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Editorial – Boletim Corpografias #3

[Foto de Lina Sumizono – Cura – Festival de Curitiba, 2022]
Como um analista pode estar à altura do acontecimento imprevisto? A indagação posta por Flávia Cêra na segunda preparatória à 5ª Jornada de Psicanálise da EBP-Seção Sul, à luz do tema Discursos e corpos: a causa do dizer, suscitou questões sobre o ato analítico e a política lacaniana. Nesta edição #3 do boletim Corpografias, você vai encontrar a íntegra do texto de apresentação do Eixo 2 e algumas de suas ressonâncias na conversação de 31 de julho e na escrita de outros analistas.

Desde o título, o eixo recoloca em questão qual a função do analista na clínica, hoje, e desde qual posição ele sustenta sua prática, considerando que a orientação pelo real requer a abertura ao imprevisto, à contingência. Jussara Jovita, em seu comentário, faz um acréscimo à pergunta que explicita sua nódoa: “Como cada analista pode estar à altura do acontecimento imprevisto, já que é imprevisto?”, e convoca a considerar noções de indeterminação e ingovernabilidade.

Para estar à altura, caberia ao analista, em um primeiro tempo marcado por Helenice de Castro, sensibilizar o analisante em relação à própria fala, para que então, tal como observado por Nohemí Brown, possa dar outro estatuto ao acontecimento que estava fora do discurso? Estar à altura de um dizer? Com essas contribuições que ecoaram na preparatória, o tema da Jornada mostra a implicação de corpos e discursos na causa do dizer não como opostos excludentes, mas em junção e disjunção.

Daí emerge a necessidade de discernir o dizer, o discurso e a linguagem, em suas distintas maneiras de se enlaçar ao corpo. “Isso que acontece no corpo está fora do discurso ou aprisionado por ele? Como distinguir esses pontos e no que eles orientam o trabalho na clínica?”, insiste Flávia em seu texto.

Mais-Um do cartel fulgurante endereçado à jornada, Helenice propõe em seu comentário, publicado neste boletim, que a pergunta relança essas noções em termos de uma política da psicanálise que permita “desfazer a captura pelo sentido produzido pelo discurso ao fazer ressoar no corpo o que resta fora da linguagem”. Em sua participação na preparatória, ela precisa que tal política, frente à “incidência da língua que segrega algo do gozo do corpo, não visa a eliminar ou dominar o ponto de segregação inerente ao ser falante”.

Para abordar a presença do analista diante do inconsciente real, Nancy Greca, por sua vez, retoma a afirmação de Miller de que “o analista é um lugar onde se deposita um resto e neste lugar se estabelece um laço com o objeto a, um laço possível com a psicanálise”. A partir do mesmo cartel, Mariana Dias situa o ato analítico na fratura da verdade e o equivale a um ato político.

Diego Cervelin, então, testemunha sobre uma clínica em que os enunciados “nem sempre singularizam uma posição subjetiva mais clara” e se indaga sobre o manejo do analista: “Como fazer com que algo da dignidade do resto possa entrar na cena? Como o corte poderia criar um intervalo na demanda pela satisfação taxativa? […] E, nesse ponto, caberia ao analista fazer uma intervenção ou eventualmente uma contraposição tão direta quando os sentidos parecem líquidos e certos? Se nem sempre, quando sim?”

Ainda sobre a prática na atualidade, Mauro Agosti faz uma escansão do artigo “Ceder el goce o ceder al goce”, de Araceli Teixidó, partindo do significante “corpo” para uma torção “do corpo afetado ao corpo como limite”. Ao constatar o rechaço à cessão de gozo como isso que impossibilita o laço social, ele questiona a função da transferência diante do problema do gozo. Já no texto de Marcia Stival, encontramos outras articulações entre a dificuldade de ceder o gozo no discurso capitalista, o verdadeiro que se autoperfura e o ato analítico.

O corpo é posto em debate também nos artigos de Rafael Longo, que se serve das análises de Hervé Castanet com homonalisantes para tratar da vivificação do corpo quando identificado ao falo morto; e de Andréa Tochetto, sugerindo a analogia com um cabideiro que, em vez de recoberto pelas parafernálias do discurso, pudesse ocupar sua função de suporte (da substância gozante).

A comissão de acolhimento, por sua parte, compartilha algumas “costuras litorâneas” entre corpo e escrita que se alinhavam à “corpografia” do poeta Ricardo Aleixo. Nas palavras dele:

“Entendo a escrita da poesia e a corpografia, que é a definição que dou à forma particular pela qual pratico e penso a performance, como formas de leitura. Insisto na ideia de que o ato da leitura é, também, um gesto performativo […] – lembrando que performar significa, no meu projeto poético, uma forma de dar a ler, em perspectiva ampliada (verbivocovisual, diriam James Joyce e os concretos), elementos já virtualmente presentes no texto escrito que só por meio da ação do corpo e da voz (que também é corpo) podem ser de fato materializados”[1].

 Finalmente, assim como nas edições anteriores, o boletim ganha vida com a presença de uma obra do artista visual Francisco Faria, desta vez o quadro Laminares III.

Encerramos esse editorial com um convite ao envio de textos para a Jornada que está por vir!

[1] MEDEIROS, Sérgio. Poesia e performance: Uma  entrevista  com  Ricardo  Aleixo. RevistaQorpus, edição  nº  003,  Florianópolis,  novembro  de  2011.  Disponível em: <http://qorpus.paginas.ufsc.br/%E2%80%9C-a-procura-de-autor%E2%80%9D/edicao-n-003/entrevista-ricardo/> acesso em 09 ago. 2024.

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