Teresa Pavone (EBP/AMP) É com satisfação que apresento o VIII Boletim da Seção Sul ao…
“Onde estou no dizer?” Enunciação e experiência[1]
Artur Cipriani da Silva[2]

Desde aquele tempo enquanto o resto da turma
se juntava pra bater uma bola
Eu pulava o muro com Zezinho
no fundo do quintal da escola[1]
Desde a conversa com os participantes da Nova Política da Juventude, denominada “Experiência de Escola”, já fomos convidados, nos convidamos a dizer de nossos percursos e transferências com a Escola, esse ideal ao qual cada um de nós, tão sozinho como se está em relação à causa analítica, se remete. Um segundo passo, uma consequência possível é uma enunciação própria a respeito da Escola. Poderia a formação “acompanhada” dos participantes da NPJ ter função interpretativa?
Partir da Teoria de Turim me parece um interessante caminho na via de saber mais da Escola, da AMP, enquanto participante da NPJ. Afinal, ali Miller está justamente dizendo o que constitui uma Escola de psicanálise. Deixemos este texto aberto para em seguida a ele nos voltarmos.
Há um desenvolvimento do conceito de Escola a partir dos pré-socráticos, sendo que a Academia de Aristóteles marca um momento decisivo do significante “Escola”. Esse conceito aparentemente vem de antes, dos egípcios. A origem etimológica do significante “Escola” é o grego scholē [ou skholē?], que originalmente significava “lazer”, e também aquilo em que o lazer é empregado[2] [3], quer dizer, aquilo de que o homem livre (do trabalho servil), com ócio, poderia se ocupar. Evidentemente, já com os gregos “escola” passou a denominar uma instituição de ensino. Por agora, o significante também pode dizer do lugar físico, edifício onde esse ensino é praticado; de uma doutrina ou sistema de pensamento; de um método e estilo de um autor ou artista.
Sobre a Escola de Psicanálise, à qual fui levado como instituição em que se supunha saber e já, também, desejo de saber, pergunto-me: por que a proposta de Lacan foi de uma Escola, não de uma associação, sociedade, grêmio, confraria, irmandade, etc.? A decisão certamente teve que ver com sua crítica à IPA/SAMCDA e sua hierarquização, burocratização, formalismo, rigidez etc. Talvez tenha também a ver com o retorno ao tipo de grupo que Freud formara nos primórdios da psicanálise.
Cito o Preâmbulo de 22 de janeiro de 2000:
Em 21 de junho de 1964, reafirmando, ao mesmo tempo, a validade da experiência psicanalítica e a necessidade de estabelecer-lhe o princípio freudiano na teoria e na prática, Jacques Lacan introduzia, simultaneamente, a noção de uma forma associativa até então inédita: no lugar da Sociedade que se tornou tradicional, baseada sobre o reconhecimento mútuo dos didatas, ele propôs a Escola, cujos membros encontrariam no reconhecimento de um não saber irredutível – S(A), que é o próprio inconsciente, o ponto de partida para prosseguir um trabalho de elaboração orientada pelo desejo de uma invenção de saber e de sua transmissão integral, o que Lacan devia chamar, mais tarde, de matema[4].
Por “uma forma associativa até então inédita” consideramos seu ineditismo em relação às instituições psicanalíticas, mas, por que não, também ao conceito de Escola.
Reconhecemos nesta enunciação fundante de Jacques Lacan o que faz da Escola uma experiência inédita, em sua elaboração e em sua transmissão, sem igual nas formas de saber constituído de nossa época[5].
Para além de uma instituição formativa, que também envolve ensino, a Escola de Lacan é um conglomerado de solidões, de um-a-um referenciados nesse ideal que é a Escola, e/ou então a Causa Freudiana. Uma elaboração a fim de saber do lugar de onde se diz (que não é dado de antemão, visto que a cada vez é preciso ver o lugar do dizer e do dito, da enunciação e do enunciado) só se pode fazer a partir desse lugar solitário, desse lugar de um que tem uma relação com esse ideal.
Refúgio contra o mal-estar na civilização à qual fui apresentado, a Escola se me chegou com as cores do saber suposto; a este podemos agora adicionar a qualidade de sujeito, pois a teoria de Turim propriamente dita é: a Escola é sujeito. Os fenômenos dos grupos são interpretáveis como um sujeito o é; por conseguinte, também a Escola.
As funções e os fenômenos postos em evidência no plano do coletivo são os mesmos que as funções que se revelam e os fenômenos que se desdobram no tratamento. Nos termos de Freud são a função do Eu, a do Ideal do Eu, o fenômeno da identificação[6].
A entrada e a participação na Escola dependem de um envolvimento e de um trabalho singular, solitário, em relação a esse ideal; mas essas também são condições para o funcionamento da própria Escola. Isto remete diretamente ao que Miller fala a respeito de: 1) que, em uma Escola, “tudo é da ordem do analítico”; de que ali “(…) não há nada que não tenha o gênio psicanalítico, que não participe do espírito da psicanálise, certamente que pode ser a título de se defender dele, de reprimi-lo, de negá-lo”[7]; e 2) a Escola ser não-toda:
Neste sentido, a Escola é um conjunto logicamente inconsistente. É um conjunto de Russell, o dos catálogos que não contém a si próprios, um conjunto sem universal, “fora do Universo”, no qual não vale o “para todo x”. É “não-todo”, o que não quer dizer que seja incompleto, que lhe falte sempre um pedaço, como se entende habitualmente. É “não-todo” no sentido em que é logicamente inconsistente, e se apresenta sob a forma de uma série na qual falta uma lei de formação. É também a razão da estrutura que faz com que o movimento lacaniano se apresente sob uma forma essencialmente dispersa; a AMP não é ela mesma, mas uma entre outras[8].
Interessa-me comentar a dificuldade de “fazer” uma escola de psicanálise nessa condição de portadora de um modo de enunciação não alienante (via sugestão, opondo “nós” a “eles”, intensificando a alienação subjetiva ao Ideal), mas interpretativo. Falamos aqui de enunciar interpretações à própria Escola: “Interpretar o grupo é dissociá-lo, e remeter cada um dos membros da comunidade à sua solidão, à solidão de sua relação ao Ideal”. Todas as solidões na Escola “(…) são tratadas cada uma como exceção, e não são sindicalizáveis”[9].
“(…) a cada vez nascida de crises, [a psicanálise] sempre está em crise porque ela permanece com o Real, e, portanto com o impossível no cerne de qualquer grupo analítico”[10]. Quanto mal-estar, quanta incerteza, quanta claudicação em relação ao ideal não há em um movimento essencialmente disperso, um conjunto logicamente inconsistente, um grupo cujo funcionamento consiste mesmo em sua própria e constante dissociação – e não está aqui também o gérmen do cartel, grupo-núcleo do trabalho de Escola, fundado sob a premissa de sua própria dissolução? Estamos falando aqui de dispositivos que não pretendem destruir os ideais de grupo, instituição, causa etc.; mas que nos primeiros capítulos de seu funcionamento buscam garantir que esses ideais, essas transferências, diga-se também, portanto: essas resistências, não sejam totais a ponto de cegar o tal fio cortante. Uma função necessária.
Se o passe é a característica própria da Escola de Lacan, seu singular, está aí também, apontando através da tal doutrina do final de análise, uma orientação para o sujeito na Escola e para o sujeito Escola.
Bibliografia
BASSOLS, Miquel. O campo e a causa – aos 20 anos da Escola Brasileira de Psicanálise.
MILLER, Jacques-Alain. Teoria de Turim: sobre o sujeito da Escola. Opção Lacaniana online, nova série, ano 7, n. 21, nov. 2016, pg. 03, 09. Disponível em: https://www.opcaolacaniana.com.br/edicao/21/teoria-de-turim-sobre-o-sujeito-da-escola/. Acesso em: 26 abr. 2025.
PERSEUS DIGITAL LIBRARY. Disponível em: https://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.04.0057%3Aentry%3Dsxolh%2F. Acesso em: 26 abr. 2025.
Preâmbulo da Escola Una. Escola Brasileira de Psicanálise, 22 jan. 2000. Disponível em: https://www.ebp.org.br/ebp/preambulo/. Acesso em: 26 abr. 2025.
SEIXAS, Raul. No fundo do quintal da escola. Excerto da música.
WRIGHT, C. Negative Transference as Fertile Crises in the School. In: Psychoanalytical Notebooks of the London Society of the NLS, n. 40, 2023, pg. 131–132. Tradução do autor.
Online Etymology Dictionary. Disponível em: https://www.etymonline.com/word/school. Acesso em: 26 abr. 2025.
[1] Excerto de “No fundo do quintal da escola”, música de Raul Seixas.
[2] Perseus Digital Library. Disponível em: https://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.04.0057%3Aentry%3Dsxolh%2F.
[3] Online Etymology Dictionary. Disponível em: https://www.etymonline.com/word/school.
[4] Preâmbulo da Escola Una. Escola Brasileira de Psicanálise, 22 jan. 2000. Disponível em: https://www.ebp.org.br/ebp/preambulo/. Acesso em: 26 abr. 2025.
[5] BASSOLS, M. “O campo e a causa – aos 20 anos da Escola Brasileira de Psicanálise”.
[6] MILLER, Jacques-Alain. Teoria de Turim: sobre o sujeito da Escola. Opção Lacaniana online, nova série, ano 7, n. 21, nov. 2016, p. 3. Disponível em: https://www.opcaolacaniana.com.br/edicao/21/teoria-de-turim-sobre-o-sujeito-da-escola/. Acesso em: 26 abr. 2025.
[7] Idem, pg. 12.
[8] Idem. pg. 09.
[9] Idem.
[10] Wright, C. “Negative Transference as Fertile Crises in the School”. In: Psychoanalytical Notebooks of the London Society of the NLS, no 40, 2023, pp 131-32. Tradução do autor.