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O que se traduz em psicanálise?

 Paula Lermen

“O que está em jogo no ato da tradução?” e “De onde se traduz?” são perguntas que Teresinha do Prado (EBP/AMP), tradutora de Lacan, nos traz na Noite de Biblioteca e que ficam conosco, abrindo outras perguntas. A questão da primazia da forma ou do conteúdo, que é uma questão sempre presente na tradução, especialmente na poética, se manifesta em termos lacanianos como a distinção entre o sentido e a materialidade da palavra (como coloca Miller, entre o significante-sentido e o significante-gozo). Para o formalismo russo, corrente linguística com a qual Lacan dialogava, a forma é o conteúdo: o artifício operado pelo autor sobre a palavra é a parte mais fundamental do que o leitor vai ler.

O tradutor orientado por um desejo de transmissão da causa psicanalítica se orienta também por um ideal de destituição de si, já que não caberia a ele colocar ali nada de seu (PRADO, 2021). Mas ao mesmo tempo, Teresinha nos mostra que o desejo do tradutor também tem a ver com a transmissão de algo que “o toca como leitor” e quando dizemos algo que o toca, estamos falando da materialidade da palavra, do acontecimento de gozo.

Como poderíamos pensar essa destituição do tradutor? Que lugar é esse de onde se traduz? Ele tem algo da posição discursiva universitária, ao orientar-se pela reverência ao original? Podemos pensar que tem algo do ato, como na posição do analista?

Em seus escritos, Lacan escreveu: “Uma língua, entre outras, não é nada além da integral dos equívocos que sua história deixou persistir nela” (LACAN, 1973/2003, p. 492). Mas em seus seminários, Lacan não escrevia, ele vociferava (MILLER, 2023). Uma enunciação combativa, irônica, permeada de interlocuções, poética, enigmática. Essa enunciação é objeto perdido, mas também é objeto a. Talvez por isso a tradutora nos fale de fracasso quando nos fala do recurso às notas explicativas como uma “deposição de armas”.

Entre as vociferações de Lacan, as transcrições, o estabelecimento do texto, a tradução e a leitura de cada um, há um longo caminho pontilhado de impossível, de perdas e equívocos. É o caminho de toda linguagem, é o caminho em que seguimos.


LACAN, J. (1973). O aturdito. In:___. Outros escritos. Trad. de Vera Ribeiro. RJ: Jorge Zahar, 2003.
MILLER, J.A. Todo el mundo es loco. B.A.: Paidós, 2023.
PRADO, T. O que se traduz? In: Opção Lacaniana. SP: Eólia, n. 83, 2021.
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