Gustavo Ramos (EBP/AMP) Teresa Pavone (EBP/AMP) O VI Boletim da Seção Sul, assim como…
ABERTURA PELA DIRETORA GERAL DA EBP-SEÇÃO SUL
Papá teve um sonho!
Por Louise Lhullier – AP, membro da EBP/AMP
Meu pai sofria de sonhos, saía pela noite de olhos transabertos. Como dormia fora, nem dávamos conta. Minha mãe, manhã seguinte, é que nos convocava:
– Venham: papá teve um sonho!
E nos juntávamos, todos completos, para escutar as verdades que lhe tinham sido reveladas. Taímo recebia notícia do futuro por via dos antepassados. Dizia tantas previsões que nem havia tempo de provar nenhuma. Eu me perguntava sobre a verdade daquelas visões do velho, estorinhador como ele era.
Pela pena de Mia Couto[1] somos conduzidos pelas estranhezas da língua que nos é mais familiar. Assim, viajamos por um mundo sobre o qual tanto se pode dizer que é como que não é o nosso. Um mundo em que o poder divinatório dos sonhos que trazem notícia do futuro era levado a sério, o que não impedia que Tindzu se perguntasse sobre o que havia de verdade no que lhes contava o velho estorinhador, seu pai Taímo. Algo das previsões do velho se realizaria?
Em nossa prática da psicanálise e em nosso trabalho epistêmico, é instante a pergunta sobre o real. No curso de Miller O ser e o Um essa é uma questão central, desde o início. Na lição VII, encontrei uma passagem que orientou minha pesquisa atual. Cito Miller:
Para penetrar nos mistérios do real, no sentido de Lacan, é preciso se familiarizar com o uso do existe, em lógica. Por isso, o mais simples é partir da cisão operada por Frege entre Sinn e Bedeutung. […] em Frege, Bedeutung se traduz como a referência, o que denota, para empregar um outro vocabulário, ou seja, o que aponta para uma existência. Sinn é sentido ou significação, é o que diz a essência, o que descreve alguma coisa, o que confere atributos ou propriedades a alguma coisa.
Ser e existência, verdade e saber, sentido e real, assim como referência e significação, são alguns dos significantes que delineiam o escopo do trabalho para o qual convido colegas e amig@s da Seção Sul: uma exploração sobre a questão da existência e da inexistência, sobre o que há e o que não há, sobre o que se pode e o que não se pode demonstrar. Proponho uma viagem pelos caminhos da lógica, essa “arte de produzir uma necessidade de discurso”[2]. Mas isso não é tudo. É necessário, ainda, encore, um esforço de poesia.