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Boletim Corpografias #3

#03 – AGOSTO  2024

EDITORIAL

Como um analista pode estar à altura do acontecimento imprevisto? A indagação posta por Flávia Cêra na segunda preparatória à 5ª Jornada de Psicanálise da EBP-Seção Sul, à luz do tema Discursos e corpos: a causa do dizer, suscitou questões sobre o ato analítico e a política lacaniana. Nesta edição #3 do boletim Corpografias, você vai encontrar a íntegra do texto de apresentação do Eixo 2 e algumas de suas ressonâncias na conversação de 31 de julho e na escrita de outros analistas.

Desde o título, o eixo recoloca em questão qual a função do analista na clínica, hoje, e desde qual posição ele sustenta sua prática, considerando que a orientação pelo real requer a abertura ao imprevisto, à contingência…

[Foto de Lina Sumizono - Cura - Festival de Curitiba, 2022]

EIXO 2: Estar à altura do acontecimento imprevisto

Flávia Cêra (EBP/AMP)
EIXO 2: Estar à altura do acontecimento imprevisto

Uma análise tem sua rotina nas sessões, sua parte semântica que faz uma série da qual não podemos prescindir. Elas são os acontecimentos previstos, diz Miller. Em uma análise, no entanto, incluímos o real, e por isso, espera-se seus imprevistos, sua porção a-semântica, seus acontecimentos que inscrevem um antes e um depois, que marcam a pulsação de um tempo com a presença de um dizer que toca o corpo. Afinal, o dizer, em psicanálise, tem a ver com o tempo e “não há acontecimento senão de dizer”.

[Foto de Lina Sumizono - Cura - Festival de Curitiba, 2022]

Sobre algum valor de verdade

Diego Cervelin – Cartel Fulgurante
EIXO 2: Estar à altura do acontecimento imprevisto

Ainda no começo do eixo, Flávia Cêra refere-se ao papel do analista em fazer do inconsciente um acontecimento. Parto daí. Essa, aliás, talvez seja uma daquelas questões que acompanham os praticantes desde as entrevistas preliminares, assumindo aqui e ali tonalidades diferentes. Nos atendimentos, tem sido relativamente fácil escutar enunciados que nem sempre singularizam uma posição subjetiva mais clara – ao menos, não de primeira. Eles se apresentam, por exemplo, através da fórmula “eu sou o que digo que sou” ou mesmo quando nos deparamos com constatações do tipo “vivo um relacionamento tóxico”. Mas, afinal, quem fala aí?

[Foto de Lina Sumizono - Cura - Festival de Curitiba, 2022]

O discurso e o fora do discurso

Helenice de Castro (EBP/AMP)
EIXO 2: Estar à altura do acontecimento imprevisto

A partir de uma perspectiva política, o Eixo 2 da 5ª Jornada da EBP-Seção Sul interroga como o analista pode estar à altura do acontecimento imprevisto. Nessa direção, destacaria um primeiro ponto que esteve presente nas conversas do cartel destinado a discutir esse tema visando à atividade preparatória à Jornada.

Partimos, então, da busca por identificar com qual categoria de política operamos quando temos por referência a psicanálise de orientação lacaniana; ou mesmo, qual concepção de política estaria em jogo na tese lacaniana de que o “inconsciente é a política”?

Creditos obrigatorios _2022_Mostra_CURA_foto_Lina_Sumizono

Questões

Jussara Jovita Souza da Rosa (EBP/AMP)
EIXO 2: Estar à altura do acontecimento imprevisto

Questões:

Acontecimento já porta a noção de imprevisto. Acontecimento imprevisto portaria o real em um acontecimento? Como cada analista pode estar à altura do acontecimento imprevisto, já que é imprevisto? A pergunta formulada por Flávia Cêra: “Como pode [o analista] fazer o inconsciente existir?” Encontraria baliza nesta proposição de Miller: “[…] tudo quanto afeta a um sujeito, aquilo que o apaixona, o ordena, aquilo que constitui seu problema e sua infelicidade, lhe pertence a título pessoal, não é susceptível de generalidade alguma, pertence verdadeiramente a ele […] os pontos de certeza de cada um lhe pertencem em sentido próprio.”

[ Foto de Lina Sumizono - c h ã O - Festival de Curitiba, 2023]

O corpo falante é político

Mariana Dias
EIXO 2: Estar à altura do acontecimento imprevisto

A psicanálise é a parceira êxtima da ciência – visto que a noção de sujeito é impossível de ser excluída do exterior da ciência e seu método, por sua vez, revela-se como o interior próprio ao sujeito do inconsciente freudiano¹. Não se opõe à medicação como ferramenta auxiliar para que um sujeito possa aliviar a angústia e falar. Entende as religiões como máquinas de fazer sentido e um modo de tratar o gozo – vide a relação, por exemplo, da ética protestante com o espírito do capitalismo, tese de Max Weber. E até mesmo testemunha na atualidade como a via da superidentificação à norma pode funcionar como modo de limitar o transbordamento de gozo nas psicoses ordinárias – abrangemos algo nesta linha se pensamos na função que pode cumprir na sociedade um ideal da estirpe do American Way of Life.

[Foto de Virginia Benevenuto- Transobjeto - Festival de Curitiba, 2017]

A Psicanálise em extensão e a política

Nancy Greca Carneiro (EBP/AMP)
EIXO 2: Estar à altura do acontecimento imprevisto

Nos anos de 1997/98, ao longo de seis reuniões na Seção Clínica de Paris, Miller ditou um Seminário cujos encontros resultaram no texto Política Lacaniana. Nele se distinguem três sentidos que me interessam destacar: a política em geral, a política na Psicanálise, e a política na cura.

A mim, interessa o impacto político da Psicanálise na vida cotidiana desde Freud, em todos os âmbitos da vida social, reconfigurando em seu torno os usos e costumes. Uma recrudescência social do recalque foi necessária para que se produzisse, naquele contexto, o que se deve chamar uma liberação da fala.

[Foto de Humberto Araujo - Sem Palavras - Festival de Curitiba, 2022]

FARIA, Francisco

Laminares III – Técnica Mista 40×200 cm – 1992
IN: Baptista, J.V & Faria, F. Corpografias: Autópsia poética das passagens. São Paulo, Ed. Iluminuras, 1992, p. 32-33

Da estupidez ao ato

Marcia Stival (EBP/AMP)

“Será que a cabeça
Tem o mesmo tempo que a mão?
O tempo do pensamento
O tempo da ação”
Arnaldo Antunes

Instigada pelos ecos da segunda preparatória da V Jornada da Seção Sul, me propus avançar com base numa colocação do Seminário XIX de Lacan sobre a estupidez, que destaquei durante esta atividade.

[Foto de Solomon R. Plaza - Floema - Festival de Curitiba, 2018]

Um cabideiro!

Andréa Tochetto

Na primeira Preparatória para o XXV EBCF, algo me toca, fisga minha atenção de tal forma que a reação que tenho é olhar para meu amigo ao lado e dizer: “oi, foi isso mesmo que ouvi?” – “o imaginário é o corpo”?

Esse fragmento ecoa. O dito toca o corpo e não encontro aporte para explicar. Eis o que me pôs a trabalho.

[Foto de Humberto Araujo - Sem Palavras - Festival de Curitiba, 2022]

Sobre a identificação ao falo morto

Rafael Marques Longo Joinville/SC

Há algum tempo tenho sido capturado pela problemática do corpo, na vida e no ensino de Lacan. Tento tomá-lo como uma bússola, uma chave de leitura desse ensino, sustentando que, pela via do conceito de corpo, é possível acompanhar e verificar a incidência das reviravoltas que a singularidade desse ensino provoca. Para este breve trabalho, inicialmente, pretendia tratar da vida na sua relação com o corpo, tal qual encontramos nos textos de Lacan da década de 70. No entanto, algo insistiu na clínica, me fazendo resgatar uma referência e urgenciando sua leitura.

[Foto de Lina Sumizono - Cura - Festival de Curitiba, 2022]
O corpo como limite
Mauro Agosti – Participante da Comissão de Referências Bibliográficas da 5°Jornada da EBP-Sul

Tomei como ponto de partida o significante Corpo do título desta 5a Jornada da EBP Sul e, partindo da orientação de Lacan onde, os discursos organizam um modo de fazer laços a partir da impossibilidade da linguagem cobrir o real, me parece interessante pensarmos numa articulação com as apresentações clínicas barulhentas, desarticuladas, empobrecidas de elaborações simbólicas, muitas vezes acompanhadas por diferentes tipos de excessos (drogas, álcool, compras, jogos, trabalho etc.) e que têm como protagonista o corpo. Esta tentativa de articulação tem como finalidade despertar a curiosidade e convidar a receber as suas elaborações.

[ Foto de Leonardo Lima - Vera Mantero - Festival de Curitiba, 2017]

Costuras litorâneas: poesia e psicanálise na escrita dos corpos e seus restos

Mariana Queiroz

Tropecei em um poema/ensaio de Ricardo Aleixo no qual ele destrincha seu trabalho performático Poemanto, produzido com um pano (preto), sobre seu corpo (negro), escrito com tinta (branca). Fazendo referência aos parangolés de Oiticica, aos mantos de Bispo do Rosário, Aleixo denomina corpografia, seu ato performático, sendo esta uma forma de escrita. Desfazer-se dos mortos, em seu tecido inscrito de significantes, “no limiar da legibilidade”, na colisão de temporalidades, em um ofício de “obras permanentemente em obras”. O poeta/performer faz um borramento litorâneo no suas torções da linguagem: corpo, escrita, cena, imagem são reconfigurados. “Escutar a letra e escrever a voz” é uma das definições que ele dá para seu processo criativo. Como um a um, poetas, performers, dançarinos podem nos transmitir os usos e torções da língua e da linguagem e acolhem inventivamente isso que perturba um corpo?

[Foto de Leonardo Lima - Vera Mantero - Festival de Curitiba, 2017]


Diretoria – Célia Ferreira Carta Winter, Mariana Zelis, Teresa Pavone, Adriana Rodrigues

Coordenação – Gresiela Nunes da Rosa (EBP/AMP)

Comissão de Boletim: Juan Cruz Galigniana (coord.), Andrea Tochetto, Luciana Romagnolli, Paula Nocquet e Sílvia Lazarini.

Criação e Editoração: Bruno Senna – sennabruno@gmail.com

 

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