Licene Garcia A Comissão da Diretoria de Biblioteca da EBP-Seção Sul, nesta 7ª edição extraordinária…
EDITORIAL MODOS DE USAR #05
Teresa Pavone
Diretora de Biblioteca da EBP- Seção Sul
Na Escola de Lacan, procede-se pela imersão do sujeito em um meio que agita a falta de saber, e é o que mais importa. (Miller, 2001)
Modos de Usar é um Boletim que tem a pretensão de ser não apenas um registro da variedade de temas, trabalhos e atividades realizados no âmbito da Seção Sul, como marca do estilo de cada um de seus membros e participantes. Mas pretende também retratar e destacar elaborações epistêmicas cruciais como restos, como produções que representam o vivo da formação permanente em psicanálise de orientação lacaniana que circula em nossa comunidade. Comunidade que tem estreitado, cada vez mais, os laços de trabalho entre seus membros. Laços sustentados pelo rigor epistêmico-clínico e pelo desejo de cada um de nós em relação à causa analítica. Esse Boletim apresenta uma amostra da continuidade dos trabalhos da Seção Sul nos últimos meses, revelando momentos e conteúdos importantes dos trabalhos e atividades desenvolvidos, sempre orientados pelos temas atuais do Campo Freudiano, de seus Congressos e Encontros. Este quinto boletim ainda traz uma perspectiva das atividades programadas para 2024, alinhadas com os temas do XXV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, em novembro próximo, e do tema do XV Congresso de Membros em 2026 que ocorrerá em Paris.
O primeiro texto, o de Célia Carter Winter, retoma a fala final de Christiane Alberti no Congresso da AMP, “Todo mundo é louco”, para tratar da referência que Alberti faz à estrutura tripartite dos conceitos que serve de orientação para a escolha do tema do próximo Congresso em 2026. Aponta os aforismos de Lacan que nos convocam ao trabalho: em 2022, “A Mulher não existe”; seguido, em 2024, por “Todo mundo é louco”. E na sequência para o próximo Congresso anunciado, o tema mote será em torno do aforismo de que “Não há relação sexual.” Celia toma o tema do próximo Congresso “A Relação sexual não existe” para tecer algumas considerações e relacioná-las ao tema proposto pelo XXV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano: Os corpos aprisionados pelos discursos… e seus restos! Na sequência Célia comenta sobre o tema que abriu as atividades da Seção Sul: O “Mal-entendido”, proposto por Patrícia Badari e que aponta para esse “não há” indicado por Lacan. Célia discorre sobre o mal-entendido como a má compreensão do corpo a partir de um evento corporal resultante do encontro do significante com a carne, que fixa um gozo refratário ao sentido e estabelece o campo do humano e do falasser. Esse mal-entendido não se refere a uma falta de compreensão que poderia ser esclarecida, mas, sim, a uma complexidade inerente à relação entre corpo, linguagem e gozo.
Não é à toa que Célia faz um breve desenvolvimento do tema do Congresso da AMP e do XXV Encontro do Campo Freudiano, abordando o real, a lalíngua, o vazio, linguagem e corpo, precisando alguns aspectos de importantes conceitos. Mais ainda… Ela se interroga sobre o gozo e o corpo na contemporaneidade com a pergunta de como ficam os corpos e seus gozos em tempos de GPTs? “Poderão eles capturar o que não tem nome, nem nunca terá?” Pois, como ela propõe, este é o caminho pelo qual nos orientaremos nas atividades da Seção Sul em 2024.
Das Noites de Biblioteca escrevem Paula Lermen e Valéria Beatriz Araújo. Paula comenta a Noite de Biblioteca “O que se traduz em psicanálise” realizada em 29 de novembro de 2023, quando tivemos como convidada nossa colega Teresinha Prado, membro da AMP, EBP-Seção São Paulo. Ela é uma das tradutoras de Lacan no Brasil.
Dos comentários que faz Paula, destaco o seguinte trecho: “O tradutor orientado por um desejo de transmissão da causa psicanalítica se orienta também por um ideal de destituição de si, já que não caberia a ele colocar ali nada de seu (PRADO, 2021). Mas ao mesmo tempo, Teresinha nos mostra que o desejo do tradutor também tem a ver com a transmissão de algo que “o toca como leitor” e quando dizemos algo que o toca, estamos falando da materialidade da palavra, do acontecimento de gozo”. Paula segue sublinhando algumas perguntas que sustentaram uma profícua discussão: “Como poderíamos pensar essa destituição do tradutor? Que lugar é esse de onde se traduz? Ele tem algo da posição discursiva universitária, ao orientar-se pela reverência ao original? Podemos pensar que tem algo do ato, como na posição do analista?” Vale a pena ler os comentários que se seguem a essas questões no texto de Paula!
Da atividade da Noite de Biblioteca Conexão Psicanálise e Cinema ocorrida no dia 04 de outubro de 2023 é Valéria Beatriz Araújo que escreve de forma também poética a poesia que o filme expressa, ele foi eleito e apresentado pela nossa estimada convidada Marcela Antero, presença ímpar como a ela se refere Valéria Beatriz em seu texto. Recorto o início dos comentários de Valéria, na certeza que esse recorte estimulará a todos a leitura por completo:
“… um filme inclassificável. Tren de Sombras, El espectro de Le Thuit, filme de José Luis Guerín (1977), dialoga com as imagens do filme de Gerard Fleury (Portrait de Famille), feito num verão nos anos 30, cujas cenas familiares “vem a rememorar a infância do cinema”, nas palavras do Guerín.
Tren de Sombras apresenta um movimento de construção e desconstrução, de forma atonal e não-toda, um esforço de poesia na busca dos espaços onde antes habitava o preto, o branco e o desbotado. Entre luz, sombras e cores, o diretor cria algo novo a partir do que resta da obra de Fleury. Cria a partir dos dejetos, transitando no espaço-tempo. Entre ato e corte advém um filme experimental, no sentido de não ser para compreender, mas para ser vivenciado no nível da experiência mesma (onde há que se colocar algo de si)”.
Mauro Agostin e Adriana Rodrigues nos dão notícias da Diretoria de cartéis e apresentam as diretrizes de suas propostas de trabalho. Eles comentam o tema escolhido “O cartel como forma de resistência ao mal-estar na cultura e a formação do analista”. Ressaltam uma das questões surgidas: “a que tipo de mal-estar um cartel pode vir a fazer resistência?”, que deu origem a uma animada Noite de Cartel com Iordan Gurgel (EBP-BA) como convidado. O título dessa Noite foi “O cartel como máquina de guerra e a formação do analista”. Eles comentam: “Iordan, com uma gentileza e afetividade ímpar com nossa Seção, ao buscar no texto “A psiquiatria inglesa e a guerra”[1] as bases da proposta do cartel como esse lugar de resistência, enfatiza a crítica que Lacan faz ao privilégio da formação médica como condição ou favorecimento na formação em psicanálise na época, e o lugar de liderança e de mestria que acabava por se formar nesses contextos. Tratava-se de uma crítica nada velada ao funcionamento da IPA e seus didatas. E afirma que a invenção do cartel foi uma resposta “ao autoritarismo, à prática reacionária e à função dos didatas da IPA”.
Na sequência, o texto delicado e preciso de Paula Nathalie Nocquet é de uma resenha do livro de Cleyton de Andrade (EBP/AMP), Lacan Chinês. Uma leitura imperdível. Paula escreve que o livro é um convite a uma imersão histórica, cultural e política da China, elegantemente entramada com as considerações lacanianas. Com transfundo clínico, não se propõe a tomar a China como um ideal nem subordiná-la aos pressupostos psicanalíticos, mas sim, somos convidados a percorrer os caminhos traçados pelo interesse de Lacan pela língua e escrita chinesa.
Os seminários por conta e risco, que aconteceram durante o ano passado e que acontecerão em 2024, na Seção Sul, seguem anunciados com comentários cruciais acerca dos temas tratados. Zelma Galesi terá como tema neste ano as Novas Considerações sobre a Psicose Ordinária. Outro seminário por conta e risco que acontece sob a responsabilidade de Eneida Medeiros, Gustavo Ramos e Liege Goulart leva como título: Reviramentos Topológicos e Política do Sintoma na Clínica Lacaniana- Leituras dos Seminários 24 e 25 de Lacan.
Por fim, o Boletim traz uma nota sobre a artista Giovanna Lima, cujas imagens ilustram com tanta propriedade cada um dos textos. Essa nota foi feita por Andrea Tochetto.
Boa Leitura!
Comissão de Edição: Teresa Pavone (EBP/AMP-diretora de Biblioteca da Seção Sul), Gustavo Ramos (EBP/AMP), Andrea Tochetto, Diego Cervelin, Juan Cruz Galigniana, Licene Garcia, Valéria Beatriz Pimentel de Araújo e Paula Lermen.
Editoração do Boletim e Revisão dos textos: Juan Cruz Galigniana, Licene Garcia e Paula Lermen.
Design: Bruno Senna