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O corpo como limite

Mauro Agosti
Participante da Comissão de Referências Bibliográficas da 5°Jornada da EBP-Sul.

[ Foto de Leonardo Lima – Vera Mantero – Festival de Curitiba, 2017]
Tomei como ponto de partida o significante Corpo do título desta 5a Jornada da EBP Sul e, partindo da orientação de Lacan onde, os discursos organizam um modo de fazer laços a partir da impossibilidade da linguagem cobrir o real, me parece interessante pensarmos numa articulação com as apresentações clínicas barulhentas, desarticuladas, empobrecidas de elaborações simbólicas, muitas vezes acompanhadas por diferentes tipos de excessos (drogas, álcool, compras, jogos, trabalho etc.) e que têm como protagonista o corpo. Esta tentativa de articulação tem como finalidade despertar a curiosidade e convidar a receber as suas elaborações.

Do corpo afetado ao corpo como limite, qual torção aí?

Inicialmente me orientei pelo impacto dos discursos nos corpos, mas a posteriori, uma nova direção se me apresentou para acrescentá-la: os modos de habitar os discursos e sua relação com os limites. Esta possibilidade veio a partir de um encontro com um texto cujo título me causou “Ceder el goce o ceder al goce: discurso capitalista y acto analítico”[1] e do qual faço a seguinte extração:

“Se hace lazo cuando se cede goce: por respeto, por amor, por saber, por deseo… Concretamente, los discursos organizan modos de ceder el goce. Los distintos  modos de resolver  la imposibilidad configuran distintas maneras de aceptar los límites del lenguaje. El agente del discurso comanda el modo de ceder goce, modo por el que se permite que el discurso continúe. […] Pero en el discurso capitalista – y en el científico cuando se alía con él –  no hay posibilidad de discurso porque no se pide ceder el goce sino ceder al goce. Se promete que no es preciso un menos de goce para resolver, que no hay que perder nada, al contrario, se promete una ganancia de goce. Se trata al goce con más goce. El mercado provee los objetos – y así pasan a ser objetos de consumo el saber, el amor y la política, por ejemplo –. El goce así entendido supone una satisfacción para todos igual, no se trata del goce singular como lo entiende el psicoanálisis. La experiencia de aceleración y excitación creciente de nuestro tiempo es fruto de esta imposibilidad de discurso: el circuito de satisfacción es contínuo y la tensión no se descarga más que por llegar al límite del cuerpo, incluyendo la posibilidad de morir”[2].

Esta referência permite avançar que estamos perante um “não-discurso, um anti-discurso” que nega a perda, como enuncia a autora. Sabemos que estando na linguagem, algo sempre se perde e, portanto, inevitavelmente aparecerá o resto, aquilo que não pode ser transformado retornando então no real. Desde os tratamentos do gozo que produz a ciência aliada ao capital, se exclui a dimensão do gozo singular e da transferência, sendo esta a que pode fazer de limite no marco de um discurso qualquer. Então, sem perda, sem laço, sem palavra, o corpo passaria ao primeiro plano como limite? Neste anti-discurso capitalista, ao rechaçar a cessão de gozo, se perde a possibilidade de responder tanto por parte do agente como pelo sujeito, se perde assim o sujeito?

O discurso analítico, via a transferência, visa a pensar em modos de que a perda seja reintroduzida e apaziguada. Ele se oferece para elevar à dignidade de um sintoma, aquilo que empurra o corpo e assume várias formas que perturbam o funcionamento deste. Será então interessante pensarmos que o ato sob transferência poderia ser uma das respostas da psicanálise ao limite da capacidade do simbólico, ao problema do gozo?


[1] “Ceder Gozo ou ceder ao gozo. Discurso capitalista e ato analítico”
[2] TEIXIDÓ, Araceli. Ceder el goce o ceder al goce: discurso capitalista y acto analítico. Revista Enlaces An̈o 24, N° 28, septiembre 2022. p. 196.
“Faz-se laço quando se cede o gozo: por respeito, por amor, por saber, por desejo… Concretamente, os discursos organizam modos de ceder o gozo. Os diferentes modos de resolver a impossibilidade configuram diferentes maneiras de aceitar os limites da linguagem. O agente do discurso comanda o modo de ceder o gozo, o modo pelo qual se permite que o discurso continue. […] Mas no discurso capitalista – e no discurso científico quando aliado a ele – não há possibilidade de discurso porque não se pede para ceder o gozo, mas para ceder ao gozo. Promete-se que não é necessário ter um menos gozo para resolver, que não há nada a perder, pelo contrário, promete-se um ganho de gozo. Trata-se o gozo com mais gozo. O mercado fornece os objetos – e assim o saber, o amor e a política, por exemplo, tornam-se objetos de consumo. O gozo entendido desta forma pressupõe uma satisfação igual para todos; não se trata de um gozo singular, tal como a psicanálise o entende. A experiência de aceleração e excitação crescente do nosso tempo é fruto desta impossibilidade de discurso: o circuito de satisfação é contínuo e a tensão só é descarregada ao atingir os limites do corpo, incluindo a possibilidade de morrer”. (Tradução livre da Comissão de Referências da 5° Jornada).
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