#05 - Outubro 2022
« ¿Qué se escucha en la escucha analítica? »
Carlos Sapelli
Participante das atividades da EBP-Sul
“A entrada do falasser na linguagem inaugura um momento que a psicanálise concebe como traumático: encontro contingente de lalíngua com o corpo que constitui um real fora de sentido. Esse encontro marca o falasser produzindo um modo de gozo singular. Marca, pedaço de real, que é possível se desvelar em um percurso de análise. Nessa direção, a orientação maior do tratamento analítico consiste em servir-se do equívoco para recorrer à pura sonoridade dos significantes, de lalíngua, a fim de ter a possibilidade de tocar o real.” (BAPTISTA; FONTE, 2014, p. 75)[1].
Para que o ressoar prolongue o seu alcance, nada como produzir sons mais além dos ecos. Este breve escrito, assim, repercute alguns ruídos do que se ouviu em torno da escuta que se pretende analítica, isto é, fazer dela, ou melhor, chamá-la efetivamente de escuta analítica. Lacan, no Seminário 18[2], ao falar da dimensão do sintoma (pois é dele que se sofre), a meu ver, trouxe uma consideração que contempla, ao mesmo tempo, a fala e os ouvidos abertos de quem participa da experiência analítica: “A dimensão do sintoma é que isso fala. Fala inclusive com os que não sabem ouvir. E não diz tudo, nem mesmo aos que o sabem.” (p. 23, grifo meu). O sintoma, então, não está descolado do sofrimento daquele que procura uma análise, e, para transmutá-lo, o ser falante recorre à palavra, único meio pelo qual dispõe para seguir analisante diante do sem sentido do mundo. Para tanto, percorrerá suas construções fantasmáticas em articulações significantes, portanto, passará pelo sentido, mesmo que no horizonte esteja um esvaziamento, uma opacidade, a partir do que foi decantado no simbólico. Levando em conta tanto o primeiro quanto o último ensino lacaniano, trago isso com o intuito de formular que a escuta de um psicanalista se dá pela via da interpretação, desde as leis da cadeia significante que pedem no mínimo S1-S2 à primazia posta no real como produto do que está fora do sentido, porque se distância da semântica.
Miller[3], na escolha pela expressão da escuta do sentido à leitura do fora de sentido, desenvolve alguns argumentos interessantes, dentre eles, daquilo que se trata com relação à psicanálise (no qual é preciso estar de acordo) é o caso de dizê-la pela questão de escuta. Se a escuta não a define enquanto prática, a escuta, por sua vez, renova-se nos movimentos de equivocação e descontinuidade, ou seja, o que está para ser lido precisa ser escutado.
Nesse ponto de viragem da primeira à segunda clínica lacaniana, há uma precisão para o: “Que se diga fica esquecido detrás do que se diz no que se ouve. No entanto, é pelas consequências do dito que se julga o dizer. Mas o que se faz do dito resta aberto […]”[4] (p. 22). Parece-me que nessa abertura, tal como uma porta que se abre em sua dobradiça, resta o inesperado da palavra, mas de um corpo afetado pela palavra, ou, ainda, da palavra afetada pelo gozo. Na escuta, desse modo, remete-se à exigência pulsional, ao regime ou modo de gozar, ao real do qual se faz hiância, efeito de corte, acontecimento, imprevisibilidade, escritura.
A todo tempo, há que distinguir a popularidade do que se propaga pelo nome de escuta, de um lado, da especificidade de uma escuta analítica propriamente dita, de outro. Para mantê-la viva, é necessário sustentar por meio da linguagem (elucubração sobre lalíngua) uma leitura das letras de gozo, “das letras que ex-sistem nos ditos”[5] a seguinte pergunta-título: o que se escuta na escuta analítica? Pergunta essa que continua a fazer barulho e, assim como a ressonância desta escrita, pertence à conferência Ler analíticamente: abstenção do sentido, realizada pela convidada Clara Holguín (AME, NEL Bogotá/AMP) na noite da IV Preparatória da Jornada que está por vir.