#04 - SETEMBRO 2024
Costuras litorâneas: poesia e psicanálise na escrita dos corpos e seus restos
Mariana Queiroz
- Tropecei em um poema/ensaio de Ricardo Aleixo[1] no qual ele destrincha seu trabalho performático Poemanto[2], produzido com um pano (preto), sobre seu corpo (negro), escrito com tinta (branca). Fazendo referência aos parangolés de Oiticica, aos mantos de Bispo do Rosário, Aleixo denomina corpografia, seu ato performático, sendo esta uma forma de escrita. Desfazer-se dos mortos, em seu tecido inscrito de significantes, “no limiar da legibilidade”, na colisão de temporalidades, em um ofício de “obras permanentemente em obras”. O poeta/performer faz um borramento litorâneo no suas torções da linguagem: corpo, escrita, cena, imagem são reconfigurados. “Escutar a letra e escrever a voz”[3] é uma das definições que ele dá para seu processo criativo. Como um a um, poetas, performers, dançarinos podem nos transmitir os usos e torções da língua e da linguagem e acolhem inventivamente isso que perturba um corpo?
- Retalhos de escrita: “já costurei este corpo tantas vezes. se anuncia da ponta da escápula o voo. faço colchas de retalhos como a minha vó. ela juntava os abismos dos dias com a máquina. eu junto os abismos dos dias com o poema. já costurei este corpo tantas vezes. mulheres me atravessam a retina e invadem as cenas mudas que me engasgam. fios soltos se espalham pelo tecidopelecorpoema. sempre resta algo descosturado… já costurei este corpo muitas vezes. é um espantalho. um texto. tento passar a agulho pelos cacos de vidro. estilhaço. nem tudo se costura.[4]” A escrita é um ato. Marguerite Duras[5],” diz “posso dizer o que quiser, mas jamais vou saber por que escrevemos e como não escrevemos. Gloria Anzaldúa[6] também toca algo desse limiar da convocação à escrita “E por fim, eu escrevo porque tenho medo de escrever, mas tenho mais medo ainda de não escrever”. Como um corpo se enlaça à causa da escrita?
- Flávia Cera[7] aproxima arte e psicanálise como discursos que não servem ao poder, mas que “questionam a língua do poder e, assim, inventam a vida, inventam línguas, se enlaçam com o mundo e são, fundamentalmente, subversivas.” Segundo a psicanalista, a arte “figura como uma máquina de guerra”. Arte em suas diferentes linguagens funciona, por vezes como antenas, como máquina de guerra e de leitura dos nossos tempos e da tecitura do nosso laço social, inclusive incidindo nele, como acontecimento. Como arte e psicanálise podem vir a acolher e tratar o mal-estar na cultura e, de algum modo dar outro destino aos restos pulsionais que o discurso neoliberal tenta eliminar ?
- Este texto é efeito de trabalho junto à Comissão de Acolhimento da 5ª Jornada da Seção Sul, Discursos e Corpos: a causa do dizer, coordenada por Juliana Rego Silva e composta também pelas colegas Andrea Tochetto, Maria Luiza Rovaris Cidade e Cauana Mestre.
- Para acolher os corpos na nossa Jornada, indicamos nesta lista sugestões de hospedagem: https://ebp.org.br/sul/eventos/jornadas/5a-jornada-da-ebp-secao-sul-discursos-e-corpos-a-causa-do-dizer/5a-jornada-da-ebp-secao-sul-discursos-e-corpos-a-causa-do-dizer-acolhimento/5a-jornada-da-ebp-secao-sul-discursos-e-corpos-a-causa-do-dizer-hospedagem/