Esta terceira edição do boletim P U L S a R contempla, logo nas Ancoragens, dois…
Osso 1
Fernanda Baptista
(Participante das atividades da EBP-Sul)
Em seu texto, Célia Winter nos lembra que o analista deve estar advertido que aquele que busca um psicanalista nada sabe do seu gozo, o que ele busca é aliviar-se de seu sofrimento, mas que a aposta será justamente provocar uma torção para que se abra uma pergunta para além da queixa. Para uma pergunta supõe-se que haja uma resposta, ou muitas. O que implica em um esforço de construção. Um sentido que pode se ordenar, um ganho de saber, um tempo de decifração do inconsciente. O que Célia nos aponta, entretanto, é que há um obstáculo ao sentido desde o início das análises, o gozo fora do sentido, onde isso não fala a ninguém. Já houve um tempo de fascínio pelo sentido, estaríamos num tempo do fascínio do gozo? Como um analista pode responder a esse desbordamento sem que ponha a perder também o que do sentido pode fazer dreno ao gozo?
Se se trata de uma análise que se inicia já estamos no tempo em que as entrevistas preliminares cumpriram a função diagnóstica para que o analista se situe na transferência com cada sujeito. De uma massa amorfa para o endereçamento, o caótico se organiza no convite a falar, e quando isso não acontece, Miller[1] conclui, “é muito inquietante”.
Quando algo se organiza estamos no tempo em que os significantes mestres aos poucos se recortam, se localizam, se reduzem, e esse tempo tem, muitas vezes, efeitos terapêuticos rápidos, o sujeito também goza do sentido que a análise produz. Miller ironiza que essa é a “lua de mel” para os analistas, e brinca, “Ah! Seria um sonho, seria sensacional, um triunfo, só efetuar começos de análises!”.[2]
Por outro lado, será que poderíamos relacionar a inquietação a que Miller se refere com os desafios frente ao discurso capitalista que vigora e “obstaculiza a divisão subjetiva”, como formalizado no eixo 2? Muitas vezes não será pela via da suposição de saber, da emergência do Outro enigmático, mas caberá ao analista, na sua presença, poder apoiar os sujeitos a uma elaboração. Se a psicanálise vai na contramão do “siga o mestre”, e o mestre diz “goza!”, como operar para frear o gozo, mesmo que se saiba que há algo de ineliminável do gozo que percorrerá as análises do início ao seu final? Com as crianças, que estão mais próximas da pulsão, podemos aprender algo, como bem orienta Daniel Roy: “Esse objeto a, “impossível de eliminar”, nós o veremos deste modo surgir ao longo das cadeias significantes que a criança articula nos seus sonhos e brincadeiras, desde que lhe tenhamos dado o seu devido lugar, o de ser portador desse “valor de gozo [que] está no princípio da economia do inconsciente”.[3] Uma orientação preciosa para seguirmos desde os inícios das análises!
[1] Miller, Jacques-Alain. Perspectivas dos Escritos e Outros escritos de Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 101.
[2] Idem, p. 105
[3] Roy, Daniel. Sonhos e fantasmas na criança. Disponível em: https://www.revistarayuela.com/pt/010/template.php?file=notas/suenos-y-fantasmas-en-el-nino.html