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“Que invenção genial!”

Maria Luiza Rovaris Cidade
Adriana Rodrigues

Arte: Jaider Esbell

Se em “O cartel no centro de uma Escola de psicanálise”[1], Miller denuncia uma certa deserção do cartel no início dos anos 1990, podemos pensar, a partir do que temos recolhido em nossa experiência na EBP-Seção Sul que, nesse momento pós-pandêmico e com novas formas de mal-estar, o Cartel tem sido retomado como dispositivo e modo de trabalho privilegiado na formação do analista na Escola.

Foi o que presenciamos, mais uma vez, no dia 20 de março, quando realizamos, como primeira atividade do ano, o “Procuram-se Cartéis”. Foi uma noite marcada por uma demonstração viva pelo desejo de Escola, expresso nas conversas que se fizeram e na formação de quase uma dezena de cartéis, a partir de um encontro online que reuniu participantes de diversas localidades da região Sul do Brasil. Fato esse que nos traz um desafio: como manter abertas as portas da Escola para aqueles que as atravessam pela primeira vez, capturados por um traço singular da orientação lacaniana? Parece que aí a Escola tem também seu lugar e responsabilidade.

Além do cartel, o intercâmbio se mostrou não apenas como resistência ao mal-estar, tal como propusemos em nosso projeto de trabalho[2], mas também como uma forma de estarmos atentos à cidade, à cultura e à vida. Nem sempre um intercâmbio acontece de fato. Nohemi Brown afirma que: “mais do que extrair um saber de outra disciplina ou oferecer o nosso, é possível localizar o limite do saber e, a partir dessa troca, abrir brechas que, não sem surpresa, forçam ao bem-dizer ou a um forma, por vezes, inédita de considerar uma questão” [3].

“Das outras formas de pensar o sonho: a experiência onírica para os Ava Guaranis”, foi o tema da Noite de Intercâmbio que realizamos em 22 de maio, onde foi possível o encontro de diferentes saberes, mesmo a partir da hiância entre eles: Antropologia e Psicanálise postas à prova em uma composição singular sobre os sonhos para o povo Guarani e para a prática da Psicanálise. Junto com a Antropologia e a convidada Denize Refatti, em sua função de “bem-dizer os Ava Guaranis”, foi possível pensar a morte e as feridas históricas dos povos indígenas e um mais-além: a afirmação da vida e dos sonhos como formas de resistência ao mal-estar colonial.

Por fim, a Jornada de Cartéis encerrou o primeiro semestre de 2024 com potentes encontros de corpos, ideias e novos interesses de pesquisa. Com o tema “A centralidade do cartel na formação do analista”, a Jornada, realizada nos dias 28 e 29 de junho, reuniu vinte e um trabalhos desenvolvidos em sete cartéis que, atravessados por esse momento efervescente de construção e trocas, fizeram sua dissolução.

As convidadas Gabriela Grinbaum (EOL-AMP) e Marilsa Basso (EBP-AMP e atual Diretora de Cartéis e Intercâmbio da EBP) captaram e transmitiram muito bem o tom do que se produziu nesse encontro, nos trazendo suas contribuições de um lugar de muito entusiasmo com o dispositivo, a Escola e com as surpresas do momento que estávamos construindo ali. Gabriela destacou a ideia de que “cada encontro de cartel é uma conversação em psicanálise (…) uma conversação impulsionada pelo desejo”. É o que explica que um dispositivo que privilegia e escancara o furo no saber se sustente e impulsione uma produção em contraposição a uma inibição. Gabriela chama a atenção para um outro ponto fundamental que é a proximidade entre o Mais-um e o feminino, já que é somente a partir de uma “posição de não saber” que essa função pode ser exercida de modo a sustentar um cartel. “Que invenção genial!”, nos disse Gabriela, e compartilhamos do mesmo sentimento.

Trabalhando na perspectiva de que “o cartel é uma experiência que comporta o real”, Marilsa Basso trouxe suas contribuições enfatizando o cartel com seus dois lugares de funcionamento fundamentais: como porta de entrada para a Escola e como meio para realizar o trabalho de Escola. “O cartel é um possível nó que vem amarrar as peças soltas” para que algo possa se produzir na intersecção entre as tantas diferenças, atravessamentos e o traço de cada um. Para além de ser a porta de entrada para a Escola, é também um lugar de onde se pode interpretar a Escola, “é um lugar de laço que também desenlaça”, permitindo assim que, nessa experiência que se faz num movimento contínuo, a psicanálise continue afinando e afiando sua lâmina cortante e sua presença no mundo.


[1] MILLER, J. A. O cartel no centro de uma Escola de psicanálise. In: BROWN, N. (Org.). Cartel, novas leituras. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2021. p. 19-29.
[2] O cartel como forma de resistência ao mal-estar na cultura e a formação do analista. Disponível em: https://ebp.org.br/sul/carteis-e-intercambio/
[3] BROWN, Nohemi. Momentos de Inter-câmbio – Apresentação. Correio Express, 2019. Disponível em: <https://www.ebp.org.br/correio_express/2019/09/11/momentos-de-inter-cambio-apresentacao/>.
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