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O analista e seu corpo: suporte para que o objeto se encarne

 Rafaela Maester

Fotografia de Susan Sena – E.L.A – Festival de Curitiba, 2023

Para que uma análise aconteça é necessário que o analista exista como uma presença, como uma posição que possa operar alheia ao sentido. É possível afirmar que a escuta clínica testemunha uma série de eventos corporais que escapam de uma interpretação pela busca de sentido e que se direciona para além da narrativa apresentada pelo analisante.

Na clínica do falasser o analista ocupa o lugar de semblante de objeto a, ele se faz presente para ocupar um lugar de objeto e não para ser tomado como um semelhante.

Márcia Rosa[1], no texto Lacan e alguns lugares do corpo do analista sob transferência, nos diz:

Se o objeto a se presta ao laço social, oferecemos, no mercado, o objeto-a-nalista. Ele é um corpo sobre o qual o objeto pode encarnar-se. Ter passado por uma análise lhe permite oferecer seu corpo esvaziado de gozo, para que o objeto possa aparecer aí…O analista deve saber alojar esse vazio. Ali onde estava o objeto mais-de-gozar do analisante advém o objeto causa de desejo no ato analítico. O analista, mais do que sustentar a causa de desejo do analisante, passa a encarnar a caixa de ressonância que permite fazer escutar a voz que ressoa e passa, a voz de ninguém, uma voz que fala sozinha! Resta o laço entre dois vazios.

Partindo dessa orientação é possível pensar a respeito do lugar do corpo do analista na escuta clínica, levando em conta que faz uso deste na interpretação, corpo no qual também carrega seus restos de gozo ou restos sintomáticos. Sobre esse ponto, Lacan no Seminário 23, afirma que é a partir do equívoco que uma interpretação opera e assim se faz possível intervir a partir de uma interpretação que se orienta de maneira a não alimentar o sentido do sintoma.[2]

E ainda, para além da interpretação, segue o analista como presença viva que pode fazer ressoar através da vibração da voz, do olhar, da própria movimentação do corpo a vivacidade necessária na escuta de cada caso. Ao contrário de outros tempos em que se falava em indicações de análise, Miller pontua que “na época do falasser, digamos a verdade, analisa-se qualquer um. Analisar o falasser demanda jogar uma partida entre delírio, debilidade e tapeação. É dirigir um delírio de maneira que sua debilidade ceda à tapeação do real.”[3]

Lacan nos aponta que a psicanálise é um laço a dois, laço este que se encontra no lugar da falta de relação sexual. Pontua que o analista tem por missão enfrentar o real[4]. Tomada por essa orientação e atravessada pelo tema proposto nessa 5ª Jornada da Seção Sul da Escola Brasileira de Psicanálise, me ocupo de pensar em uma escuta clínica que possa ir além da busca de sentido, que se comprometa a encarnar essa caixa de ressonância.


[1] ROSA, M. Lacan e alguns lugares do corpo do analista sob transferência. In: Revista Curinga. Belo Horizonte: EBP-Minas Gerais. n. 52, jul/dez 2021, p.98.

[2] LACAN, J. O Seminário, livro 23: O sinthoma. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2007, p.18.

[3] MILLER, J-A. O inconsciente e o corpo falante. Apresentação do tema do X Congresso da AMP, 2016. Disponível em: https://www.congressoamp2016.com/uploads/8d43a017ed95340e07f9ca4dbb5cb235eb472a04.pdf

[4] LACAN, J. A terceira: Teoria de Lalíngua. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2022, p.29/31.

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