#04 - SETEMBRO 2024
Importância da Jornada para a Seção
Célia Ferreira Carta Winter
(EBP/AMP) = Diretora Geral da EBP-Sul
Boa noite! É com muita alegria que nos reunimos hoje para o lançamento da 5ª Jornada da Seção Sul, Discursos e corpos: a causa do dizer. Estamos presencialmente em Curitiba, Florianópolis, Tubarão, Ponta Grossa, Joinville e Londrina, e on-line para as demais regiões, atestando essa força viva, que o trabalho e o desejo de Escola reúnem em torno de uma Jornada de Seção. Todos os anos, as seções da EBP, cada uma, com a sua forma singular, trabalham em torno do tema proposto, ou pelo Encontro Brasileiro, como acontece este ano, cujo título é: Os Corpos Aprisionados pelos Discursos…e seus restos, ou, no próximo ano, orientadas pelo Congresso da AMP.
A AMP[1], desde a sua fundação, se reúne a cada dois anos. As duas primeiras vezes, nas Assembleias, e, a partir de 1998, nos Congressos. Os Congressos da AMP dedicam-se ao tratamento de distintos temas, inerentes à elaboração e ao progresso da psicanálise, nas três vertentes que atravessam seu campo: clínico, epistêmico e político. Nas seções, as Jornadas seguem essa mesma orientação e se traduzem em espaços importantes de formação, na dupla acepção: do analista e dos laços de trabalho.
Gosto desse significante: Jornada! Evoca-me caminho, percurso. No dicionário é um conceito vinculado a um espaço de tempo, mais precisamente entre o momento em que o sol nasce e aquele em que se põe. Então, Jornada pode ser pensada como um percurso, que se relança ao seu final! Ela é uma construção, mas também uma metáfora, e, nessa condição, inconclusa, pois é perene. Para nós psicanalistas, uma Jornada nomeia nossa política do sintoma, nosso esforço, que só pode ser contado um a um e que, portanto, faz série ao tentar dizer o real. O valor da Jornada é fazer série, mas que ao mesmo tempo, é a serie[2] para acolher a surpresa. A 5ª Jornada da Seção Sul tem seu fim naquilo que ela deixa cair um a um e o que a move é a Causa do Dizer.
A aposta de trabalho de uma Jornada é a de encontro vivo, em que um efeito de sujeito nos conduza a colocar em questão a enunciação. O equívoco, a falta, o vazio, o furo, próprio ao campo da psicanálise, e que vai na contramão do discurso da ciência, nos coloca frente à condição de que, para agarrar algo do ensino de Lacan, é necessário incluir-se.
O que anima uma Jornada é um desejo de transmissão do ensino da psicanálise de orientação lacaniana, e um laço com a causa analítica. No dizer de Laurent[3], “se o ensino é ensino, ele se dá ao redor da ignorância, porque visa o ponto de desconhecimento, o que inclui o silêncio, ou seja, o impossível de ensinar”.
O que se passa por um dizer que porta o efeito de um ensino? Tema da nossa Jornada, Discursos e corpos: a causa do dizer.
No dizer de Laurent, “a psicanálise não é uma técnica e sim um discurso que anima a cada Um a produzir sua singularidade, sua exceção”[4] (Laurent, 2006).
Entre os desafios da psicanálise, desde sua fundação, está fazer prevalecer sua existência, por isso mesmo a ênfase na formação do analista, imprescindível para a permanência do discurso analítico.
É indispensável que os analistas se apresentem como analisantes, colocando a prova sua prática. Que seu saber seja sempre construído e incompleto, portanto, infinito, e seu discurso, sempre um discurso aberto. Essa preocupação está no princípio do conjunto que formamos, para além dos estatutos, dos mutualismos e até mesmo mais além dos laços de amizade, de simpatia que se tecem entre nós no decorrer dos anos. A advertência é de estarmos atentos aos fenômenos de grupo e que, nós analistas, não estamos vacinados contra a SAMCDA, interpretação que Lacan dirige à IPA[5]. O destino de Sociedade de Assistência Mútua não é só da IPA, e a solução de Lacan é conhecida: sejamos analisantes. Analisantes na relação com a função do Sujeito Suposto Saber. Na ausência disso não há Escola. E continua, organizamos o que é previsível. As Jornadas têm seu ponto previsível, de organização, que é fundamental para que aconteçam. Neste ano, o número de envolvidos nos bastidores é emocionante. Como cada um respondeu ao convite de compor uma comissão, com um desejo vivo, é tocante. Novamente, o significante Jornada toma aqui seu viés de caminho, mas Miller adverte, no mesmo texto: o que procuramos preservar na nossa Escola, é o “um por um”. Esse um por um é o vivo que extraímos como produto de uma Jornada, seja ela de cartéis ou de Seção. Miller[6], escrevendo algumas considerações sobre a Escola da Causa Freudiana, nos diz que a “existência de uma comunidade de trabalho não prescinde de fenômenos, de influência, de eco, de sugestão, de enunciados onde o que um diz, o outro repete. Mas a comunidade entra em colapso se estes fenômenos são precipitados pela ilusão de que milhares de bocas dizem e deveriam dizer a mesma coisa”. Esse é o vivo de nossos encontros, pois não funcionamos pelo puro automaton, estamos orientados pela tychê. Esse é o valor de uma Escola ou uma comunidade de trabalho, onde o que se visa é da ordem do analítico, e não do burocrático. Escola, como “Comunidade de trabalho onde se respeita a enunciação com o que tem de acaso, de singular e de deslocada”.
Para concluir, tomo as palavras de Cristiane Alberti[7] e a exortação: “coloque à prova os resultados da sua prática, fazendo com que sejam reconhecidos, dirigindo-se ao Outro. Sabemos, com Lacan, que trazer o Outro à existência é o único remédio para a escuridão ambiental. Esse esforço em direção à alteridade é levado aqui para um poder superior: aprender a falar cada vez melhor sobre a nossa prática”.
Que ao final desse percurso, possamos também dizer, Discursos e corpos: a causa do dizer, nossa maneira de seguir arando o sulco lacaniano.
Bom trabalho a todos!