Boletim da VI Jornada da EBP – Seção Sul Editorial – P U L S…
A época e o espírito do tempo: amor, desejo e gozo
Nancy Greca Carneiro (EBP / AMP)
Em seu discurso na Universidade de Milão – maio de 1972 –, Lacan afirma que antes de qualquer significação possível, o jogo do significante, o deslizamento do significante “… é isto o que determina o ser para aquele que fala”[1]. A língua, a língua materna, a língua que se fala e seus usos, os usos da língua. O espírito do tempo fala e nela se inscreve a subjetividade da época. Nos tempos que correm, o sujeito romântico se retira, o sujeito da dúvida se dilui numa demanda incessante de gozo.
Mas se o sujeito se inscreve na subjetividade de sua época, a psicanálise o encontra na falta, no furo, em torno de uma perda. E é o discurso, no ordenamento do que se pode produzir pela existência da linguagem, que faz papel de ligação social. Em pleno maio de 1968, Lacan adverte que a aspiração revolucionária sempre termina no discurso do Mestre. E faz notar: “… é claro que nada é mais candente do que aquilo que, do discurso faz referência ao gozo”[2].
Oscar localiza em seu texto uma passagem precisa: “em 1970, o inconsciente é definido por Lacan como o discurso do mestre, e em 1972, em Milão, Lacan avança no conceito de inconsciente e o homologa ao discurso capitalista”. Destaco de seu texto “… o discurso capitalista rejeita a castração tornando inviável o estabelecimento do laço social, deixando de lado as coisas do amor”.
O discurso capitalista é apresentado como uma interrupção, uma pequena inversão entre o S1 e o sujeito dividido que interrompe o giro dos discursos e foraclui a castração. Se “o que faz girar os discursos é o amor”[3] e o amor faz suplência ao impossível, ao furo no real e organiza os discursos, como mediar a falta e fazer circular gozo e saber? Que mediação fazer circular entre sujeito e gozo sem a mediação simbólica?
Em a Erótica do tempo, Miller[4] se refere ao gozo assediado pelo tempo. Diante do imperativo de gozo, o amor não enlaça, se esgarça a temporalidade do desejo, o tempo da falta, o tempo da espera, o tempo do encontro e se impõe a erotização da urgência. O tempo da urgência se torna um canal para o gozo.
O que oferecer a um sujeito exaurido, desconectado, seduzido pela imagem de si, capturado pela oferta constante de objetos descartáveis, que exige um gozo direto que prescinde do amor, contorna o desejo e a castração?
Freud se refere a três profissões impossíveis – de governar, de educar e de analisar, às quais Lacan inclui a de fazer desejar[5]. Trata-se justo da oferta de Lacan ao propor o discurso analítico como um dos quatro discursos: como fazer presente o discurso analítico no século XXI, aquele que deve se encontrar no polo oposto a toda vontade de dominar? “E, como eu dizia na última vez, quando deixei Vincennes, talvez seja do discurso do analista, se fizermos esse quarto de giro, que possa surgir um outro estilo de significante mestre”.[6]
E cá estamos em pleno um quarto do século 21 a nos perguntar: cadê o gozo?
[1] Lacan, J. O discurso capitalista – Discurso de Jacques Lacan na Universidade de Milão 12 de maio de 1972. Apostilado
[2] Lacan, J. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969-1970). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor 1992, p. 66
[3] Lacan, J. O seminário, livro 20: mais, ainda (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.
[4] Miller, J. A. A erótica do tempo. Seminário proferido durante o X Encontro do Campo Freudiano. Os circuitos do desejo na vida e na análise, abril de 2000, Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria.
[5] Prefácio para um livro de August Aichhorn escrito por Freud em 1925.
[6] Lacan, J. “A impotência da verdade”. In: ___. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969-1970). Rio de Janeiro: Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p. 168.