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Noite de Biblioteca: Os psicanalistas e o desejo de ensinar
Paula Lermen

A Noite de Biblioteca de 3 de outubro aconteceu em um Auditório da Universidade Federal de Santa Catarina, porque pareceu-nos o lugar perfeito para que Graciela Brodsky nos apresentasse seu livro sobre o desejo de ensinar. Graciela nos lembra que Lacan sempre apostou em disputar o terreno da Universidade, inclusive pela função que a Psicanálise pode ter junto aos demais saberes com os quais ela dialoga. A partir da reflexão sobre os quatro discursos formulados por Lacan, ela nos ajuda a situar a questão do ensino na orientação lacaniana. Retomo aqui pontos que ecoam:
O que um analista deve saber?
Freud propôs que o analista devia saber algumas coisas: mitologia, literatura, as ciências humanas. Em “Talvez em Vincennes”, texto norteador para refletir sobre a Psicanálise no âmbito universitário, Lacan acrescenta à lista outros saberes que se propagam no discurso universitário, como a topologia, a linguística, a antifilosofia. O saber do tipo “acumulativo” faz parte da formação, mas, acima de tudo, o analista é aquele que sabe ignorar o que sabe [1]. Os universitários aos quais se referia Lacan no Seminário 17 eram aqueles que liam e comentavam psicanálise sem a praticar: Foucault, Derrida, Deleuze [2] e Graciela aponta que hoje são Butler, Badiou, Zizek, e penso que certamente poderíamos acrescentar Paul Preciado. Porém, o analista em posição de ensinante, como Lacan na universidade da cidade de Vincennes, ensina desde outra posição: o analista que transmite fala como sujeito dividido, porque está dividido tanto por sua própria análise como por sua própria formação. E a formação tem sempre a marca do trauma, justamente porque ela está assentada sobre a falha no saber. O próprio ensino de Lacan é traumático: o texto que nos divide, que nos faz sentir que somos incapazes de compreender, constitui “um efeito de formação ante o qual Lacan nunca retrocedeu” [3]. A formação acontece a partir desses momentos traumáticos de encontro com a falha no saber, momentos de trans-formação, como o que se passa com Freud quando Dora vai embora. Digamos assim: um ensinante não está no discurso do analista, mas a dimensão da falta na linguagem, o A barrado, está sempre no horizonte de saber do analista que ensina.
Todos os discursos estão assentados sobre a falta, nos diz Graciela, mas alguns discursos se ocupam de desvelar a falta, como o histérico, e outros se empenham em escamoteá-la, como o universitário, que busca tamponar toda falta com saber, com o saber-todo. Mas o analista em posição de ensinante fala sem dominar o que diz, desde a borda de seu saber. Por isso se pode falar em “escândalo da enunciação” [4] quando se trata de tomar a palavra no âmbito da Escola, quando o que se desvela é uma tensão entre o saber exposto e o saber suposto. A transmissão em Psicanálise é enunciação, e, como tal, é fundamentalmente movimento, e só aí sabemos não estar no discurso universitário.
Por que se ensina?
A transmissão inclui o gozo, o sintoma, é uma solução que amarra algo para aquele que transmite [5]. Lacan se dizia um “perfeito histérico” [6], e seu ensino que “não concede nada ao Outro” [7] continuamente produz o efeito de produzir desejo. A epígrafe do livro é uma citação na qual Miller descreve a posição do ensinante como a “exibição de uma paixão”. Assim, poderíamos pensar a transmissão também sob o signo do amor? Não seria também por essa via que um analista desejaria ensinar, se dispondo dessa forma à coragem e ao “escândalo” de falar do que não sabe, de dar o que não tem?
[1] BRODSKY, G. Los psicoanalistas y el deseo de enseñar. Olivos: Grama Ediciones, 2023, p. 147.
[2] Ibidem, p. 64.
[3] Ibidem, p.115.
[4] Ibidem, p.173.
[5] Ibidem, p. 101.
[6] Ibidem, p. 91.
[7] Ibidem, p. 103.