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Abertura da 5ª Jornada da Seção Sul –Discursos e Corpos: A Causa do Dizer

Célia Ferreira Carta Winter (EBP/AMP)

Artista: Paul Klee

Com grande alegria, declaro aberta a 5ª Jornada da Seção Sul – Discursos e Corpos: causa do dizer.  Este momento é a materialização do vivo que atravessa nossa comunidade analítica, em que palavra e corpo se entrelaçam, trazendo à tona o dizer.

Esta jornada, fruto do trabalho coletivo, foi construída por pessoas incríveis, animadas pelo desejo de Escola. Agradeço profundamente a cada um e a cada uma, que com desejo e entusiasmo, tornou possível estarmos aqui hoje. Saúdo em especial, nossos convidados: Graciela Brodsky e Sergio de Mattos por aceitarem tão generosamente nosso convite e, a Gresiela, cuja parceria, leveza e alegria foram essenciais ao longo desses meses, preparando este caminho que chamamos Jornada. Percurso, caminho, que assim como o nascer e o pôr do Sol, tem o seu ritmo próprio. Jornada, um significante que ecoa em nós, carregando a promessa de algo que se renova a cada passo, uma construção que é, ao mesmo tempo, metáfora e realidade.

Há algo de surpreendente em cada corpo que se deixa atravessar pelos discursos, cada sujeito que se coloca em questão. Como nos lembra Fernando Pessoa: “Navegar é preciso; viver não é preciso.” Assim somos nós, navegantes da palavra e do corpo, lidando com o impreciso, com o enigma da subjetividade. Nesta travessia, o discurso analítico é nossa bússola, e o desejo de transmissão, nossa força motriz.

Em uma jornada, nas conversações em torno dos trabalhos apresentados, nas conferências, o impossível de ensinar nos interpela. A psicanálise não se oferece como técnica, mas como um discurso que anima cada sujeito a produzir um dizer a partir da enunciação. Um corpo que fala, um corpo que se inscreve no laço com o Outro, pois “trazer o Outro à existência é o único remédio para a escuridão ambiental”, nas palavras de Cristiane Alberti.

O tema que nos reúne – “Discursos e Corpos: a causa do dizer” –, debatido pela comissão epistêmica na preparação dos eixos: epistêmico, clínico e político, provocou a conversação das preparatórias, gerou questões e inquietações que ecoaram e, hoje e amanhã, acompanharemos esses ecos. Os trabalhos, recortes clínicos, e as questões que animarão as conversas, certamente continuarão ressoando bem além desses dois dias intensos de conversação, pois o tema toca um momento do ensino de Lacan em que este não somente pensa o corpo, mas o coloca no coração, no centro mesmo da psicanálise enquanto prática e discurso.

Assim, para a psicanálise, o corpo é primeiro superfície de inscrição. Enquanto tal, recebe uma marca que o eleva a uma função significante que transcende seu ser vivente. A partir da inscrição desta marca sobre o corpo, esta última acede a seu estatuto de suporte da relação do sujeito a si mesmo – à sua imagem, ao seu nome, ao seu gozo – e do sujeito ao outro, aos outros. O corpo é o suporte do discurso.

Esse corpo real, marcado pela impossibilidade de ser totalmente capturado pela linguagem, aponta para uma falha fundamental no poder totalizante dos discursos.

Como psicanalistas, estamos sempre em contato com os restos deixados pelos discursos. Em nosso trabalho clínico, o corpo se apresenta, não como uma totalidade harmônica. O discurso, longe de capturar o corpo de forma plena, sempre deixa algo fora.

Tomo aqui um verso de Rainer Maria Rilke[1] no que este evoca a ideia de movimento contínuo e expansão, uma metáfora para pensar essa Jornada como um espaço de transmissão e formação. Estes círculos, que se expandem, podem ser vistos como a própria dinâmica do saber em psicanálise: um saber que não se fecha, mas que está sempre em expansão ao redor de um vazio, de um ponto de desconhecimento.

“Eu vivo minha vida em círculos crescentes
que sobre as coisas se expandem.
Talvez eu não chegue ao fim,
mas quero tentar.”

A Jornada, pode então ser pensada como um giro em torno desse vazio central, desse impossível de ensinar, que não cessa de não se escrever, como nos lembra Lacan. O círculo crescente é a representação do laço com a causa analítica, que exige não um conhecimento prévio, mas a abertura para o desconhecido, para o singular que cada um traz em si.

Na Jornada, cada trabalho apresentado, é um novo círculo que se expande, criando encontros entre analistas e suas experiências, promovendo a transmissão de algo que não pode ser estabelecido em regras ou manuais.

E é por isso que a Jornada, como forma de encontro, resiste ao fechamento. O que se transmite é o desejo de sustentar essa posição frente ao desconhecido, de fazer prevalecer a existência da psicanálise como prática e discurso.

Que esta 5ª Jornada da Seção Sul, seja uma forma de expandir os círculos do saber analítico, sabendo que não chegaremos ao fim, o que não nos impede de tentarmos!

Como analistas, nosso compromisso é com a formação contínua, na qual a incompletude do saber é o motor que nos impulsiona a continuar. A Jornada, portanto, como um espaço de transmissão, inclui o silêncio, o vazio, o que não pode ser dito todo! Que nossa Jornada seja, então, um espaço de encontro vivo, onde esperamos, cada um a seu modo, possa expandir os círculos da psicanálise.

Desejo a todos um bom encontro e que a causa do dizer se faça presente em cada fala, em cada corpo que se inscreve nessa travessia.

 

Revisão: Juan Cruz Galigliana


[1]  Rainer Maria Rilke “Círculos Crescentes”

 A minha vida eu a vivo em círculos crescentes
 sobre as coisas, alto no ar.
 Não completarei o último, provavelmente,
 mesmo assim irei tentar.

 Giro à volta de Deus, a torre das idades,
 e giro há milênios, tantos…
 Não sei ainda o que sou: falcão, tempestade
 ou um grande, um grande canto.

Tradução de José Paulo Paes

A Minha Vida Eu a Vivo em Círculos Crescentes – Rainer Maria Rilke

 

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