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Editorial Boletim Fora de Linha #01

Gustavo Ramos da Silva (EBP/AMP)

Não imagina
o que ficou
de fora.
Veronica Stigger

A temática da loucura nos convoca a embarcar na locomotiva psicanalítica em direção a Curitiba para a IV Jornada da Seção Sul da Escola Brasileira de Psicanálise. Cada um vai buscar seu assento – o seu lugar a partir de sua loucura singular -, e cada um vai poder colocar seu acento a partir dos efeitos disruptivos da quebra da cadeia significante. O elemento oriundo dessa quebra não recebe uma significação, não há o retorno de um saber, denominado S2, e o significante dito primeiro, o S1, fica sem um sentido prévio. O que cada um faz com esse elemento desconjuntado é a loucura, ou seja, o modo como cada um responde a isso que não se significa.

Quando pensa o estádio do espelho e o esquema ótico, Lacan vai propor o esquema do vaso invertido, ainda no seu primeiro seminário, e lá vai postular a teoria do ponto de vista: é preciso que o olho esteja ocupando um certo lugar para ver a flores e seus ramalhetes dentro do vaso. A imagem que retorna ao sujeito, representado pelo olho, é uma ilusão de completude e de coesão, pois se está desconjuntado. Essa visão completa e toda nunca é vista diretamente pelo sujeito, na medida em que é preciso do espelho plano, que é o Outro, para se obter esse retorno e, como consequência, obter o ponto de vista. Sabemos que o vaso é o corpo e as cinco flores são os objetos. O que acontece quando se vê os objetos fora do corpo, a flor fora do vaso? Nesse momento, não estamos mais na via do sentido, da ficção fantasmática, da narrativa do Eu e nem do ponto de vista do espelho. Se anteriormente o real se dava pela relação puramente visual do que se via, nesse segundo momento o real se fixa de um outro modo, em um ponto fora de linha, o qual não faz mais parte da linha, mas mantém com ela uma relação por fora, um exterior mantendo contato com o interior.

Em um primeiro momento poderíamos pensar que essa vivência seria de uma psicose, mas a partir do aforismo “Todo mundo é louco, isto é, delirante”, o delírio – a saída da lira, da linha – se generalizou a ponto de ser a maneira como cada um lidou com esse elemento de fora, escapando do ponto de vista e de toda articulação significante oriunda de um saber. Jacques-Alain Miller toca neste ponto ao nos atravessar dizendo: “Diante do louco, diante do delirante, não se esqueça que você também é, ou foi, analisante, e que também fala, ou falava, sobre o que não existe.”

Desse modo, a pergunta que fica é: esse elemento fora de significação, e que não existe, pode ser ensinado e transmitido? Essas questões nos convocam neste boletim que denominei “Fora de Linha”, pois o que fica fora não significa necessariamente que não tem valor, muito menos operatividade na clínica. O que está fora pode muitas vezes provocar angústia como pode ser um elemento potencializador de algo novo para o sujeito. O que fica fora do discurso pode, via ato do analista, cernir uma posição de gozo importante para o tratamento psicanalítico, como são os casos contemporâneos de neuroses sem um sintoma definido. Mesmo o que aparentemente está fora da clínica, como o ponto e a linha também são significantes socialmente localizados. O lugar onde esperamos o ônibus, o táxi ou o trem chamamos de ponto, com suas diversas linhas que nos transportam a diversas localidades. Esses elementos se fazem presentes em um texto de Lacan denominado de O Aturdito no qual ele vai postular uma “linha sem pontos, disse eu sobre o corte, na medida em que este, por sua vez, é a banda de Moebius, no que uma de suas bordas, depois da volta com que ele se fecha, continua na outra borda. Mas isso só pode ser produzido por uma superfície já vazada por um ponto, que chamei de fora de linha, por se especificar por um laço duplo, mas passível de se estender sobre uma esfera: de modo que é numa esfera que ele se recorta, mas é por seu laço duplo que ele faz da esfera uma asfera ou cross-cap.”[1] Entramos em cheio na topologia do dentro e do fora, do cheio e do vazio e no corte que é a banda de Moebius.

Para este primeiro número contamos com a participação de Leonardo Scofield (EBP/AMP) que escreveu o precioso Argumento de nossa jornada extraindo da estrutura da linguagem e dos discursos os elementos que ficam fora, afinal de contas a loucura de todos é a estrutura da linguagem. Incluímos também o nome de cada trabalhador decidido que com seu desejo está fazendo esta louco-motiva percorrer os trilhos até Solar do Rosário nos dias 13 e 14 de outubro.

Sendo assim, cada um está convidado a colocar esse elemento não ensinável, não articulável e fora de linha, a trabalho a partir de hoje até o final de nosso percurso. Enviem suas contribuições e seus textos, quem sabe eles não fiquem de fora. Façam a inscrição o quanto antes, pois as vagas presenciais são limitadas!


[1] LACAN, Jacques. O Aturdito. In: Outros Escritos. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p. 483.
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