Gustavo Ramos (EBP/AMP) Teresa Pavone (EBP/AMP) O VI Boletim da Seção Sul, assim como…
O efeito de form-ação da experiência de Escola
Verônica Paola Montenegro
O primeiro ponto que reverberou em relação ao significante experiência foi que, quando se trata de apostar em transmitir algo dela, tenta-se fazê-lo desde uma posição singular, o que me leva a recortar três momentos que dividem um tempo lógico, sobre os efeitos de form-ação na experiência de Escola. O primeiro momento é o tempo de formação percorrido em Buenos Aires, participando de várias instituições, mas de nenhuma em particular; o segundo momento é a porta de entrada da Escola com o primeiro cartel na EBP, à época na seção SC; e o terceiro momento é no ano passado, com o envio da carta de intenção para a Diretoria da EBP — este envio, graças a um ato do analista, me leva ao momento de concluir, e então algo cai.
Existiu um trecho do percurso onde a formação aconteceu por fora da Escola, uma formação mais do lado da aprendizagem[1], mas há uma diferença radical desde o momento em que a Escola faz parte, e entendo que se trata de duas coisas: o lugar do Outro da Escola, que aparece com um outro tom, “um lugar além do Outro”, maneira de nomear que irrompe na análise, permitindo o movimento a partir do furo no saber e, então, abrindo um desejo em relação à psicanálise desde outro lugar; e o outro ponto são os outros das transferências de trabalho, mas não só — os outros que também viram amigos, efeitos nos laços que produzem marcas indeléveis. Estes dois pontos trazem uma orientação e um contorno à solidão da causa analítica que fizeram uma diferença radical na formação, irrompem um compromisso em relação ao desejo de Escola que anima e vai além de nomeações imaginárias, trata-se de um lugar que vai se modelando como consequência do esvaziamento de alguns pontos de gozo. Um lugar que, desde o início, não tinha uma forma particular, e que vai, com o tempo, de-formando uma form-ação singular. Trata-se de “forma” no sentido de algo que se constrói; de “deformação” no sentido de esvaziar o imaginário; e de “ação” no sentido tanto do movimento quanto do compromisso em relação ao Desejo de Escola.
Mauricio Tarrab (2023) traz uma precisão em relação ao lugar dos outros se referindo à apologia dos prisioneiros e trazendo a frase de Lacan (1945 [1998], p. 212): “E também que se, nessa corrida para a verdade, é apenas sozinho, não sendo todos, que se atinge o verdadeiro, ninguém o atinge, no entanto, a não ser através dos outros”. A lógica do coletivo na Escola de Lacan não é a de um grupo, não se trata da soma das suas individualidades, “é […] o sujeito do individual” (LACAN, 1945 [1998], p. 213, nota 6), o que nos traz o paradoxo de que estar na Escola não significa deixar de estar só. Há uma tensão que se sustenta, de maneira singular, entre a solidão da causa e os laços com alguns outros. Seguindo com a apologia e apontando a orientação da política lacaniana, Tarrab (2023) menciona que estarmos na Escola como analisantes é não saber a cor do disco que temos nas costas, mas é com os outros que temos a opção de nos orientar — este texto se intitula, em tradução livre, “Sozinho, com os outros”, uma vírgula que demonstra que há um espaço entre a solidão da causa, sempre singular, mas que, para se sustentar em uma orientação, não tem como ser sem os outros. Poderíamos pensar que o que movimenta a causa de cada um tem um ponto de real e que, então, é por isso que não temos como saber qual é o disco que temos nas nossas costas? Se soubéssemos, seria psicanálise? Se assim fosse, pareceria apontar a um saber que é possível de entender, assimilar e então aplicar; a orientação lacaniana não se desloca como uma flecha, diz Tarrab (2023), só se consideramos a flecha zen, ali então está, além do impossível, a contingência.
Então, o real, o impossível e a contingência — poderíamos pensar que são questões em comum na Escola? É possível pensar em algum lugar em comum na Escola sem cair numa identificação imaginária de grupo? Tarrab (2023, p. 39, tradução nossa) traz duas perguntas apuradas para ajudar a pensar essas questões: “A que damos consentimento neste laço peculiar que é a Escola? A que consentimos em identificar na nossa comunidade da Escola?”. Ele contorna estas perguntas apontando que se trataria de compartilhar o dever mas também o desejo de subjetivar o que encontra de cada um na sua própria análise como sua causa singular, e apostar em um bem dizer sobre este ponto. Este bem dizer, já nos inspirando no tema das jornadas, tem a ver com a diferença, refere o autor: “O dizer na Escola dá conta desse consentimento que deve ser o de cada um […] Será um bem dizer se faz a diferença, se respeita seu fora da norma […]” (TARRAB, 2023, p. 39, tradução nossa). Então, será que o lugar em comum que temos na Escola é o singular da causa que escancara, ao mesmo tempo, o fora do comum? Parece ser fora do comum estarmos advertidos de que não se trata de evitar o Um da solidão, e ao mesmo tempo se pode apostar no consentimento dos laços com alguns outros para dar um contorno.
Afinal, o paradoxo é essa tensão que se sustenta entre a solidão e os outros, entre a causa e o consentimento, entre o coletivo que se constrói habitando a Escola, mas também o trabalho analítico em torno da própria solidão da causa que nos move e da ética que orienta o desejo de cada um. Miller (2023, p. 227, tradução nossa) nos esclarece: “Somente se pode sustentar a psicanálise — se é que isto é possível — colocando em questão o ser do analista” — o analista é produto da sua análise, e não do exercício da sua prática, o que pode nos orientar de que a maneira de habitar a Escola é como analisantes, causados, motorizados pelo não saber, apostando no trabalho incessante de estarmos advertidos do real que a orientação lacaniana propõe: um real que insiste na análise, na formação e na experiência de Escola.