#04 - SETEMBRO 2023
Para cernir um corpo real
Por Rafael Marques Longo[1]
Sustentar a questão do corpo no lacanismo é se deparar com as limitações da linguagem para apreender o que é impossível de ser apreendido; é apostar nas torções da linguagem para se aproximar do que não tem lugar; é suportar a presença de um corpo que é menos prova de vida do que de horror.
“O corpo é condição para que haja corpo” foi o lapso com que me deparei ao traduzir um trecho de Habeas Corpus (Miller, 2016) para este escrito. A ideia era a de apresentar uma redução do texto nos seguintes termos: “o corpo é condição para que haja gozo”, que é como podemos ler o que propõe Miller e nos permite tomar o gozo como báscula da ex-sistência de um corpo.
Mas, afinal, que gozo?
Por Lacan d’A terceira, podemos lograr algumas noções. Se se trata de um gozo fora do corpo enquanto imaginário, é gozo fálico; se se trata de gozo fora da vida enquanto real, é gozo sentido; se se trata de gozo fora da linguagem, é gozo Outro. O gozo Outro é precisamente o gozo que denuncia a ex-sistência de um corpo real, distinto do corpo como o falasser melhor pode concebê-lo. A interseção entre Imaginário e Real aponta para aquilo que sai fora a todo instante.
Ao consentir com o lapso produzido, seguindo Lacan d’A terceira, cabe dizer que, aquilo que sai fora a todo instante, só pode ser tomado em acontecimento, no encontro da torção de outros registros, o que implica em tomar o que se goza como prova viva da ex-sistência de um corpo real.
Como, enfim, advertidos de que os registros tendem à soltura, operar em prol de enganches e não de desenganches na clínica psicanalítica? Parece-me: não há como não se orientar por uma clínica borromeana. Ou, como afirma Lacan (1974), “Felizmente nós temos a matemática topológica para nos dar um suporte”.