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O discurso e o fora do discurso

Helenice de Castro
EBP/AMP

[Foto de Lina Sumizono – Cura – Festival de Curitiba, 2022]
A partir de uma perspectiva política, o Eixo 2 da 5ª Jornada da EBP-Seção Sul interroga como o analista pode estar à altura do acontecimento imprevisto. Nessa direção, destacaria um primeiro ponto que esteve presente nas conversas do cartel[1] destinado a discutir esse tema visando à atividade preparatória à Jornada.

Partimos, então, da busca por identificar com qual categoria de política operamos quando temos por referência a psicanálise de orientação lacaniana; ou mesmo, qual concepção de política estaria em jogo na tese lacaniana de que o “inconsciente é a política”?

Essa pergunta levou-me a uma outra questão extraída agora do argumento apresentado por Flávia Cêra.

Ali, ao descrever alguns dos desafios políticos de nossa época, Flávia nos fala das disrupções de gozo quando do encontro dos sujeitos contemporâneos com um real. Surge, então, a questão: “Isso que acontece no corpo (ou seja, essa disrupção de gozo) estaria fora do discurso ou aprisionado por ele?”[2].

Se nos encontramos hoje num mundo da inexistência do Outro – o que faz com que preponderem os sintomas como disrupções de gozo ou mesmo como patologias do excesso, colocando em cena a face do Um sozinho do gozo sintomático que não quer dizer nada a ninguém e que desconhece o Outro –, podemos arriscar a dizer que “isso que acontece no corpo” diante da hiância entre fala e gozo estaria preferencialmente fora do discurso. Mas se chegamos à conclusão de que prevalecem hoje manifestações corporais fora do discurso, por que então dar ênfase ao discurso no título da Jornada da EBP-Seção Sul? Ou mesmo, como falar de corpos aprisionados pelo discurso, como nos propõe Lacan na última lição do Seminário 19, expressão que inclusive inspirou o título do próximo Encontro Brasileiro do Campo Freudiano?

Sem me estender muito mais, gostaria com essas questões de relançar uma discussão sobre as noções de discurso e de fora do discurso em nossa atualidade clínica e política. Pois, parece-me que essa tese lacaniana de que “o inconsciente é a política” pode ser lida tanto pela via de que o inconsciente é o que atravessa os corpos como discurso, quanto também pela via do acontecimento imprevisto, que se apresenta fora do discurso em sua dimensão contingencial de um real sem lei.

Portanto, a política que interessa a psicanálise seria aquela que visa fazer emergir um dizer à altura do acontecimento imprevisto, ou seja, um dizer que permite desfazer a captura pelo sentido produzido pelo discurso ao fazer ressoar no corpo o que resta fora da linguagem.

 

[1] Cartel fulgurante: Nancy Greca Carneiro, Diego Cervelin, Jussara Jovita Souza da Rosa, Mariana Dias, Mais-Um: Helenice de Castro.

[2] Cêra, F. Estar à altura do acontecimento imprevisto. Site da 5ª Jornada da EBP-Seção Sul. Disponível em: https://ebp.org.br/sul/eventos/jornadas/5a-jornada-da-ebp-secao-sul-discursos-e-corpos-a-causa-do-dizer/5a-jornada-da-ebp-secao-sul-discursos-e-corpos-a-causa-do-dizer-eixos-tematicos/5a-jornada-da-ebp-secao-sul-discursos-e-corpos-a-causa-do-dizer-eixos-tematicos-eixo-2-estar-a-altura-do-acontecimento-imprevisto/

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