos em Jesus Santiago que o “Gozo-excesso se caracteriza pela irrupção e transbordamento desse equilíbrio, gerando um desequilíbrio que se manifesta no sujeito de modo penoso e dispendioso […]. O gozo conflui para o sofrimento e o sublime se converte no horrível”, e ele acrescenta que [o] gozo-satisfação pode incluir o excesso e sintomatizá-lo uma vez que se mostra permeável aos poderes da fala[1]
SIGMUND FREUD
“Nos momentos mais importantes da narrativa percebe-se nele uma expressão facial muito peculiar, que posso entender apenas como de horror ante um prazer seu que ele próprio desconhecia”.
Freud, S. Obras completas, volume 9: observações sobre um caso de neurose obsessiva [“O homem dos ratos “]… [1909-1910] Companhia das letras pág. 26-27
“A força desse desejo logrou renovar o vestígio mnêmico de uma cena desde muito tempo esquecida, que lhe podia mostrar como era a satisfação sexual passando pelo pai; e o resultado foi susto, pavor, diante da realização desse desejo, recalcamento da moção figurada por esse desejo e, por esse motivo, fuga para longe do pai em direção à babá, mais inofensiva!”.
Freud, S. Da História de Uma Neurose Infantil. Caso Homem dos Lobos (1918) In: Histórias Clínicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2021- (Obras Incompletas de Sigmund Freud). p. 664.
“… Se Dora se sentia incapaz de ceder ao amor que sentia pelo homem, se afinal reprimia este amor em vez de render-se a ele, não havia um fator sobre o qual sua decisão pudesse depender mais diretamente do que seu gozo sexual prematuro e suas consequências – o fato de urinar na cama, o catarro, e sua aversão”.
Freud, S.Fragmento da análise de um caso de histeria. Edição Standart Brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Vol VII – Rio de Janeiro. Imago Editor. 1972 p. 84-85
“(…) a sexualidade não se limita a interferir(…) em algum ponto do andamento dos processos que caracterizam a histeria, mas que fornece a força motivadora para cada sintoma isolado, e para cada manifestação isolada de um sintoma. Os sintomas das doenças nada mais são do que a atividade sexual do paciente. (…) a sexualidade é a chave do problema das psiconeuroses e das neuroses em geral.”
Freud, S. Fragmento da análise de um caso de histeria. Edição Standart Brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Vol. VII 1972– Rio de Janeiro. Imago Editor, 1972, p. 111-112
JACQUES LACAN
“A gente o recalca, o tal gozo, porque não convém que ele seja dito, e isto justamente pela razão de que o dizer não pode ser senão isto – como gozo, ele não convém. Já adiantei isto há pouco pelo viés de ele não ser aquele que é preciso, mas o que não é preciso”.
Lacan, J. O seminário, livro 20: mais, ainda. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 83
“É no simbólico, na medida em que é lalíngua que o suporta, que o saber inscrito de lalíngua, que, falando propriamente constitui o inconsciente, se elabora, ganha do sintoma. (…) Isto não impede que o círculo marcado com S não corresponda a algo desse saber que jamais será reduzido. Isto é, a saber, a Urverdrangt de Freud, ou seja, o que do inconsciente jamais será interpretado.”
Lacan, J. A terceira. Opção Lacaniana, nº 62. São Paulo: Eólia, dez. 2011, p. 31
“Tanto o gozo fálico está fora do corpo, quanto o gozo do Outro está fora da linguagem, fora do simbólico. (…) a partir do momento em que captamos o que há (…) de mais vivo ou de mais morto na linguagem, a saber, a letra, é unicamente a partir daí que temos acesso ao real”.
Lacan, J. A terceira. Opção Lacaniana, nº 62. São Paulo: Eólia, dez. 2011, p. 32
“Nem por isso deixa de acontecer que se ela [a mulher] está excluída pela natureza das coisas, é justamente pelo fato de que, por ser não-toda, ela tem, em relação ao que designa de gozo a função fálica, um gozo suplementar. Vocês notarão que eu disse suplementar. Se estivesse dito complementar, aonde é que estaríamos! Recairíamos no todo”.
Lacan, J. O seminário, livro 20: mais, ainda. 2 ed. Jorge Zahar, 1985. p. 99
“Há homens que lá estão tanto quanto as mulheres. Isto acontece. E que, ao mesmo tempo, se sentem lá muito bem. Apesar, não digo de seu Falo, apesar daquilo que os atrapalha quanto a isso, eles entreveem, eles experimentam a ideia de que deve haver um gozo que esteja mais além. É isto que chamamos os místicos.”
Lacan, J. O seminário, livro 20: mais, ainda. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p.102
“O gozo dito fálico não é certamente, em si mesmo, o gozo peniano. (…) O gozo peniano advém a propósito do imaginário, isto é, do gozo do duplo, da imagem especular, do gozo do corpo. Ele constitui propriamente os diferentes objetos que ocupam as hiâncias das quais o corpo é suporte do imaginário. O gozo fálico, em contrapartida, situa-se na conjunção do simbólico com o real. Isso na medida em que, no sujeito que se sustenta no falasser, que é o que designo como sendo o inconsciente, há a capacidade de conjugar a fala e o que concerne a um certo gozo, aquele dito do falo, experimentado como parasitário, devido a essa própria fala, devido ao falasser.”
Lacan, J. O Seminário, livro 23: o sinthoma, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007, p. 54-55
“Quando fazemos essa emenda [entre S e I], fazemos ao mesmo tempo uma outra, precisamente entre o que é simbólico e o real. Isso quer dizer que, por algum lado, ensinamos o analisante a emendar, a fazer emenda entre seu sinthoma e o real parasita do gozo. O que é característico de nossa operação, tornar esse gozo possível, é a mesma coisa que o que escreverei como gouço-sentido [j´ouis-sens]. É a mesma coisa que ouvir um sentido.”
Lacan, J. O seminário, livro 23: O sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007, p. 70-71
JACQUES-ALAIN MILLER
“Ocorre que no começo da análise se pode perceber, já no sujeito candidato a antecipação, o pressentimento da satisfação, do gozo que ele encontrará na análise. Evocamos aqui casos surpreendentes em que a análise dura muito, ao passo que a elaboração é nula, em que o sujeito não apresenta uma implicação na sua fala. Esses casos evidenciam a satisfação encontrada pelo sujeito no modo de dizer que a análise lhe permite. Tratar-se-á de cernir como, na análise, essa pulsão é satisfeita no plano em que o sujeito é feliz. A pulsão nunca fracassa. Ela pode errar o alvo, mas sempre chega ao seu objetivo.”
Miller, J-A. Come iniziano le analizi. XI ENAPOL. tradução: Teresinha N. M. Prado, 1994, p. 13.
“La entrada en análisis, en tanto distinta de la entrada en el consultorio del analista, significa que la primera investidura se ha cumplido, que el analista, al que uno ha venido a ver quizás `por azar´, se ha convertido en el objeto, que ha habido elección de objeto. (…) La elección del objeto analítico es, como toda elección de objeto, propiamente transferencial en el sentido de Freud, el de la repetición. No hay amor que no esté fundado en una transferencia de libido a partir de los objetos primarias que son edípicos”.
Miller, J.-A., (1989) “Visto desde la salida”. En: Cómo terminan los análisis. Buenos Aires: Grama ediciones, 2022, p. 88.
“el objeto a hace al análisis finito: el a se puede separar de la cadena significante. el objeto a es lo que finalmente suplementa la cadena significante y su valor cambia según la trayectoria de la cura analítica. Sesión tras sesión, el valor propio del objeto a cambia según lo dicho antes.”
Miller, J-A. (1989) Lógicas de la vida amorosa. Em: Conferencias porteñas, Buenos Aires: Paidós, 2010, p. 19.
TESTEMUNHOS DE PASSE
Elisa Alvarenga
“É assim que chega à análise, devastada, se podemos dizê-lo, pelo imperativo de gozo do supereu. O primeiro ato do analista, que permitiu que essa análise pudesse acontecer, foi dizer-lhe não. (…). Pôs-se a trabalho, descobrindo a lógica implacável do inconsciente, cujo efeitos, sobre o corpo e nos afetos, a surpreendeu.”
Alvarenga, Elisa. «A fórmula que não existe». In: Miller, J-A. SANTIAGO, Ana Lydia (Org.). Aposta no passe. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2018. p.158.
“… passagem além do pai, … uma emergência pulsional, um retorno da libido até então profundamente mortificada ao longo do trabalho de análise, que agora exige satisfação, passa além da satisfação masoquista…”
Idem, op cit, p. 159.
Rômulo Ferreira da Silva
“Objeto oral colocava-se como objeto privilegiado – comer, beber, fumar-, mas o falar pôs em evidência o objeto voz.”
Silva, Rómulo Ferreira. «Toma!». In: Miller, J-A. SANTIAGO, Ana Lydia (Org.). Aposta no passe. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2018. p.201
“… um esvaziamento da satisfação (…) perda da consistência do gozo, que insistia em fazer com que a relação sexual existisse.”
Idem, op cit. 203.
Luiz Fernando Carrijo da Cunha
“No entanto quanto mais o ideal do saber avançava, mais eu me via preso nas malhas do gozo. A análise me mostrou, muito cedo, que o tédio que eu experimentava no exercício da profissão estava intimamente ligado à teia do sacrifício.”
Cunha, Luiz Fernando Carrijo. «Á sombra de uma sombra». In: Miller, J-A. SANTIAGO, Ana Lydia (Org.). Aposta no passe. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2018. p.231
“Na análise, a interpretação que recaiu sobre os meus desencantos por um posicionamento de interdição me despertou uma lembrança que fez série com a fixação do gozo pelo olhar”.
Idem, op cit, p.232.
“… calar a voz do Outro é fundamental, mas não o suficiente para uma nomeação, já que nessa medida, algo da pulsão permanece anestesiado!”
Idem, op cit p.233.
“(…) cada sessão era coroada por um vazio quase insuportável e um corte de sentido como alívio.”
Idem, op cit, p.234
Maria Josefina Sota Fuentes
“Os excessos da pulsão concentrados na demanda de amor desaguaram sobre a analista (…)”
Fuentes, Maria Josefina Sota. «Deixar-se escrever». In: Miller, J-A. SANTIAGO, Ana Lydia (Org.). Aposta no passe. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2018. p.. 239
“Afinal, por que insistir na demanda de amor à mãe-analista, se desde esse lugar é a voz do supereu quem responde, transformando o enunciado (…) em imperativo de gozo (…).”
Idem, op cit, p. 240
“um vazio fértil se foi aninhando, desestabilizando as identidades do sentido fixo conferido pela fantasia, incluindo, em sonhos, vazios no corpo e no saber da analista”.
Idem, op cit, p. 240
“Eis o Outro que desaparece, mas de um modo que era impossível imputar-lhe a carga do gozo que me concernia, da fantasia do Outro que me abandona cobrando meu sacrifício mortal. Inconsistente, o Outro desvanecia em sua real inexistência”
Idem, op cit, p. 242
[1] Santiago, Jésus. “O empuxo às adicções e a iteração do Um do gozo”. In: Gurgel, Iordan; Horne, Bernardino (orgs.). O campo uniano: o último ensaio de Lacan e suas consequências. Goiânia: Editora Ares, 2022, p. 295.