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REBOTALHOS ONZE

A dessemelhança entre os iguais: psicanálise e democracia

Fernanda Baptista

Fundado numa questão que subverte, ou dá uma volta a mais na temática do segundo Eixo da Jornada, que tem por título: A verdade não existe. Qual o lugar da democracia?, Romildo, cuja fala nomeou Será que a democracia é a verdade da política”?, parte da idéia de que a verdade existe e pode ser absoluta. Sem intenção de responder à sua questão, propõe um caminho a pensar a relação entre democracia e psicanálise.

Num percurso primoroso que destacará a verdade, a democracia e a política, Romildo as tensiona a partir de uma aporia que muito interessa à psicanálise: haveria compatibilidade entre democracia e psicanálise, se esta tem como a sua maior conquista a própria singularidade? De outro modo, se se trata numa psicanálise de atingir a diferença absoluta, a singularidade radical, o que a psicanálise tem a ver com a igualdade democrática?

Numa referência musical, Romildo sugere que é preciso incluir um bemol e pensar uma democracia que possa incluir a diferença. Como numa imagem que alude à igualdade e à diferença numa relação moebiana, sem se saber ao certo quando uma passa a outra.

De um lado se tem a idéia de uma igualdade universal, e de outro, que Lacan irá se apoiar, uma ideia de democracia que não é em si absoluta, mas que busca uma pragmática, um objetivo específico que una esses iguais, porém diferentes: o Cartel aparece aqui como paradigma. O modelo do universal, apresentado por Freud em 1921 em Psicologia da Massas e análise do Eu, se baseia na idéia de que um grupo se forma a partir de uma identificação a um ideal. A essa identificação Freud chamou de vertical. A partir do ideal, se constrói a identificação horizontal, entre os mesmos. Esse é o modo de funcionamento de grupos como o do exército, igreja, irmãos, como Romildo nos lembrou a partir de Freud.

É uma discussão muito atual que Romildo provoca ao lançar a questão de que se pode escorregar com alguma facilidade de uma relação democrática entre iguais para um regime totalitário, se este está referido a um Outro ideal, ao Outro como o dessemelhante por excelência, já que nenhum do grupo alcança o ideal. E se o fundamento da democracia, como retoma a definição de Marilena Chaui, é justamente manter vazio o lugar de poder, vazio de ideal, de mestre, seria tarefa da psicanálise sustentar a diferença, a própria dessemelhança entre os iguais, sem que com ela se resvale na queda da democracia? A aposta é que sim.

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