Gustavo Ramos (EBP/AMP) Teresa Pavone (EBP/AMP) O VI Boletim da Seção Sul, assim como…
PRIMEIRA NOITE DE BIBLIOTECA
A inexistência do Nome-do-Pai
Por Gustavo Ramos da Silva
No dia 5 de maio de 2021 tivemos a primeira Noite de Biblioteca da Seção Sul da Escola Brasileira de Psicanálise sob a coordenação de Teresa Pavone. A primeira convidada foi Nieves Soria (EOL/AMP) para lançar seu último livro La inexistencia del Nombre del padre, pela editora Del Bucle de Buenos Aires.
O livro teve diversos começos, nos diz Nieves, ao relembrar que ele começou a ser escrito quando de sua primeira análise e, também, com os diálogos com seus amigos na universidade. Em 2017, no âmbito da EOL, ministra um seminário sobre a inexistência do nome do pai. Alguns anos depois, no entanto, devido a um processo de luto em sua vida, algo se decantou e a necessidade de sistematizar aquele seminário surgiu de maneira decidida. A rigorosidade universitária, diz ela, possibilitou uma certa ordem nos papéis.
Um acontecimento marcou a própria realização da Noite de Biblioteca a partir de uma tradução automática feita pelo Facebook do título em português ao espanhol. “A inexistência do Nome do pai” foi traduzido por “La inexistencia del nombre del sacerdote”, abrindo uma dimensão religiosa presente mesmo na teorização do início do livro de Nieves: nome, pai e padre.
Claudio Godoy, no prólogo ao livro, fala que o Nome do Pai se torna, no ensino de Lacan, não somente um nome, mas também um ato de nomeação e de enodamento dos registros. (p. 8) Isso levanta, de um lado, a questão da pluralidade das versões do pai e, de outro lado, o quase desaparecimento da dimensão existencial presente no ensino de Lacan.
Se o ser se sustenta nas ficções da linguagem – muito bem lido por Lacan com o conceito de falasser -, com o fato de não se tratar “de um ser que fala, mas de um falante que, ao falar, cria a ficção do ser”, “a existência adquire um estatuto de real ligado a um dizer e a uma função de exceção”. Com isso, resume Godoy, a existência é o Há e a inexistência é o Não Há.
O debate teve início com essa visada ao ouvirmos de Nieves Soria que a inexistência do Nome do Pai provém do Outro que não existe, tocando em um ponto muito importante este ano na Seção Sul, que é o tema do “…que não existe”, em direção à 2a Jornada da Seção Sul, em outubro de 2021, e à Grande Conversação Virtual Internacional da AMP, em abril de 2022. Jacques-Alain Miller, no texto “Foraclusão generalizada”, afirma que “dizer que o Outro não existe não significa, evidentemente, que ele não funcione. É necessário precisar o termo existir.” (p. 16) Poderíamos partir da precisão milleriana e pensar o mesmo com relação ao nome do pai? O nome do pai não existe, mas funciona? Um pouco como a afirmação lacaniana de prescindir do pai com a condição de se servir dele. Em última instância, o problema levantado é como um operador pode não existir, mas funcionar. Essa é uma questão importante para irmos delineando e aquecendo as discussões.
Outra questão importante no debate foi sobre a discussão jurídica a partir da premissa filosófica nietzscheana de que Deus está morto, culminando na não presença do Nome do Pai. Quem fica responsável pelo ato, tanto o ato paterno como o ato sexual? Fica para o âmbito jurídico o ato, mas o jurídico gira em torno de um furo, e o problema é que hoje os significantes podem descambar para uma judicialização sem fim, fazendo com que a linguagem se transforme num campo de batalha onde não há vencedores.
A última questão do debate foi sobre a problemática do nome – próprio e do Pai – e o fato de as novas estruturas não terem nome com a perda da consistência do nome. O caso Hans, segundo Nieves, pode ser um exemplo de inexistência do Nome-do-Pai, pois não é o pai do neurótico nem do psicótico, mas um analista pode fazer o Nome-do-Pai funcionar, apesar de ele não existir, ecoando um pouco uma problemática contemporânea, tanto na cultura quanto na psicanálise: as instituições tiram o nome do pai do pai. Sob essa premissa, quando isso acontece, pode-se postular uma volta do pai, uma nova encarnação no pai, ou podemos apostar no discurso analítico e na construção de uma ficção do ser como dissemos antes. Se não se encontra mais o fundamento na lei, no estado, na natureza, ou até mesmo em Deus, faz-se apelo a uma ficção possível a partir desse não fundamento, desse furo no próprio discurso jurídico, e, com isso, dar uma certa delineada nesse elemento sem nome.