Teresa Pavone (EBP/AMP) É com satisfação que apresento o VIII Boletim da Seção Sul ao…
Entre Panfletos e Gelatinas: A Escuta do Real na Nova Política da Juventude
Célia Ferreira Carta Winter (EBP/AMP)

Essa Diretoria, que encerra seu mandato em abril de 2025, teve a satisfação de acolher os participantes da NPJ durante os 2 anos de gestão.
No primeiro encontro de boas-vindas, ainda no instante de ver, nem eles, nem nós (a diretoria) sabíamos o que esperar, o que propor e se tínhamos que propor. Eles que deveriam ir atrás de se incluir? Enfim, questões que apareceram nas perguntas: Membros? Membros sob condição? Participantes?
Isso nos colocou a trabalho e, mais orientados, propusemos a atividade “Experiência de Escola: Conversa com o NPJ”. O convite que recebi de Teresa Pavone para esse Boletim foi para comentar dois textos: um de Paula Nocquet e outro de Mariana Dias – os restos, os ecos desse trabalho. Há gestos que carregam em si o germe de um futuro. Lacan, ao entregar panfletos a Miller, faz um ato. Paula Nocquet e Mariana Dias, em seus textos para a Nova Política da Juventude (NPJ), seguem essa trilha: uma com a solidez de quem aposta na causa analítica, outra com a leveza de quem sonha gelatinas tricolores.
Como começar, então, senão com um paradoxo? A psicanálise só se transmite quando falha. É nessa falha, entre o que se diz e o que insiste, que a NPJ encontra seu solo.
Paula nos lembra que a Escola é feita de panfletos que se distribuem, na expectativa de encontrar um leitor, gestos mínimos que ecoam a pergunta: o que é um analista?
Mariana, por sua vez, sonha com camisas que nunca existiram e gelatinas que mudam de cor, lembrando-nos que o real não se veste de uniforme.
Ambos os textos são cartografias do furo: mapas que só se completam no ato de se perder. Paula fala de transferência de trabalho; Mariana, de sonhos que rabiscam carteiras. O que une esses fios? A noção de que a formação analítica é um banquete de restos, onde se come o Dasein com colher de poesia.
Se Lacan fundou uma Escola, foi para que ninguém nela dormisse em paz. E é isso que esses textos testemunham: o desassossego de quem aceitou o panfleto sem saber que trazia “ a peste”. Mariana Dias começa seu texto com uma imagem que é um golpe de mestre: “para que algo de uma experiência possa se escrever, é preciso não estar em queda de braço com o encontro contingente”. Aí está o cerne da orientação lacaniana — não domesticar o real, mas deixar-se atravessar por ele. Seu texto, repleto de sonhos, gelatinas e camisas inexistentes, é um cartão de visita. Como ela mesma diz, “o diabo do real mora nos detalhes”, e esses detalhes são as notas de rodapé que a psicanálise inscreve no corpo do mundo. A experiência da NPJ, para Mariana, é essa gelatina: algo que se experimenta, mas não se domina. A imersão na Escola não é um mergulho em águas claras, mas uma navegação em mar revolto, onde o real surge inesperado, desestabilizador.
Mariana Dias nos deixa uma pista: a Escola é o lugar onde os sonhos (os nossos, os de Lacan, os dos jovens) não são interpretados, mas vividos. Seu texto, como um caderno de anotações, cheio de rabiscos, gelatinas e camisas fantasmas, é um testemunho de que a NPJ não é uma política de integração, mas de invenção.
Paula Nocquet inicia seu texto com um gesto fundador: Lacan entrega panfletos a Miller. Nele, está cifrada a aposta lacaniana: a transmissão da psicanálise não se dá por doutrina, mas por estilo, um estilo que se inscreve na transferência de trabalho. Miller, ao receber os panfletos do Ato de Fundação, não recebe um manual, mas um convite ao vazio, onde a causa analítica germina. A pergunta de Lacan: “quantos você quer para seus camaradas?” é um chamado à responsabilidade. A Escola só existe se houver alguém para passar além o fogo do real.
A NPJ, nesse sentido, não é um grupo de jovens à procura de mestres, mas sujeitos que carregam discos coloridos, suas questões singulares. O panfleto distribuído por Miller é um sinal: cada jovem deve atestar seu interesse, não por obediência, mas pela invenção de um trajeto único. O texto de Paula culmina numa ideia crucial: o panfleto só é panfleto se circula. Lacan, ao entregá-lo a Miller, não o fez para arquivá-lo, mas para ativá-lo na rede do Campo Freudiano. A NPJ repete esse gesto: não integra jovens à Escola, mas os convida a rasgá-la, a perfurar seu tecido com novas questões.
A causa analítica, aqui, não é um ideal, mas um resto, o que persiste quando todas as respostas falham. O panfleto é a materialidade desse resto: um objeto mínimo que, como o objeto a, só ganha valor no circuito do desejo. Distribuí-lo é apostar que alguém, em algum lugar, dirá: “isso me concerne”. Talvez a esperança de Lacan, depositada nos jovens, seja esta: que eles continuem rabiscando, comendo gelatinas e fazendo perguntas que nem mesmo o diabo saberia responder.
Boa leitura!