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Comentário sobre o totalitarismo do universal e a singularidade do Um

Artur Cipriani[1]

Pretendo aqui dar suporte às questões que têm surgido a partir da proposta do eixo “Salvar a clínica”. Para Miller, o aforismo “Todo mundo é louco” veio a calhar para a ideologia contemporânea da igualdade universal dos seres falantes, onde a fraternidade prenunciada por Lacan, pela qual o terapeuta e o paciente se podem ligar, não é mais discreta, mas “[…] exigida a plenos pulmões sob a forma de uma igualdade total, inteira, dos seres falantes”.

Uma das perguntas de Verônica Montenegro (Boletim #3) é: de que se trata o convite de Miller para “sacrificar o totalitarismo do universal à singularidade do Um”? O Um reaparece no discurso de orientação de Miller para o congresso da AMP do próximo ano; quando disserta sobre o caráter não-ensinável da clínica psicanalítica, pontua que uma de suas condições é o fato de que essa clínica não é universalizável:

[…] não é em absoluto para todos. É para só um, é para o Um – completamente só. É para ele, apenas ele, que a interpretação pode dar lugar a um saber que se desvanece no momento em que se pretende universalizá-lo, fazê-lo valer para todos. Tratem de explicar aos demais o efeito sensacional de uma interpretação e o exterior não a verá senão em seu caráter banal ou muito discutível.

O saber que se extrai de uma análise pode ter altíssimo valor de uso e pouco valor de troca. Portanto, essa fraternidade pode ser campo para o estabelecimento de uma análise, mas não seu horizonte. Cito também Luis Francisco Camargo:

Há um consenso entre os estudiosos do método de estudos de caso sobre a força da validade interna e a fraqueza sobre a validade externa dos construtos. Um estudo de caso único não é propício para generalizar teorias, mas isso não implica na sua desvalorização como etapa na construção do conhecimento.

Não estaria também aqui um cerne do desencontro epistêmico entre efeitos analíticos – sejam quais forem: dissoluções de aspectos do Eu e do Outro, modulações do gozo, efeitos terapêuticos, produção de um saber próprio e não universalizável etc. – e demandas de que o campo psicanalítico produza certificados de cientificidade – principalmente aqueles de acordo com critérios de um modelo de ciência para todos? Um conflito, aqui, entre o totalitarismo do universal e a singularidade do Um?


[1] Psicanalista. Participante das atividades da EBP.
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